VIAGENS NO ISLÃ MEDIEVAL-BREVE ANÁLISE DE VIAGEM AO VOLGA por Felipe Lomba Ferreira e Bruna Alves Lopes


Introdução  

Os debates acerca da Base Nacional Curricular Comum [BNCC] possibilitaram importantes reflexões públicas acerca do lugar ocupado pela História enquanto disciplina escolar e, consequentemente, acerca daquilo que era/é abordado em sala de aula. Nesse sentido ganhou visibilidade [principalmente nas considerações sobre a primeira e segunda versão da BNCC] a discussão sobre a pertinência, ou não, de se estudar História Antiga e Medieval num país como o Brasil. No caso de afirmações positivas, outras indagações eram necessárias: como estudá-las? Que usos do passado queremos e devemos realizar?

 

Guarinello [2013], ao escrever sobre a  História Antiga, argumentou que a mesma faz parte do repertório cultural brasileiro ocupando um papel importante na construção de nossa identidade que, desde o século XIX, foi alvo de um projeto de ocidentalização empreendido de forma consciente por nossas elites políticas e intelectuais. Tal afirmação pode ser estendida para pensarmos a chamada Idade Média. Sobre a questão, Pereira e Giacomoni [2019] enfatizam que há um uso político do chamado passado medieval; uso esse que [longe de possibilitar um conhecimento historiograficamente orientado sobre tal temporalidade] colaboram para perpetuar e “[...] justificar posições conservadoras, preconceituosas e discriminatórias, atingindo minorias, religiosidades e outras formas de existências e de vida que não fazem parte da sua visão do que seria a Civilização Ocidental” [s/p.].

 

Os apontamentos acima fazem com que os medievalistas, tal qual Berriel [2020], argumentem sobre a necessidade dos estudos da área dialogarem com os teóricos dos estudos de pós-colonialismo e decolonidade. Nesse sentido, descolonizar a Idade Média significa muito mais que apenas reconhecer que o termo em questão é uma construção européia, nascida durante a Modernidade e que traz em si os fundamentos colonialistas. Embasado em Maria de Lourdes Rosa, o autor defende que decolonizar a Idade Média significa romper definitivamente com uma História universal cujo centro seria a Europa.

 

A partir da leitura de Teixeira e Pereira [2016] podemos argumentar que o estudo e ensino de História Medieval não podem ser reduzido a uma visão caricaturada de “pertencimento de teor conservador”, ao contrário, podem nos instrumentalizar para compreendermos fenômenos políticos e sociais do presente como, por exemplo, as complexas questões envolvendo o “mundo árabe” e o Islã; principalmente num contexto em que “ [...] o Estado Islâmico se apropria de formações políticas medievais [o califado] e assume um discurso ‘cruzadista’ de retomada dos territórios da Península Ibérica.” [TEIXEIRA, PEREIRA, 2016, p.24]

 

Neste ponto argumentamos que estudar a Idade Média, principalmente tendo a cultura islâmica como ponto de partida, significa estar atento às demandas políticas, sociais e acadêmicas do presente.

 

“Uma das maiores dívidas da produção humanística brasileira, dentro ou fora da academia, é com questões relativas ao Oriente Médio, quaisquer que sejam elas. São poucos os historiadores, críticos literários, sociólogos, estudiosos de filosofia, enfim, de qualquer área das humanidades, que se dedicam ao assunto.” [JAROUCHE, 2012, p. 3]

 

De acordo com Jarouche [2012] ainda que acontecimentos como o 11 de Setembro de 2001 e, uma década depois, os movimentos políticos e sociais denominados de Primavera Árabe tenham despertado o interesse de estudiosos brasileiros para temas referentes ao Oriente Médio e a Cultura Árabe, estes assuntos ainda podem ser considerados marginalizados.

 

Tendo em vista a produção do conhecimento histórico e sua capacidade para questionar estereótipos acerca do passado e do presente, vale destacar que, de acordo com Bissio [2012] -  ao contrário de uma caricatura que torna o Islã  representante do atraso e da ignorância em oposição a um mundo Ocidental culto e civilizado herdeiro da chamada cultura greco-romana - durante a Idade Média “foram os árabes herdeiros e sucessores da ciência helênica” permitindo que os territórios ocupados por esse grupo fossem um espaço de grande efervescência cultural e intelectual.

 

Parte dessa produção intelectual árabe produzida ao longo do medievo esteve relacionada com as viagens empreendidas por esses povos naquele contexto. Entre os vestígios produzidos nessas ocasiões encontramos o relato de Ahmad Ibn Fadlan, escrito no século X, intitulado no Brasil de Viagem ao Volga. É nesse relato que dedicaremos nossa atenção. 

 

Sobre a fonte

No século X Ahmad Ibn Fadlãn recebeu uma ordem do califa da dinastia abássida Almuqtadir Billãh para deslocar-se até o reino dos búlgaros do Volga [na região da atual Bolgar, Rússia] visando atender a solicitação do rei dos búlgaros, realizada por meio de uma carta endereçada ao citado califa, pedindo auxílio na construção de uma mesquita, um mimbar e um forte de proteção. O pedido, que oficialmente tinha como base um suposto interesse em propagar o Islã enquanto fé, tinha nas entrelinhas uma dimensão política: visava o apoio do califa contra aqueles que visavam subjugar os eslavos [CRIADO, 2019].

 

As solicitações foram recebidas e aceitas pelo califa que enviou uma comitiva encarregada de entregar  à Almas Ibn Yaltw-ar dinheiro e orientações acerca da fé islâmica. Ibn Fadlãn participou dessa comitiva na condição de secretário-geral do califa e porta-voz dos fiéis. Nesse sentido, podemos argumentar que a viagem empreendida por Ibn Fadlãn,  e realizada entre 921-922 d.C ou, 309-310 H. [Hégira], foi de caráter oficial e político/diplomática [CRIADO, 2019].

 

De acordo com Criado [2019] o relato de viagem produzido por Ibn Fadlãn foi utilizado no século XIII d.C [VII H.] sendo, depois disso, encontrado novamente, ainda que de forma incompleta [pois não há vestígios do retorno à Bagdá] somente em 1923 no Irã. O pesquisador ainda nos informa que essa versão parcial passou a circular em 1939.

 

O referido relato circulava em vários idiomas; entre eles o inglês [versão mais procurada pelos estudiosos de literatura árabe que desejavam ter contato com a obra]. Em 2018 a editora Carambaia, numa parceria realizada com Pedro Criado, publicou uma versão em português traduzida diretamente do árabe. A grande procura fez com que uma nova edição bilíngue  fosse publicada em 2019 [CRIADO, 2021], versão essa utilizada neste trabalho.

 

Sobre a pertinência da fonte enquanto objeto de estudo historiográfico cabe aqui os apontamentos realizados pelo seu tradutor, Pedro Criado [2019]:1] apesar de não podermos definir exatamente qual o impacto desse relato para viajantes e estudiosos que vieram depois de Fadlãn, é inegável  sua influência, uma vez que a cultura árabe o consagrou como um dos principais representantes do espírito e legado islâmico de sua época. 2] O relato de viagem de Ibn Fadlãn possibilita compreendermos e estudarmos regiões distintas como o norte e o leste europeu, assim como sudoeste asiático e Islã; 3] além de ser o único testemunho ocular de uma cerimônia funeral viking, o que influenciou no modo como tal cultura foi vista ao longo do tempo dentro e fora das produções acadêmicas, sendo o filme 13º Guerreiro, de 1999 [produzido por John McTiernan e Michael Crichton e estrelado por Antonio Banderas] um exemplo desse fenômeno. 4] Por se tratar de um relato produzido por um observador atento, o leitor/analista do relato consegue não apenas visualizar as imagens e situações por ele descritas, mas também entender questões como alteridade e subjetividade presentes na narrativa.

 

A viagem

Viagem ao Volga pode ser inserido no gênero textual literatura de viagem [CRIADO, 2021]. Cabe destacarmos dois pontos: o significado da viagem para o Islã medieval e dos produtos dessas viagens que aqui estamos denominando de literatura de viagem. Aqui recorremos à Bissio [2010, p.5] que argumenta o seguinte:

 

“Para os muçulmanos, todo conhecimento humano, seja relacionado à religião ou não, tem a sua origem em Allah, o Deus único e o escopo do que os seres humanos podem conhecer é claramente delimitado pelo Corão, que invoca a onisciência de Deus [BISSIO, 2010, p.5 ].”

 

De acordo com a autora, no mundo islâmico medieval a viagem possuía dois sentidos: 1] era uma forma de expressar a fé e, além disso 2] constituía-se de um mecanismo de construção do saber sendo que estes dois elementos estavam articulados.  No que diz respeito ao primeiro ponto, a autora nos relembra que um dos cinco fundamentos do Islã é a peregrinação à Meca. Isso fazia com que mulçumanos, de al-Andalus até Índia e China, se deslocassem a fim de cumprirem suas obrigações rituais.

 

A peregrinação, viagem de cunho religioso, fazia parte do mundo muçulmano que replicava os passos de seu profeta como uma jornada em busca de sabedoria e iluminação divina. O Corão, livro sagrado do Islã, transcrito a partir das falas do profeta, contendo 114 suras, foi considerado por tempo

 

"A única fonte aceita pelos muçulmanos para orientar-lhes a conduta. Mas logo ficou claro que ele era insuficiente para dar conta de todas as situações que iam se apresentando e exigiam respostas.” [BISSIO, 2010,p.2]

 

Especialistas foram assumindo a missão de, dentro dos domínios islâmicos, reunir testemunhos e decisões do profeta Maomé e que pudessem servir de referência para os fiéis. Desta feita, a viagem além de ser um dos fundamentos do Islã, também colaborou para sua ampliação e adaptação.  Nesse sentido, a autora nos informa que:

 

“[...] a viagem como método de estudo foi, durante a Idade Média, assumida como um dever por todos os muçulmanos que aspiravam a integrar o círculo dos eruditos, fossem eles a especializar-se em ciências corânicas, ou em ciências naturais - astronomia, matemáticas, medicina - que também adquiriram grande desenvolvimento. A viagem pode ser considerada um tema que unificou a história do Islã medieval.” [BISSIO, 2010, p.3]

 

Com uma cultura que tanto valorizava as letras e o ato de viajar surgiu na civilização árabe textos sobre tais experiências. São registros e contos daqueles que viajavam em decorrência das mais distintas razões: comércio, religião, busca por  conhecimento ou guiados pela própria curiosidade. Viajar se tornou um ato característico do povo arábe, mesmo que para eles já fosse reconhecido os riscos de tal ato: contrair doenças, se deparar com assaltos, desvios de rota e ocasionalmente morte. Ibn Fadlãn, por exemplo, não apenas é consciente desses perigos a serem enfrentados, como também o expressa em vários momentos de sua narrativa. Estes perigos são perceptíveis na própria escolha do trajeto a ser realizado: a opção por um caminho longo está relacionado com a consciência de se evitar passar por territórios de grupos inimigos. Os perigos da viagem podem ser vistos em passagens tais como:

 

“[...]Também lhe foi solicitado que nos deixasse seguir em frente e enviasse uma carta ao seu governante em HuWarizm para que ele não dificultasse a nossa passagem e outra ao guardião do portão dos turcos para que nos escoltassem e não pusessem nenhuma dificuldade à nossa passagem.” [IBN FADLÃN, 2019, p. 27]

 

O trecho acima demonstra que mesmo em territórios aliados, uma série de medidas eram necessárias para garantir ao viajante chegar ao seu destino com o mínimo de segurança. Tais questões nos fazem compreender as razões pelas quais aqueles que partiam passavam por ritos de purificação sendo-lhes inclusive recomendado que deixassem por escrito seu testamento [BISSIO, 2010].

 

Apesar dos riscos de diferente natureza que poderiam surgir ao longo da viagem, o próprio percurso era compreendido como fonte de experiências e, portanto, conhecimento [BISSIO, 2010]. No relato de Ibn Fadlãn há em vários momentos descrições sobre seu espanto acerca de práticas culturais totalmente distintas daquelas com as quais ele estava acostumado em seu lugar de origem. Em alguns momentos as diferenças são lidas a partir de um olhar negativo, em outros elas possibilitam importantes reflexões, inclusive sobre si mesmo e suas crenças e costumes.

 

Destacamos os trechos em que o tema da higiene é colocado em questão pelo viajante. Dentre os vários relatos sobre o assunto, apresentamos o seguinte:

 

“Eles são as mais imundas criaturas de Deus. Não se limpam depois de defecar ou urinar, não se lavam depois das impurezas rituais e não lavam as mãos depois de comer [...] Todos os dias, impreterivelmente, eles lavam o rosto e a cabeça com a água mais imunda e nojenta que há.” [IBN FADLÃN, 2019, p. 80-81]

 

A seguir o relato destaca a prática de, um a um, os homem se lavarem utilizando a mesma bacia [com a mesma água] apesar das pessoas que utilizaram o recipiente anteriormente terem assoado o nariz e cuspido nela. Neste ponto chamamos a atenção para a observação realizada por Bissio [2010] de que o relato de viagem mulçumano, ao contrário dos relatos cristãos, possuem como princípio conhecer a si mesmo. Aqui podemos ressaltar a temática da higiene. Criado [2010] nos chama atenção para o fato das cinco orações diárias serem um dos pilares do Islã. Para a realização adequada do rito, antes da oração é realizada a ablução sendo, portanto,  diariamente cinco. O relato de Ibn Fadlãn nos apresenta a questão de que “a higiene enquanto um valor” [CRIADO, 2021], portanto algo praticado cotidianamente e por todos os grupos, é um hábito socialmente construído constatação que o viajante só pôde perceber ao vivenciar a experiência da viagem e observar em lócus que outros povos poderiam, e possuíam, práticas distintas das suas.

 

A questão feminina é outro ponto em que a alteridade é acentuada no relato analisado. Ao falar dos Oguzes e suas mulheres, o viajante fez a seguinte descrição: “Suas mulheres não se cobrem na presença de homens, conhecidos ou forasteiros. Da mesma forma, uma mulher não esconde nada de seu corpo diante de ninguém” [IBN FADLÃN, 2019, p. 37].  Neste momento, Ibn Fadlãn descreve seu constrangimento diante de comportamentos tão diferentes dos quais estava habituado podendo ser observado em expressões como “escondemos os olhos.” [IBN FADLÃN, 2019, p. 38]

 

Entretanto, se o relato é a descrição e a análise de um viajante sobre aquilo que viu e ouviu durante seu percurso, em vários momentos há também vestígios sobre o fato de que aqueles povos citados na obra também olhavam para Ibn Fadlãn e os demais membros da comitiva com um olhar crítico. Um exemplo disso está na continuação da passagem, quando é descrito que o marido da mulher citada por Ibn Fadlãn ri dele e dos demais que demonstraram não estarem confortáveis com a situação. Vemos, portanto, que aquilo que podemos chamar de choque cultural não é uma via de mão única e pode possibilitar aos envolvidos reflexões sobre aquilo que creem e praticam.

 

Breves considerações

Durante o medievo as viagens entre os mulçumanos se caracterizaram como importante instrumento de expressão da fé e de aquisição de conhecimento, sendo importante destacar não apenas o conhecimento em relação ao “outro”, mas também em relação a si: suas práticas, crenças, costumes e tudo o mais que pudesse caracterizar o viajante como um fiel de Allah. No caso do relato em questão, o contato com povos não arabizados (ou em vias de tornar-se) possibilitou ao viajante contato não apenas com climas e vegetações totalmente distintas daquela de Bagdá, mas também com práticas e valores que, em quase nada, se assemelhavam aos seus. Embora estejamos olhando tudo a partir da perspectiva de Ibn Fadlãn, encontramos em sua narrativa indícios de que enquanto ele observava [e por vezes julgava] tudo atentamente, os grupos com os quais teve contato também faziam o mesmo com ele e sua comitiva.

 

Referências

Felipe Lomba Ferreira é graduando em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e estuda em sua iniciação a construção identitária armênia a partir do cinema.

 

Bruna Alves Lopes é graduada em Licenciatura em História, mestre e doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). É professora colaboradora do Departamento de História da mesma instituição.

 

BERRIEL, Marcelo Santiago. Pour un autre Moyan Age au Brésil: a perspectiva decolonial na busca de uma episteme para a compreensão dos medievalismos brasileiros. Revista Antíteses, Londrina, v.13, n.26, 2020. p. 68-96.

 

BISSIO, Beatriz. A viagem e suas narrativas no Islã medieval. REVISTA LITTERIS, 2010. p.

 

BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe: a civilização árabe islâmica clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

CRIADO, Pedro Martins. Apresentação: a viagem de um relato. In: IBN FADLÃN, Ahmad. Viagem ao Volga. São Paulo: Carambaia, 2019. 

 

CRIADO, Pedro Martins. Clube de leitura na quarentena: conversa sobre o livro Viagem ao Volga. Youtube, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cGiSx2kdFkE&t=146s&ab_channel=EditoraCarambaia . Acesso 18/09/2022.

 

CRIADO, Pedro Martins; JUNIOR, Afonso. Viajantes do islã medieval. Youtube, 2021. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=kObr18V3s7Q . Acesso 18/09/2022.

 

GUARINELLO, Norberto Luiz.História Antiga. São Paulo, Contexto.2013.

 

GOODY, Jack. A ideia de um Renascimento. In Renascimento: Um ou Muitos?. São Paulo, Fundação Editora da UNESP [FEU], 2011.

 

IBN FADLÃN, Ahmad. Viagem ao Volga. São Paulo: Carambaia, 2019.

 

JAROUCHE, Mamede Mustafa. Prefácio. In: BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe: a civilização árabe islâmica clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMANI, Marcello Paniz. A Idade Média Imaginada: usos do passado medieval no tempo presente. Café História. 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/usos-do-passado-medieval-idade-media/#:~:text=A%20Idade%20M%C3%A9dia%20foi%20palco,filos%C3%B3fica%20e%20de%20mulheres%20escritoras. Acesso: 17/09/22.

 

TEIXEIRA, Igor Salomão; PEREIRA, Nilton Mullet. A Idade Média nos currículos escolares: as controvérsias nos debates sobre a BNCC. Diálogos. Vol.20. n.3.2016. p.16-29.

7 comentários:

  1. Vanessa dos Santos Bodstein Bivar3 de outubro de 2022 às 15:59

    Boa tarde. Bem interessante a abordagem dos usos do passado medieval e a formas de olhar o Islã em uma perspectiva decolonial. Os relatos de viagem e os hadiths são importantes nesse processo. Mesmo sabendo que o trabalho foi direcionado a outra fonte, gostaria de saber sua opinião acadêmica sobre o seguinte ponto, já que é algo que também tangencia a introdução de vocês: a interpretação de documentos de época, como o Corão e os hadiths, como base/justificativa para as ações dos Estados Islâmicos.
    Grata.
    Vanessa dos Santos Bodstein Bivar

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    1. Bom dia, Vanessa! Agradecemos sua leitura e comentário. Acreditamos que temos uma carência de conhecimento tanto sobre os povos árabes quanto sobre o Islã que, desde sua origem, sempre foi muito plural; e esse desconhecimento nos leva a certa caricaturas. No caso do chamado Estado Islâmico acredito que fazemos uma leitura apropriada a partir da perspectiva do usos do passado, pois por mais que esses grupos queiram reivindicar uma leitura "pura" em relação aos livros sagrados, vemos que essa leitura é muito marcada por questões políticas/sociais do presente. Há um texto do Gilvan e da Gilvana Gomes intitulado Inventar uma Sunnah:
      o Estado Islâmico, salafismo e inovação que discute muito bem isso.

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  2. Boa Noite carissimos , Felipe e Bruna ,grato pelas publicaçoes . Sou estudante de Antropologia iniciando e tenho grande interesse nas viagens arabes aos Orientes , principalmente Ibn Faldlan , Ibn Battuta e Ibn Khaudun ,muito interessante as referencias a essa "Filosofia do Peregrino '' no mundo arabe. Eu assisto canais da Indonesia ,por exemplo e vejo nos noticiarios deles as mulheres usando o hijab ,vejo o quanto foram longe nossos irmaos arabes e suas influencias culturais no Sudeste Asiatico. Baseado na dissertaçao da Viagem ao Volga e sua importancia para compreendermos os arabes ,sem o etnocentrismo europeu, porque nosso pais ainda inssiste em ignorar essa rica cultura ,visto que e crescente o numero de pessoas que demonstram interesse nessas tradiçoes culturais ? Poderiam avaliar qual o tamanho do prejuizo e atrazo que nos temos por ignorar esse mundo tao plural dos nossos irmaos arabes ?Grato, Ricardo dos Santos Barbarra.

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  3. Boa tarde Ricardo! Ficamos muito contentes em saber de seu interesse pelo tema. Penso que para responder a primeira questão temos que considerar diversos fatores como não só a histórica tentativa de apagamento de culturas não europeias como também o reavivamento de esteriótipos e da xenofobia advindas da Guerra ao Terror, tendo em vista que a mesma tomou o aspecto de uma cruzada contra o Oriente. Creio que esse desinteresse pelo Oriente Próximo é herdado dos antigos colonos e reproduzido até os dias de hoje. Para a segunda questão acho importante a concepção de Paul Veyne da história como "Viagem ao Outro", negando o outro vamos contra nosso próprio trabalho como historiadores, empobrecendo assim nossa visão de mundo e impedindo uma história mais plural. Acho que os grandes prejuízos que tivemos até agora foram o não reconhecimento devido da influência árabe na nossa cultura e o limitar da nossa visão de mundo, pois não conhecendo o outro não legitimamos o seu diferente estilo de vida como o que é, diferente, e sim o tomamos como errado. Espero que eu tenha ajudado com as dúvidas e obrigado por ter perguntado. Felipe Lomba Ferreira.

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  4. Olá Bruna e Felipe, gostei muito do texto. Na opinião de vocês qual o impacto que esse olhar ampliado pode exercer na construção da idéia de "mundo medievo", tanto na universidade quanto no ensino básico? Penso especialmente, uma vez que existe uma imagem muito arraigada, via especialmente a cultura de massas, em torno da qual certas imagens canônicas do passado europeu se retroalimentam e se fortalecem. Obrigada!
    Janaina de Paula do Espírito Santo

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    1. Oi Jana, boa noite, tudo bem? Acredito que ampliar nossa visão sobre a idade média incluindo e pensando os orientes acaba desconstruindo o mito que a Europa criou em torno dela mesma como o berço do progresso, descartando o resto do globo. Não apenas isso, mas pensar questões como a escrita, índices de alfabetização, higiene e cultura nos faz perguntar também quais foram os processos que transformaram o polo da pesquisa que foi o mundo árabe, real herdeiro do legado helênico, no que hoje é vulgarmente conhecido como um território assolado por guerras, retratado midiaticamente como bárbaro e extremista religioso.
      Nós que agradecemos você por ter lido e comentado sobre o que fizemos!
      Abraço, Felipe Lomba Ferreira

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