A cultura midiática influencia a maneira como uma sociedade
enxerga fatos e se relaciona com eles. Ao controlar o fluxo de informações e
como elas são passadas à população, a mídia gera uma verticalização de poder,
transmitindo discursos ideológicos que determinam um controle social e
interferem diretamente na subjetividade dos sujeitos. O imaginário social é,
então, criado a partir desses direcionamentos que impõem regras e costumes. De
forma similar, o entendimento de gênero cria no imaginário símbolos ditos de
natureza feminina. Surge, então, uma construção cultural da imagem da mulher
que é reproduzida e produzida também pela mídia, contribuindo para a formação
opinativa e discursiva de uma sociedade.
Nesse sentido, pensando a mídia como formadora e reforçadora
de estereótipos, especialmente aqueles relacionados à figura da mulher, este
trabalho irá debater os resultados iniciais de uma pesquisa em progresso na
qual buscamos investigar como a imprensa sul-coreana retratou e discutiu a
figura da ex-presidenta Park Geun-hye ao longo do processo do seu impeachment,
que durou de dezembro de 2016 a março de 2017. Para tal, optamos por adotar
como metodologia a Análise de Conteúdo, pela perspectiva de Bardin [2016],
visto que ela é constituída de diversos recursos sistemáticos que, baseando-se
na inferência e na dedução, nos possibilitam formular teorias por meio de uma
observação controlada, o que torna a análise mais didática. Não é necessário
nos aprofundarmos nas etapas metodológicas que compõem a pesquisa, mas é
relevante pontuar que o escopo da análise são matérias jornalísticas dos
principais jornais sul-coreanos de língua inglesa [The Korea Times e The Korea
Herald].
Dessa forma, à luz dessas discussões preliminares, este
trabalho tem por objetivo apresentar o que já foi observado dos marcadores de
gênero presente na linguagem jornalística da mídia sul-coreana e como esses dão
indícios de uma estrutura social que já determina o papel da mulher na
sociedade.
Ascensão e
queda da única presidenta da Coreia do Sul
Park Geun-hye é filha do ex-ditador coreano Park Chung-hee,
militar que governou a Coreia por 18 anos, e foi intitulada pela imprensa de
“princesinha da Coreia” ao assumir o lugar de primeira-dama após o falecimento
de sua mãe. O âmbito político faz parte de sua vida desde muito jovem, mas o
início da sua carreira pública só se deu após o assassinato de seu pai. Em
dezembro de 2012, foi eleita presidenta da Coreia do Sul, primeira mulher a
ocupar esse cargo no País.
Desde o início de seu governo, Park teve que lidar com as
desconfianças de que ela traria de volta o autoritarismo, com os valores que
vão de contra a democracia, que esteve tão presente no governo de seu pai. O
fato de sua campanha eleitoral carregar o slogan igual ao do pai, mesmo ela
tendo se desculpado publicamente por todos aqueles que sofreram ou tiveram suas
vidas afetadas de alguma forma durante a ditadura, trazia à tona feridas que
ameaçavam um sistema democrátco com pouco mais de 30 anos. Apesar disso, o
trecho abaixo mostra que, nos anos iniciais, seu índice de aprovação era
elevado e, frequentemente, superior a seus antecessores:
“Apesar desses problemas, Park Geun-hye recebeu
consistentemente índices de aprovação de trabalho relativamente altos em
comparação com seus antecessores imediatos. Por exemplo, a aprovação inicial do
trabalho de Park Geun-hye foi de 44,2%, o que não era particularmente alto se
fizermos uma comparação com seus antecessores imediatos, Lee Myung-bak
(2008–2012) e Roh Moo-hyun (2003–2008), cujas classificações iniciais foram de
52,1% e 60,3%, respectivamente. No entanto, o índice de aprovação de Lee
Myung-bak caiu para 21,6% quatro meses depois que ele assumiu o cargo e o
índice de Roh Moo-hyun caiu para 24,7% em seu trigésimo terceiro mês de mandato.
Por outro lado, o índice de aprovação de Park Geun-hye foi consistentemente
superior a 30% até cair abaixo desse valor em outubro de 2016, seu quadragésimo
quinto mês no cargo. Se considerarmos analiticamente que seu estilo de
liderança apresentava sinais antidemocráticos, o recebimento consistente de
índices de aprovação relativamente altos é bastante surpreendente.” [Hahm,
2017, p.2, tradução nossa].
As acusações de suborno, propina, coerção e abuso de poder
ocorreram em 2016 e surgiram, em um primeiro momento, com a circulação de
várias notícias que denunciavam troca de favores envolvendo uma amiga íntima da
então presidenta da Coreia do Sul, Choi Soon-sil. Estas notícias foram
veiculadas pelos meios de comunicação local de maneira sensacionalista e todo
este movimento culminou nos protestos à luz de velas, em dezembro deste mesmo
ano, resultando no impeachment de Park Geun-hye em março de 2017.
As investigações referentes a este acontecimento foram
conduzidas, principalmente, por dois meios de comunicação coreanos, o jornal
Hankoreh e o centro televisivo JTBC [SEO, 2020]. O movimento midiático em torno
do caso foi tão intenso que o processo ficou conhecido por “South Korea’s Watergate” e resultou em muitos prêmios para as
emissoras e os jornalistas que lideraram as investigações. Ao mesmo tempo, essa
interferência ativa da imprensa dividiu opiniões entre a população, a qual
grande parte questionava se essa não estaria fazendo o papel de promotora,
conforme o trecho abaixo:
"É difícil mensurar o papel da mídia no impeachment da
presidenta Park. Grande parte da população sentiu que era a mídia que estava
fazendo o trabalho de promotora na investigação de Woo Byung-woo e depois Choi
Soon-sil. A agência de notícias JTBC obteve o infame tablet que ligava diretamente
Choi Soon-sil à presidenta Park. O tablet não só foi confirmado como sendo de
Choi, mas foi verificado que ela o usou para editar os discursos da presidenta
Park e elaborar iniciativas políticas que muitas vezes estavam em contradição
direta com as pessoas que trabalhavam no conselho nacional do governo de Park.
O tablet acabou sendo, posteriormente, entregue à promotoria do caso."
[FERMIN-ROBBINS, 2018, p. 4, tradução nossa]
O evento citado por Fermin-Robbins, uma das principais
agências de notícia do país tendo em mãos um tablet que ligava diretamente a
ex-presidenta à amiga investigada, é um dos diversos exemplos de como a mídia
conseguiu ter acesso a informações privilegiadas, algumas vezes antes da
própria promotoria do caso, e fez uso disso para tecer seus posicionamentos e
teorias acerca dos acontecimentos, inflamando o escândalo e agindo na formação
da opinião pública acerca do caso.
É importante destacar que os fatos materiais que levam a um
impeachment são multifatoriais, ou seja, existe todo um contexto sócio-político
e econômico complexo que resulta no impeachment. Nesse sentido, entendemos que
os principais acontecimentos que podem ter levado ao enfraquecimento da imagem
de Park Geun-hye na sociedade foram: a falta de assertividade no desastre da
balsa Sewol, que culminou na morte de
mais de 250 pessoas, em sua maioria estudantes, o envolvimento e as trocas de
favores de empresários dos grandes conglomerados sul-coreanos com a amiga da
ex-presidenta, incluindo um executivo da Samsung, além da associação da imagem
de Park com cultos e rituais macabros.
Marcações de
gênero nas notícias sobre o Impeachment
Na análise que realizamos, encontramos poucos marcadores de
gênero explícitos nos jornais coreanos sobre a ex-presidenta Park Geun-hye. Contudo,
é imprescindível destacar que esse achado surge exclusivamente da análise de
textos jornalísticos, artigos e artigos de opinião, relacionando-os a
estruturas misóginas de discurso. Este ponto é muito importante visto que as
características factuais que deságuam em um impeachment são multifatoriais.
Park Geun Hye foi declarada culpada das acusações e portanto impeachmada.
A maioria dos textos analisados apresentaram o marcador de
gênero sem adjetivos pejorativos associados à ex-presidenta. Um outro achado
importante foi a presença da palavra mulher
ao se referir à ex-presidenta. Contudo, ao compararmos, percebemos que no mesmo
texto ao se referir aos homens, não houve menção a nenhum tipo de marcação do
gênero masculino. A presença da marcação do gênero feminino foi encontrada em
85% da nossa amostra, gerando um significante expressivo. Outra característica
interessante desta marcação, é a ausência de palavras com cunho de baixo
escalão ao se referir à ex-presidenta.
O jornal The Korea
Times [2017] em um de seus artigos trouxe o seguinte trecho: “À medida que
o caso se desenrolava, surgiram questões sobre como a mulher solteira que
enfrentaria 13 acusações criminais seria tratada durante e após a audiência.”
[tradução das autoras]. Temos a qualificação de Park Geun-hye enquanto uma mulher solteira. Dentro da ética
confucionista tradicional, a mulher pode ocupar três posições na sociedade:
filha, irmã e mãe. Posteriormente, quando casa, agrega-se o papel social de esposa. Essas marcações
também restringem o ser mulher porque, ao definir essas funções de gênero, a
mulher não pode performar nada muito diferente do determinado. Esta ética é um
dos motivos pelos quais era negado à mulher o direito de participar das
movimentações políticas da sociedade.
Apesar das mudanças observadas, principalmente com a eleição
de uma mulher para o cargo de chefe-executiva do país, essa tradição ainda se
encontra muito arraigada à cultura coreana. Portanto, ao qualificar a
presidenta como mulher e solteira, o texto está fazendo uma contundente
marcação de gênero.
Um outro trecho, também do The Korea Times [2017], declara: “[...]Hong afirmou que os
assessores de Park inventaram seu escândalo de corrupção."Agora devemos
tirar Park da cabeça", disse Hong após a expulsão de Park. Ele também
chamou Park de "mulher desleixada que anda com pessoas
bagunceiras"." [tradução das autoras]. O substantivo mulher é
qualificado pelo adjetivo desleixada ao tratar de Park Geun-hye e o adjetivo
bagunceiras foi utilizado ao se referir às pessoas que acompanhavam a
ex-presidenta. A partir disto, podemos inferir que existe uma intenção de
conspurcar a imagem de Park Geun-hye. A diminuição da respeitabilidade neste
caso não perpassa nenhuma das acusações proferidas contra a ex-presidente.
Rumores relacionando Park à um culto religioso chamado Yongsaenggyo, Igreja da Vida Eterna, encontram-se
presentes em diversos artigos. Dentre eles, podemos citar um com o título:
“Seria Park Geun-hye a cultista?" [THE KOREA TIMES, 2016]. Onde
encontramos um debate sobre a possibilidade da ex-presidenta participar de
seitas e ser controlada pelo líder do culto, um homem. Referente a isto, o
artigo aponta rumores sobre o acidente, descrito anteriormente, que ocorreu em
abril de 2014 com a balsa Sewol. Eles
levantam a possibilidade de que a lentidão com a qual a situação foi tratada
foi em decorrência de um pedido do líder religioso que tinha como objetivo
oferecer aquelas pessoas em sacrifício; motivo, então, da negligência da
ex-presidenta.
No mesmo texto, encontramos também a insinuação de que Park
Geun-hye tivesse algum envolvimento sexual com a sua amiga que deflagrou o
caso. Temos, então, outro marcador relacionado agora à sexualidade da
ex-presidenta sul coreana. Além disso, muitos textos trazem à tona a questão
parental da ex-presidenta. Ou seja, relacionando-a com uma figura masculina.
Neste caso específico, como o pai da ex-presidenta também foi uma figura
pública importante na história da Coreia do Sul, existe uma linha ténue que
separa o pessoal do coletivo. Os antecedentes pessoais de Park Geun-hye se
confundem com os antecedentes históricos da Coreia do Sul. Sendo, então,
analisada aqui um marcador que pode inferir a necessidade de um homem de poder
por trás da mulher coreana, visto que muitos acreditam que Park Geun-hye só
conseguiu o cargo por ser filha de Park Chung-hee.
Portanto, esta discussão retoma a ética confucionista
presente na sociedade coreana que de alguma maneira restringe o papel social,
político e econômico da mulher, uma vez que essa mulher sempre está atrelada a
algum homem.
Diante do exposto, podemos concluir que, dentre os textos
analisados, as marcações de gênero se encontram tanto de maneira explícita
quanto implícita, Contudo, ocorre uma prevalência das passagens implícitas que
denotam algum tipo de generificação por parte do jornal ou do autor.
Ademais, as mídias também foram extremamente violentas e
assertivas com relação aos atos criminosos envolvendo a ex-presidenta da Coreia
do Sul e, portanto, não podem ser eximidas da perseguição a uma figura pública.
O papel delas para a concretização do impeachment foi inegável e trouxe à tona
na sociedade um sentimento vivenciado pelos sul coreanos em 1987, momento de
grande efervescência política quando houve grandes protestos em favor da
democracia. Esse sentimento de 1987 é revivido em 2016 com o protesto a luz de
velas que recebe influência de diversos fatores sociais, sendo o principal a
veiculação de notícias na mídia. Este movimento social, político e econômico
resultou no impeachment de Park Geun-hye e foi responsável por trazer à tona na
sociedade coreana uma certa esperança nos rumos do País.
Como trabalhos futuros, expandiremos o escopo da pesquisa,
incluindo na análise dois outros jornais coreanos em língua inglesa, o Yonhap News Agence e o Korea JoongAng Daily, e faremos uma
análise em paralelo com a repercussão midiática do Impeachment sofrido pela
ex-presidenta Dilma Rousseff no Brasil, apresentando as características que se
aproximam e se afastam entre os dois casos; sempre respeitando as
particularidades históricas e sociais de cada um dos eventos.
Referências
Maria
Clara Moraes é mestra em engenharia de sistemas pela Universidade de Pernambuco
(UPE), pesquisadora associada da Coordenadoria de Estudos Asiáticos [CEÁSIA],
vinculado ao Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco [CEA-UFPE].
Suéllen Gentil é mestranda no Programa de Pós Graduação em
Letras, na linha de pesquisa de Tradução e Cultura, da Universidade Federal da
Paraíba [UFPE] e pesquisadora associada da Coordenadoria de Estudos Asiáticos
[CEÁSIA], vinculado ao Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de
Pernambuco [CEA-UFPE].
FERMIN-ROBBINS, Jonathan. The Impeachment of South Korean
President Park Geun-hye. Carnegie Council for Ethics in International Affairs,
p. 1-7, 2018.
HAHM,
S.D.; Heo, U. The First Female President in South Korea: Park Geun-hye’s
Leadership and South Korean Democracy. Journal of Asian and African Studie;
v.53; n.5; p.1-17; 2017.
SEO,
S. South Korea’s Watergate Moment: How a Media Coalition Brought Down the Park
Geun-hye Government. Journalism Practice. p.1-18; 2020.
LEE,
Y. Roads Untraveled: Redefining “democracy” through the 2016 protest movement
in Korea. Analyses & Alternatives. v.1; n.1; p.17-30; 2017.
Oi, meninas!
ResponderExcluirA pesquisa de vocês é muito interessante, principalmente quando a gente vai percebendo como são sutis algumas dessas marcações de gênero... o "mulher solteira" salta aos olhos por tudo o que costumamos estudar, mas provavelmente os outros adjetivos (desleixada etc.) passariam quase despercebidos por um leitor desatento.
Esta análise inicial é muito importante principalmente por isso... e fiquei pensando que, nos próximos trabalhos, seria interessante vocês colocarem uma tabelinha com infos dos textos (título, autor, ano, link, coisas assim) que são a base para as análises e talvez também localizarem essa "mídia" e "imprensa" (por exemplo, qual o viés discursivo, político etc.), porque essas duas palavras são bem gerais... o mesmo quanto aos jornais que vocês usaram de objeto de estudo, que tipo de imprensa, qual viés do The Korea Times, The Korea Herald, Yonhap News Agence e Korea JoongAng Daily... marcar que são jornais coreanos em língua inglesa já ajuda a localizar, claro, mas fazer algum tipo de descrição deles também é importante para dar mais pistas ao leitor.
Pesquisona, meninas! Estou super empolgada para continuar acompanhando o desenvolvimento desse estudo :)
Vitória Ferreira Doretto
Oi, Vitória!! Muito obrigada pela sua pergunta. Ficamos muito felizes pelo seu comentário. As suas contribuições foram muito pertinentes porque elas reforçam pontos que estamos trabalhando e iremos implementar em uma pesquisa mais ampla.
ExcluirAs marcações de gênero estão sempre muito presentes na nossa realidade e essa sutileza nos condiciona a um olhar viciado que tolhe diariamente o comportamento do ser feminino. Isto é algo muito complicado porque é através de mecanismos muitas vezes imperceptíveis que costumamos manter a norma que hoje é constituída de conformações machistas e misóginas.
Com relação à tabela, ela já está em fase de construção. Todos os nossos dados estão sendo armazenados numa planilha e em breve faremos uma publicação mais aprofundada sobre o tema. Já o nosso material de estudo, concordamos com você que precisamos delimitá-los e descrevê-los melhor com o objetivo de diminuir possíveis vieses e solidificar melhor os nossos resultados.
Muito obrigada pelas colocações.
Maria Clara Moraes
Suéllen Gentil
Olá Maria Clara e Suéllen! Gostei muito do texto e da opção por uma análise política do tempo presente, parabéns! Percebemos que as marcações de gênero, ainda que sejam respeitadas as particularidades são conhecidas e presentes em todo o globo, como a ideia do "desleixo"já que a mulher na política é muito mais julgada pelo modo como se veste do que o homem, e também da força que tem o argumento de que os vetores de ação de uma mulher são sempre homens, como pais e maridos. Isso aparece em todos os meios e também na ficção. No processo de acensão e queda da Park Geun-hye ela chega rebater ou apontar essa violência de gênero como parte do seu posicionamento? Fiquei curiosa. E vou continuar acompanhando a pesquisa.
ResponderExcluirObrigada
Janaina de Paula do Espírito Santo
Oi, Janaina!
ExcluirFicamos muito felizes com o seu interesse no nosso trabalho. Concordamos com você no que concerne ao fato de que existem alguns pontos de interseção quando se discute o papel da mulher na sociedade. Contudo, precisamos ter cuidado com algumas generalizações e também com algumas homogeneizações socioculturais e políticas. Elas podem descambar para o Orientalismo. Por isso a importância de estarmos sempre atentas. ^^
Quanto ao posicionamento de Park Geun-hye, ela sempre se autodeclarou inocente e em alguns artigos de opinião houve menção ao fato dela ter sido ludibriada. Contudo, após todos os trâmites legais, houve provas das acusações que levaram à prisão da ex-presidente.
Até o momento, diante dos textos analisados, não encontramos nenhum documento citando um posicionamento que relatasse algum tipo de enfrentamento ao machismo e à misoginia.
Mais uma vez, estamos muito gratas com a sua participação. A partir dela pudemos pensar como a violência de gênero está presente de maneira sútil, levantando a hipótese de que talvez ela não seja nem percebida de maneira efetiva pelos processos cognitivos. Contudo, isso não quer dizer que não houve, concorda? Acredito que esse é um ponto importante do trabalho que estamos desenvolvendo.
Muito obrigada pelo diálogo!
Maria Clara Moraes
Suéllen Gentil
Gostaria de parabenizá-las pelo excelente texto. Muito informativo e com questões muito contundentes acerca dos objetivos da exposição que vocês realizam aqui. Fiquei muito interessado pelo caso do impeachment da presidenta coreana e não pude deixar de fazer relações com o ocorrido no Brasil em 2016 e fiquei muito feliz ao ler a conclusão de vocês em saber que farão uma análise comparativa dos casos no futuro. Ainda sobre o impeachment da presidenta Dilma, uma das coisas que nos chama atenção é como tanto a imprensa quanto o processo de impeachment demoraram um tratamento diferenciado aos atos da presidenta se colocados em comparação com seus antecessores. O próprio motivo do processo em si, que sabemos que hoje em dia não é mais considerado crime de responsabilidade. O que me levou a pensar se o mesmo não se passou com Park Geun-hye. E aí fiquei pensando se não haveria a possibilidade de fazer um outro estudo comparativo entre as notícias sobre governos passados e o dela, aí pensando não só a marcação de gênero mas também as opiniões acerca de atitudes, políticas e outras características dos governantes, talvez analisando marcadores semânticos, determinantes ou outras categorias no âmbito da linguagem. Vocês acham que seria possível?
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho!
Alexsandro Pizziolo
Oi Alex!
ExcluirMuito obrigada pela leitura atenta do texto. Pensamos bastante sobre um trabalho ligando os dois processos de impeachment. Contudo decidimos nesse primeiro momento focar no caso de Park Geun-hye por razão da conjuntura política.
Precisamos levar em conta as razões materiais que giram em torno dos dois casos e, particularmente no caso de Dilma Rousseff, há uma interligação com o movimento muito característico que ocorre em vários locais da América Latina. Para não incorrermos em anacronismos, em simplismos ou em orientalismos, decidimos estudar mais e nos embasar melhor para criação desse texto. Portanto, está no nosso horizonte a produção desse paralelo.
Maria Clara Moraes
Suéllen Gentil
Suéllen, Clara, que trabalho rico, fantástico!
ResponderExcluirMinhas inquietações aqui são, na verdade, fruto do excelente trabalho de vocês e dos apontamentos que fizeram durante o texto.
Antes de fazer a pergunta, gostaria de pontuar que achei muito interessante a questão da marcação de gênero, uma vez que me parece que a língua coreana tem uma neutralidade de gênero - apesar de ser um país non grato para as mulheres -, então esse apontamento quase redundante para afirmar o gênero já é uma indicação de misoginia vindo dos meios de comunicação.
Enquanto li o texto, tiveram alguns questionamentos que me apareceram, mas eu vou tentar focar no principal para mim: vocês citaram a ética confucionista. É sabido que há uma diferença entre o confucionismo e o neoconfucionismo. Como, então, no entendimento de vocês possivelmente a filosofia neoconfucionista poderia ter agido a favor desse discurso contra a figura da Park Geun-hye?
De novo, Suéllen e Clara, trabalho maravilhoso!
Abraço.
Maria Gabriela Wanderley Pedrosa
Oi, Maria Gabriela!
ExcluirMuito obrigada pelos elogios e considerações. Ficamos muito felizes em receber seus comentários.
Primeiramente, gostaríamos de contribuir com seus comentários sobra a língua. Os textos que analisamos foram escritos em inglês. Então, apesar do coreano não ter marcação de gênero, o inglês tem. Por isso levamos em consideração algumas estruturas presentes no inglês, mas não no coreano (o pronome pessoal é um exemplo). Um outro ponto importante, ainda sobre língua, é que a nossa análise também procura abarcar adjetivos e expressões que indiquem algum tipo de misoginia e sexismo em relação à ex-presidenta, indo para além do que de marcações binárias da língua, se estivéssemos trabalhando com textos escritos em português, por exemplo.
Com relação a sua segunda pergunta, a filosofia confucionista está muito ligada à conceitos budistas e taoístas e versa sobre a moral, o equilíbrio e a harmonia social. Quando começam as críticas às crenças místicas, o neo-confucionismo vai criando corpo. Esse processo de transição também vem acompanhada de um processo de crise social, econômica e política. E o que se sabe, em linhas gerais, é que no sistema confucionista, era reservado alguns direitos à mulher, como o direto à propriedade e o de dar entrada no divórcio. Com a transição para o neo-confucionismo, a mulher perde esses direitos ao mesmo tempo que se espera socialmente que essa exerça o papel coadjuvante de "boa esposa", sendo responsável pelas tarefas domésticas e criação das crianças.
Ainda hoje, esses elementos neo-confucionistas permeiam a sociedade coreana e, por isso, acreditamos que eles contribuem com o tratamento dado a ex-presidenta por ser uma mulher que foge dessa expectativa de gênero, mesmo sendo alguém de linhagem e princípios conservadores.
É importante ressaltar que o neo-confuncionismo não explica, muito menos justifica, as opressões que transpassam o dia-a-dia das mulheres sul-coreana, mas entra como uma implicação no processo por meio de valores e expectativas sociais do sistema ainda presentes na sociedade sul-coreana.
No mais, obrigada novamente!
Abraços!
Suéllen Genti e Maria Clara de Moraes
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMaria Clara e Suéllen, parabéns pelo excelente trabalho!
ResponderExcluirAs considerações feitas a respeito do impeachment da presidenta Park Geun-Hye foram muito interessantes. Assim como vocês mencionaram no final de seu trabalho e o Alexsandro Pizziolo falou em seu comentário, é difícil não fazermos um paralelo com o que aconteceu com a presidenta Dilma Rousseff no Brasil em 2016. Mesmo sabendo que se trata de um tema a ser trabalhado por vocês no futuro, fiz minhas reflexões em cima desta comparação.
Apesar de Park ser uma política conservadora e com passado familiar que remete a um regime autoritário e Dilma pertencer à esquerda brasileira e com histórico de luta contra a Ditadura Civil-Militar, ambas sofreram com a cobertura midiática de seus países que buscavam desqualificá-las e reduzi-las a papéis de gênero que fossem aceitáveis em suas culturas. Desta maneira, os dois processos resultaram no impeachment das únicas mulheres presidentas em suas nações.
Como podemos associar estas ações com a manutenção das estruturas patriarcais de ambos os países? De que maneira poderíamos evitar que a imprensa agisse dessa forma nos dois casos? Uma “Lei de Medios”, como a que há na Argentina, seria o ideal?
Peço desculpas pelo adiantamento das pautas mas agradeço a possibilidade de discutir isso com vocês.
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior
Olá, Ronaldo! Tudo bem?
ResponderExcluirTem nada que se desculpar! Nós agradecemos imensamente pelo seu interesse em nosso trabalho e pelos excelentes comentários que você teceu acerca que nossa temática.
O comparativo com o caso Dilma Rousseff, realmente, são inevitáveis. Faz parte de nossos anseios ampliar a pesquisa dentro dessa perspectiva, em um futuro. Por hora, preferimos focar na figura da ex-presidenta coreana para aprofundar nosso conhecimento e evitar transgressões orientalistas por meio do olhar estrangeirizante. Fazendo isso de forma crítica e sólida, estaremos prontas para dar esse próximo passo no desafio de um trabalho comparativo, com o cuidado que duas culturas tão distintas requerem, mesmo com as semelhanças dos fatos.
Sobre suas pergunta, nossa hipótese é que podemos, sim, associar estas ações com a manutenção das estruturas patriarcais de ambos os países, visto que a imprensa e mídia são responsáveis pela naturalização e cristalização de discursos que se perpetuam ao longo do tempo e são reproduzidos socialmente. Por isso, é importante refletir em como os recursos de linguagem e enunciados jornalísticos são capazes de construir - e promulgar - sua própria narrativa em cima dos fatos.
Lamentavelmente, agora, não temos conhecimento suficiente para discutir as estratégias que podem ser feitas para evitar esse uso enviesado dos meios de comunicação. Seu pertinente comentário nos serviu de alerta para colocarmos essa questão em pauta ao longo do desenvolvimento da nossa pesquisa.
Obrigada mais uma vez!
Suéllen Gentil e Maria Clara de Moraes