Os animes se
estabeleceram no Japão como arte comercial de sucesso durante a década de 1960,
inicialmente no meio televisivo e depois também nos cinemas [NAPIER,
2005]. Durante os anos 1980, o consumo
de animações já estava consolidado no país e foi nesse período que diversos
realizadores puderam montar seus próprios estúdios [ODELL; LE BLANC, 2013].
Hayao Miyazaki é provavelmente a referência mais popular da contemporaneidade
quando se fala em animação japonesa e é um dos fundadores do aclamado Studio
Ghibli. Desde 1979, dirigiu 11 longas-metragens, vencedores de um total de 141
prêmios, sendo 79 deles referentes à categoria Direção, inclusive um Oscar e um
Urso de Ouro [IMDb, s.d.]. Suas obras mais conhecidas no Ocidente são “Meu
amigo Totoro” [1988] e “A viagem de Chihiro” [2001] e algumas das
características notáveis de seus trabalhos são as protagonistas femininas, o
gosto por veículos e personagens voando e histórias não baseadas em dualismo
maniqueísta [NOVIELLI, 2018].
É relevante observar
que durante a década de 1970 uma onda de movimentos feministas se fez presente
no Japão, questionando a noção amplamente difundida de que cabia às mulheres
apenas o papel de esposas e mães, cuja função era administrar o lar e garantir
que os filhos tivessem sucesso escolar e, posteriormente, na carreira. O
aumento no ativismo de diferentes comunidades e as demandas por oportunidades
igualitárias de emprego foi tão significativo naquele período que em 1985 foi
estabelecida a Lei de Igualdade de Oportunidades de Emprego, momento em que
também houve a emergência da primeira líder mulher do Partido Social
Democrático, Takako Doi, o principal partido de oposição do país. Destaca-se
também que em 1989 22 mulheres foram eleitas para a Câmara dos Conselheiros que
integra a Dieta do Japão, o parlamento do país, um número tão relevante em
relação às 10 ou menos mulheres eleitas nas eleições anteriores que tal evento
foi nomeado pela mídia da ocasião de "fenômeno Madonna" [TIPTON,
2008].
Em uma conjuntura
politicamente agitada e de importante crescimento econômico do país, Miyazaki
transformou seu mangá “Nausicaä do Vale do Vento” [19982 – 1994] no filme
homônimo em 1984. O sucesso comercial e de público do longa-metragem foi
tamanho que viabilizou a fundação do Studio Ghibli em 1985. Desde seu
lançamento o anime foi chancelado pela WWF, uma das maiores ONGs do mundo para
a conservação de espécies ameaçadas de extinção, e o logotipo da WWF aparecia
[e ainda aparece] em tela cheia imediatamente antes do início do filme. Tal
chancela, junto com as ações de divulgação que foram desenvolvidas através dela
[AKIMOTO, 2014], possivelmente favoreceu o alcance tanto nacional quanto
internacional do longa e um certo olhar sobre seu conteúdo, que foi endossado
pelo diretor e pelo estúdio. No entanto, por mais que a leitura ambiental seja
cabível, gostaria de explorar aqui outras possibilidades interpretativas.
Filmes são
representações que têm efeitos reais sobre o mundo e trazem junto consigo
visões sobre relações sociais e culturais [SHOHAT; STAM, 2006]. Considerando o
momento histórico de produção de “Nausicä”, parece-me que ver o anime apenas
pelo viés ambiental ou pacifista relega ao segundo plano reflexões que as
próprias imagens do longa pedem [MITCHEL, 2015], a saber: o fato da personagem
principal ser uma mulher jovem que está disposta a dar a vida em prol de
outros. Assim, quero sugerir que o impacto produzido por “Nausicaä” não está
tanto na discussão ambiental que ele pode suscitar, mas na disposição da
personagem principal ao sacrifício e na maneira como isso é construído
imageticamente. Tendo em vista que é papel do criador/diretor elaborar
estratégias pelas quais se torna possível produzir determinados efeitos sobre
os espectadores, será realizada a análise fílmica de “Nausicaä” a partir desses
efeitos, investigando que recursos foram empregados e como foram utilizados com
o fito de produzir certo tipo de experiência [GOMES, 2004]. Desde essa
perspectiva, não me parece que se nos emocionamos com o desfecho do filme em
questão seja porque a personagem principal, Nausicaä, atuou de modo ecológico e
restabeleceu a harmonia entre as diferentes formas de vida, mas porque ela
sobrevive – ainda que se sacrifique.
O filme e a sequência
Com
o objetivo de refletir a respeito de como alguns personagens são apresentados
ao espectador [SHOHAT; STAM, 2006] escolheu-se um segmento de 13 segundos
composto por seis planos que se inicia em 1h 40min 56s. Nele, Nausicaä enfrenta
seus oponentes desarmada e de braços abertos depois de se esquivar de uma série
de tiros. Esse trecho faz parte dos 20 minutos finais do filme em que a
narrativa se encaminha para o desfecho e é o primeiro momento em que a
personagem deixa claro que está disposta a se sacrificar para salvar a vida de
outros. Antes de proceder às análises específicas, será feita uma breve
apresentação do enredo do filme. Cabe pontuar que a narrativa é uma saga épica
e algumas passagens são contadas tão rapidamente que dificultam a compreensão do
anime quando visto pela primeira vez.
A
história de “Nausicaä” decorre de a população de um povoado denominado Pejite
decidir reviver um Guerreiro Gigante, humanoide com poder de destruição em
massa que atuou no evento que é sumariamente mencionado [mas não explicado]
como Sete Dias de Fogo e que levou ao fim da civilização industrial 1000 anos
antes. Os Guerreiros Gigantes pereceram naquela ocasião, com exceção de um, que
está adormecido em forma de embrião sob Pejite, cuja liderança quer revivê-lo
para tentar combater e destruir o Mar Podre, uma floresta que exala toxinas
nocivas para os humanos. Ao saber disso, a base militar de Torumekia tenta
roubar o embrião do Gigante e, no processo, sua nave cai sobre o bucólico Vale
do Vento. Por um lado, a população de Pejite tenta se livrar dos soldados de
Torumekia e reaver o Gigante; por outro, os soldados de Torumekia subjugam a
população do Vale do Vento e usam essa localidade para reviver e usar o
Guerreiro Gigante a seu favor. De modo complementar, tanto Pejite quanto
Torumekia têm intenção de destruir o Mar Podre, o que serve como pretexto para
ambos retomarem a referida arma de destruição em massa. Nausicaä, líder do Vale
do Vento, é a personagem que faz frente a tais iniciativas e tem o objetivo de
salvar o Mar Podre, o Vale do Vento e seus habitantes
[sejam eles humanos ou não]. Cabe explicar que o Mar Podre é habitado por
insetos gigantes, dentre os quais se destacam os ohmus, artrópodes de enormes
proporções que têm grande potencial destrutivo quando são irritados.
Passemos, pois, à
descrição da narrativa em que se insere a sequência selecionada. Com o objetivo
de retomar o Guerreiro Gigante, Pejite captura um bebê ohmu do Mar Podre e o
machuca, transpassando-o com diversos objetos perfurantes. A intenção é
provocar a ira dos ohmus, que farão um ataque na direção de onde o pequeno
estiver e destruirão tudo que estiver pela frente. O bebê é, então, prendido a
um veículo voador e está sendo levado até o Vale do Vento. Ao se inteirar desse
plano, Nausicaä intercepta tal veículo para tentar recuperar o bebê ohmu,
devolvê-lo ao Mar Podre e impedir a destruição do Vale. No segmento, Nausicaä
está desarmada, voando com seu planador enquanto os dois homens de Pejite que
transportam o ohmu ferido tentam abatê-la com tiros.
A fim de facilitar a
apresentação e subsequente análise foi elaborada a Figura 1 contendo um frame
de cada um dos seis planos com a descrição da ação e do áudio. Os planos
acontecem de modo consecutivo, não havendo a omissão de nenhum plano do trecho
selecionado. Deste ponto em diante, cada plano específico será referenciado
pela letra P e seu número correspondente [P1, P2, P3, P4, P5 e P6] e será
empregada a nomenclatura take, para evitar confusões entre os takes [planos] e
o que está no primeiro, segundo ou terceiro plano de cada quadro. Quanto à
edição, não há emprego de efeitos de transição nos cortes. Todos os takes têm a
câmera fixa e são ocupados por personagens masculinos ou Nausicaä, que leva
sobre o ombro direito Teto, um esquilo-raposa que a acompanha desde o início do
filme. Os personagens masculinos não têm nome e foram aqui denominados de Homem
de Pejite 1 e Homem de Pejite 2.
Em P1 vemos em
primeiro plano uma metralhadora, empunhada pelo Homem 1; os dois homens em
segundo plano com expressão facial séria, seus corpos e olhares voltados para a
lateral direita do frame; e em terceiro plano vemos o céu e parte da parede
interna do veículo voador. Em P2, as costas do Homem 1 estão em primeiro plano,
voltadas para a lateral direita do frame; em segundo plano vemos a
metralhadora; e no terceiro plano vemos parte da parede interna do veículo
voador e Nausicaä voando no céu em seu planador – ela tem o tronco curvado para
frente e braços estendidos para segurar nas hastes do planador. Em P3 a
metralhadora está novamente em primeiro plano, apontada diretamente para o
espectador; em segundo plano o Homem 1 olha de frente para o espectador e reage
com expressão de surpresa; no terceiro plano vê-se detalhes dos mecanismos na
parede do veículo voador e o céu. Em P4 vemos Nausicaä de corpo inteiro em
segundo plano, de frente, olhando para o espectador em pé sobre o planador com
os braços abertos, com Teto sobre seu ombro direito; no terceiro plano vê-se o
céu. Em P5 o primeiro plano é ocupado pela mira da metralhadora fora de foco;
no segundo plano vê-se o Homem 1 com expressão de surpresa olhando para o
espectador; e o céu em terceiro plano. O segundo plano de P6 é ocupado por
Nausicaä com os braços abertos olhando para o espectador, sua expressão facial
é séria e serena; e no terceiro plano vê-se o céu. A sequência P3, P4, P5 e P6
faz com entendamos que Homem 1 e Nausicaä estão se olhando e um reagindo ao
outro:
Quanto ao áudio, em
P1, P2 e P3 escuta-se um discreto som de motor funcionando, em P1 o Homem 2 dá
orientações para o Homem 1: “Lá vem ela. Deixe-a chegar perto e atire”, e ao
final de P3 ouve-se um som de inspiração forte, sugerindo espanto. Em P4 entra
em fade in uma música que continua até P6 e em P5 escutamos a voz do Homem 1
emitindo sons curtos que sugerem surpresa e confusão.
Como se pode observar
na Figura 1, a maior parte dos takes é ocupada pelos personagens masculinos e
eles são enquadrados mais próximos da câmera. No entanto, o fato de os homens
não terem nome, junto com as composições cênicas e o emprego da música atuam em
conjunto para produzir [ou reiterar] a identificação do espectador com Nausicaä.
Analisemos, pois, as imagens e o uso dos recursos sonoros desde essa
perspectiva.
Em P1, a câmera está
posicionada horizontalmente em relação aos homens, cujos rostos ocupam menos de
1/8 do frame nos quadrantes superiores direito e esquerdo. Em primeiro plano,
tomando mais de ¼ da imagem, vemos a metralhadora cobrindo parte do tronco do
Homem 2. O áudio é discreto, indicando que o motor do veículo está ligado e
funcionando. Em P2, a câmera está levemente inclinada para cima, as costas do
Homem 1 ocupam quase toda a metade esquerda do frame, o centro da imagem é a
metralhadora e o foco da atenção é convocado pelo movimento que Nausicaä faz no
terceiro plano. O áudio mantém-se o mesmo de P1. Em P3, câmera novamente
horizontal, o Homem 1 está centralizado, ocupando a maior parte do frame, e a
construção imagética indica que ao apontar a metralhadora para Nausicaä, o
Homem 1 está também apontando a arma para o espectador – assim, ao atirar na
personagem, ele estará também atirando na plateia. O áudio mantém-se o mesmo de
P1 e P2. Em P4, câmera levemente inclinada para cima, é o take em que vemos
Nausicaä no centro do quadro, de corpo inteiro sobre o planador – sua imagem
indica que ela não porta armas visíveis, que ela não está pilotando o planador
e que ela não tem como se defender caso atirem nela. Neste take, a música entra
em fade in, favorecendo a identificação com a personagem que, embora incapaz de
se defender neste momento, não há nada em sua postura que indique que ela se
sinta indefesa. A maior parte do take é ocupada pelo planador, que fornece
sustentação à personagem, mesmo que no ar. Em P5, câmera novamente na
horizontal, a metralhadora e sua mira estão fora de foco no primeiro plano e,
através da mira, vemos o rosto do Homem 1 que, além de ter os olhos arregalados
e brilhantes, tem um pouco de cabelo para fora da balaclava, sugerindo
desalinho. Este é o único take dos homens em que não vemos no terceiro plano a
parede interna do veículo voador. A expressão facial de confusão do Homem 1 é
reiterada pela composição da imagem, que indicam que ele está subjetivamente
sem chão ou apoio. No áudio, a música de P4 se mantém e é acompanhada dos sons
curtos emitidos pelo personagem, que sugerem surpresa e indecisão. Em P6,
câmera horizontal, a metade superior do take é ocupada pelos braços, peito e
rosto de Nausicaä. Na metade inferior, veem-se as hastes e uma alça do
planador, mas, se assim como o Homem 1, Nausicaä também está sem chão, sua
expressão facial e postura indicam que ela está decidida. A respeito de Teto, o
esquilo-raposa que está no ombro da personagem, é possível hipotetizar que ele
é estrategicamente colocado como uma versão mais amigável do mundo animal que
no filme é composto majoritariamente por insetos, os quais podem suscitar
afetos controversos nos espectadores.
Quanto à postura
corporal, notamos que os homens de Pejite estão sob o anteparo de uma arma,
simultaneamente protegidos por ela e em posição de ataque. Já Nausicaä se
coloca com postura totalmente exposta e seu contra-ataque é realizado através
do desafio ético que seu corpo desarmado representa. É interessante observar o
contraponto aqui estabelecido pelas imagens: os homens são caracterizados pela
movimentação limitada, pelo uso de roupas pesadas e de arma de fogo, enquanto a
mulher é retratada com leveza, movimentação ágil e sua arma é a determinação.
Também cabe destacar que o vestido que ela usa na sequência foi-lhe emprestado
por habitantes de Pejite para que ela pudesse fugir e tentar salvar o Vale do
Vento. Assim, a personagem do Vale do Vento está vestida com roupas de Pejite e
leva em seu ombro um pequeno animal.
Observa-se na
sequência que a construção imagética e sonora dos seis planos em questão leva o
espectador a identificar-se com Nausicaä e reagir emocionalmente à sua postura,
que é sublinhada pela música e
endossada pelos símbolos que Nausicaä carrega. P4 e especialmente P6 nos
apresentam não apenas a personagem Nausicaä, mas ela como representante de três
diferentes povos [Vale do Vento, Pejite e animais] e uma possibilidade de união
destes. Caso o Homem 1 atire nela, estaria atirando contra seu povo e afetaria
conjuntamente o Vale do Vento e o universo dos animais, que fazem parte do
cerne da narrativa. Não suficiente, o espectador também será afetado uma vez
que é para o público que a metralhadora está apontada. Não é casual que seja
também para o público que Nausicaä se coloca de braços abertos e demanda uma
decisão.
A partir das análises
acima empreendidas, é possível afirmar que na sequência selecionada há uma
orquestração de elementos audiovisuais que convocam a identificação do
espectador com Nausicaä e, mais do que isso, estabelecem um posicionamento em
relação ao sacrifício que a personagem está disposta a fazer. Embora seja ela
quem está colocando a vida em risco, é também ela quem tem a expressão serena e
decidida. É a personagem que dá nome à história que se coloca de braços abertos
para a ameaça, em oposição aos homens sem nome que se escondem atrás de uma
arma e estão dispostos a atirar em alguém desarmado e que veste a roupa do seu
povo [Pejite]. Para arrematar, é a postura decidida de Nausicaä que é
acompanhada de música, artifício basal na regulação das reações da plateia
[SHOHAT; STAM, 2006].
Considerações finais
O presente trabalho
investigou uma sequência de “Nausicaä do Vale do Vento” [1984], filme de Hayao
Miyazaki que foi amplamente difundido como tendo caráter ambiental. Propõe-se
que, se por um lado, tal marca pode ter contribuído para aumentar o alcance e
visibilidade do anime, por outro, acaba por eclipsar o que aqui se levanta como
hipótese que seja o assunto principal do longa-metragem: a disposição de uma
mulher jovem a se sacrificar para salvar os outros. Nessa direção, foi
empregada a análise poética do filme em uma sequência de seis planos com o
objetivo de rastrear como foram construídos alguns dos efeitos propostos pela
obra. Observou-se que a continuidade dos frames faz com que o espectador seja
colocado no lugar de Nausicaä e que tal composição comunica que atirar na
personagem principal equivale a atirar contra os espectadores. A postura serena
e decidida de Nausicaä é acompanhada de música, o que reforça as estratégias de
mobilização da plateia em relação à personagem. Adicionalmente, as vestimentas
da personagem e o fato de ela estar acompanhada de um esquilo-raposa elevam
Nausicaä a uma esfera maior que si mesma, uma vez que ela representa três
universos distintos [Pejite, Vale do Vento e mundo animal] e a possibilidade de
união deles.
Como conclusão,
pode-se afirmar que no segmento analisado os recursos cinematográficos foram
utilizados no sentido de favorecer a identificação dos espectadores com a
personagem principal e endossar sua atitude de sacrifício. Faz-se necessário
dar continuidade à investigação em futuros trabalhos, selecionando outras
sequências do filme a fim de tencioná-las entre si e estabelecer diálogos entre
tais leituras e os movimentos sociais que marcaram a década de 1980 no Japão.
Thereza
Cristina de Oliveira e Silva é mestranda do Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Estadual de Londrina.
AKIMOTO, Daisuke. “Learning
peace and coexistence with nature through animation: Nausicaä of the Valley of
the Wind” in RITSUMEIKAN JOURNAL OF ASIA PACIFIC STUDIES, v. 33, 2014, p. 54-63.
GOMES, Wilson. “La poética del
cine y la cuestión del método en el análisis fílmico” in SIGNIFICAÇÃO: REVISTA
DE CULTURA AUDIOVISUAL, v. 31, n. 21, Jan-Jun, 2004, p. 85-105.
HAYAO Miyazaki in IMDb (Internet Movie Database). [S. l., s.d.].
Disponível em: https://www.imdb.com/name/nm0594503/#director.
MITCHELL, W. J. T. O que as imagens realmente querem? in ALLOA, Emmanuel
(org). Pensar a imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 165-189.
NAUSICAÄ do Vale do Vento. Direção: Hayao
Miyazaki. Produção: Isao Takahata. Japão: Studio Ghibli, 1984. 1 vídeo (117
min.). Disponível em:
https://www.netflix.com/br/title/70019062?s=a&trkid=13747225&t=cp&vlang=pt&clip=81234979.
NAPIER, Susan J. Anime from Akira do Howl’s
Moving Castle: Experiencing Contemporary Japanese Animation. London: Palgrave
Macmillan, 2005.
NOVIELLI, Maria Roberta.
Floating Worlds: A short history of Japanese animation. Boca Raton: CRC Press
Taylor & Francis Group, 2018.
ODELL, Colin; LE BLANC,
Michelle. Anime. Harpenden: Kamera Books,
2013.
SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Estereótipo,
realismo e luta por representação. in SHOHAT, Ella; STAM, Robert.
Crítica da imagem eurocêntrica: Multiculturalismo e representação. São Paulo:
Cosac Naify, 2006. p. 261-312.
TIPTON, Elise. K. Modern Japan:
A social and political history. Abingdon: Routledge, 2008.
Olá, Cristina, muito boa tarde.
ResponderExcluirMe chamo Luis Sérgio Bentes Lopes, sou professor e historiador, paraense e vivo em Brasília.
Parabéns pelo trabalho e pela cuidadosa análise de uma obra, em parte, um pouco negligenciada, até mesmo por quem admira o trabalho de Hayao. Minha pergunta é no sentido de tentar compreender aquilo que se harmoniza com o universo do autor e consequentemente com o público. Miyazaki é antes de mais nada extremamente sutil e carrega uma suavidade, no caso de Nausicaa, todos os elementos, assim como o vazio - de fundamental importância para o transcorrer da história - permeiam uma maneira, uma forma de comunicar, de forma semiótica e simbológica uma identificação reconhecível na obra dele, em Nausicaa, bem como em Mononoke Hime, há elementos da conjuntura natural e por vezes metafísicas, de dar animismo aos elementos da natureza: vento, seivas, chamas, carvão, pedras. Gostaria de saber, você, como investigadora desta narrativa em particular, percebeu algum outro elemento que de alguma forma se liguem à presença feminina na própria sociedade japonesa do período? Não precisam necessariamente ser os elementos metafísicos como citei, porém sua análise da composição de cena, do vestido, das armas e da ausência de homens e de propósito por parte deles me deixa curioso a respeito do que mais você teria encontrado, inclusive em outros pontos do filme.
Olá, Sérgio, boa tarde!
ExcluirObrigada pela leitura e pelos comentários!
É interessante a questão do animismo, confesso que ainda não tinha pensado especificamente nisso em relação ao Nausicaä. O que me ocorre em um primeiro momento é a questão do vento, pois quando estamos nos aproximando do clímax do filme, o vento para de soprar no Vale, o que causa espanto dos cidadãos mais velhos; e o vento volta a soprar após o ataque dos ohmus, indicando (junto com a música) que Nausicaä vai (sobre)viver.
É bastante curioso que o kanji de vento (風) contém o kanji de inseto (虫), o que me leva à hipótese de que não seria possível o vento continuar soprando sobre o Vale na ausência dos insetos (no caso, dos ohmus). Dito de outra forma: parece-me que salvar o Vale só é possível porque os ohmus também são salvos.
Gosto de pensar no vento como uma presença que norteia a narrativa e que Nausicaä é apresentada como uma lufada de ar que traz harmonia para o Vale do Vento e a possibilidade de convívio pacífico entre os humanos e o Mar Podre e seus habitantes.
Seguindo no seu comentário, desde a perspectiva da sociedade japonesa do período, é interessante que o filme foi realizado em um momento em que movimentos feministas rejeitavam a ideologia "boa esposa, mãe inteligente". Penso que o filme endossa que as mulheres não têm que ser mães nem esposas, e que ao terem autonomia na sociedade elas podem alcançar grandes feitos.
Excelente, Cristina. Adorei a questão dos ideogramas japoneses também, muitas vezes isso pode apenas ficar como detalhe, mas é marcante pelo elemento substantivo e pelo símbolo. Gostei muito da réplica e, sinceramente, me provocou como historiador a buscar um pouco mais a sociedade da época. Graças a onda Hallyu, a Ásia está novamente em evidência e como não poderia deixar de ser, a sociedade japonesa, como uma das mais antigas e conservadoras é também uma das que mais produz formas de contornar o caos social e criticar seus problemas. Seja de forma mais crua, seja de maneira muito mais suave, como Miyazaki o fez em Nausicaä, e em tantas outras obras de seu tempo. Agradeço muito pela réplica e mais ainda por nos dar a oportunidade de entrar em contato com trabalho tão peculiar e sensível, unindo arte, cinema, história e sociedade.
ExcluirMuito obrigada, Sérgio! Fico muito feliz com seu feedback! Torço pra que possamos voltar a trocar figurinhas em próximos eventos e oportunidades :)
ExcluirOlá Thereza Cristina, adorei seu texto e o trato com a fonte, parabéns! Pensando no Miyazaki, ele já falou em algumas entrevistas sobre a sua opção por protagonistas femininas, que "não precisem de um salvador" e é uma narrativa presente em outros filmes do Studio. Você acredita que o sucesso de NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO é um elemento importante na decisão do diretor em seguir por esse caminho narrativo em outras obras?
ResponderExcluirObrigada!
Janaina de Paula do Espírito Santo
Olá, Janaina, bom dia! Obrigada pela leitura e pelo feedback! Interessante sua pergunta, eu tendo a acreditar que sim. Existe uma série de pequenos documentários sobre o Miyazaki realizada pela NHK (https://www3.nhk.or.jp/nhkworld/pt/ondemand/program/video/10yearshayaomiyazaki/?type=tvEpisode&) e em um dos episódios Miyazaki comenta que a realização do Nausicaä se deu em um momento muito decisivo de sua carreira, pois ele compreende que seria sua última chance de se lançar como diretor. Antes ele havia dirigido o Castelo Cagliostro (1979), cujo protagonista é um homem, que não teve grande repercussão. Penso que o sucesso de Nausicaä deve ter indicado um caminho narrativo que tocou o público e que foi sendo desenvolvido pelo diretor nos seus próximos filmes.
Excluir