COMÉRCIO, VIAGENS E O ISLÃ: UM RETRATO DO OCEANO ÍNDICO ATRAVÉS DA RIHLA DE IBN BATTUTA por Gabryel Garcia Lima e Pietro Enrico M. de Chiara


Introdução

Ibn Battuta é uma figura ímpar no Islã. É muito possível que historiadores do século XIV o tenham como uma fonte, mesmo tendo como recorte de estudos a Índia, a China, o Mali, dentre outros locais. Quase trinta anos distante de sua terra natal renderam ao marroquino inúmeras experiências com os mais diversos outros e as mais diversas realidades.  Em 1325 ele viu sua cidade natal, Tânger, sumir no horizonte. Sua intenção era a peregrinação à Meca, mas ele foi bem além. O viajante passou por Argel, Bugia, Túnis, Tripoli, para finalmente chegar a Alexandria. Adiante ele vaga por várias localidades da Península Arábica e da região da Pérsia. Após isso, seu próximo destino é a costa índica da África, em Mombaça e Kilwa, no século XIV. O tangerino retorna ao Egito e, dessa vez, parte para a Anatólia. Nesse momento de sua viagem, ele conhece o chefe do Ilkhanato e parte rumo à Constantinopla. Finalmente, Ibn Battuta viaja para o extremo oriente. Permanece na Índia por cerca de dez anos, no qual ele atua como qadi, assim como nas Maldivas. Antes de retornar para o Marrocos, ele visita o Sudeste Asiático, a China e a ilha de Sumatra. Por fim, em 1349 ele retornaria ao Sultanato Marínida, em Fez. Entretanto, os longos deslocamentos não cessaram: após dois anos, ele novamente viaja rumo à Península Ibérica. Após isso, próximo de 50 anos de vida, ele se uniu a uma caravana e cruzou o Sahara e chegou ao atual Mali.

 

Entretanto, Ibn Battuta não parte e é bem sucedido sem antes haver um contexto prévio estabelecido de viagem, isto é, sem as condições materiais para realizar tal feito. Apesar da peregrinação ser um dos principais motivos dos viajantes, vale ressaltar que ela não era a única. Esses personagens possuíam vários objetivos e eram figuras multifacetadas, podendo ser mercadores, estudantes, embaixadores, missionários ou aventureiros [TOUATI, 2006, p. 830].

 

O contexto do Oceano Índico

Quando os europeus ocidentais, na temporalidade moderna e contemporânea, expandiram-se de forma imperialista, eles não precisavam tecer as novas redes. Isto é, eles suplantaram as já existentes entre os negociantes árabes, chineses, indianos, entre outros, inclusive trilhando caminhos já consolidados anteriormente. [RODNEY, 2010]. É importante destacar isso para fugir de uma interpretação hamita do mundo não ocidental, ou seja, de que a vivacidade e complexidade só se faz presente mediante um europeu. A circulação, os intercâmbios e os contatos possuem elementos locais; porém com a própria dialética dos encontros, é possível também sintetizar o outro. É importante tal ponto de partida já que, com a falta de enfoque em contextos não-europeus, cria-se um mito de que tais mundos só são possíveis com a ação europeia. Entretanto, o Oceano Índico, por exemplo, era um mosaico e via diariamente diversos trajetos das mais diversas origens em suas águas. Um exemplo disso é quando a presença da frota de Vasco da Gama passa despercebida pelos locais, que estavam acostumados com o afluxo de diversos estrangeiros nesse mundo indo-oceânico, como aponta Fauvelle [2018, p. 280].

 

Feitas tais considerações, pode-se abordar o século XIV. Quanto ao mosaico da região, na costa Oriental africana, banhada pelo Oceano Índico, existiam diversas cidades costeiras de grande movimentação comercial como Kilwa e Mogadíscio, tais cidades têm origem em povos autóctones de cultura swahili, na época de Ibn Battuta, esta região era palco não só de intensas trocas comerciais mas também de trocas culturais, de forma que o Islã estava cada vez mais presente na região. Mais ao norte, está a Península Arábica que, além de abrigar a cidade sagrada de Meca, possui diversas cidades portuárias que recebem muitos mercadores com produtos vindos da África, Índia e Indonésia. Neste ambiente o Egito Mameluco tem um papel importante no comércio do Mar Vermelho, enquanto o golfo pérsico, do outro lado da península arábica, estava sob a hegemonia do Ilkhanato. Mais ao sul, as regiões do Iêmen e Omã tem um papel importante em conectar as rotas comerciais terrestres existentes no continente com as rotas marítimas, um exemplo de destaque dessas cidades portuárias da península arábica é a cidade de Hormuz que consistia em um sultanato independente.

 

Seguindo mais a leste pelo Oceano Índico o subcontinente indiano encontrava-se sob a hegemonia do sultanato de Delhi que estava-se em declínio, além deste, havia diversos reinos menores tanto muçulmanos como hindus, regiões como Gujarat, Bengal e o extremo sul da Índia já se encontravam fora do controle do sultanato de Delhi possuindo sultanatos independentes ou reinos hindus locais. A Índia, ao longo de toda a sua história, é marcada pela diversidade de religiões presentes em seu território. No período de Ibn Battuta, é notório em seu relato a dualidade entre muçulmanos estrangeiros ou convertidos e a população hinduísta, o que é transparecido pelo seu relato. O território conhecido como a Índia já é imenso por si só, imerso em uma lógica de produção internas e comércio que acabam se estendendo para fora do subcontinente principalmente através das rotas marítimas pelo Oceano Índico. Por último, mais ao leste que a Índia, estavam as ilhas da atual Indonésia e Malásia, as quais possuíam pequenos estados de líderes considerados não islâmicos pelos mulçumanos, mas ao mesmo tempo tal lugar recebeu a influência do hinduísmo, do budismo e do Islã de forma que a presença dessas três religiões podiam ser notadas através dos templos construídos na região.

 

Reiterando o que já foi dito inicialmente, o Oceano Índico já era palco de uma intensa rede de comércio e de trocas culturais muito antes da presença europeia, os produtos oriundos de regiões distantes podiam ser encontrados em meio aos mercados e palácios, segundo o relato de Ibn Battuta, o marfim da costa Oriental africana, o incenso da península arábica, o algodão da Índia e as especiarias da Indonésia estavam todas conectadas através das rotas comerciais do Oceano Índico.

 

O Islã

Um recorte interessante a ser feito é quanto ao Islã e sua prática no oceano Índico.  Ao pensar nisso, é imprescindível localizar a rihla de Ibn Battuta em uma posição de fonte qualitativa. O particular e o individual de um homem podem demonstrar a maneira em que o Islã se expandiu para diversos locais no século XIV, além dos costumes que passavam pelo seu filtro individual. Ele está localizado em um momento em que regiões, no índico, encontram-se entre o Islã como religião estrangeira trazida por comerciantes e um Islamismo adotado pela nobreza e o governante. Obviamente essas relações são complexas, com diversos fluxos que englobam inúmeras localidades.

 

Ademais, Ibn Battuta foi um agente da institucionalização dessa nova religião. Muitos locais procuravam homens para compor o arcabouço islâmico de seu governo, a exemplo de Delhi e das Maldivas. Dessa forma, nestes locais, Ibn Battuta atua como qadi, o que o concede o poder de legislar sobre o outro. Um detalhe a ser destacado é a diferença de modelos mentais e de cultura. [MACEDO, 2021] Entretanto, era mais latente para as administrações islâmicas incluírem um erudito no seu sistema, mesmo que estrangeiro.

 

Definitivamente, o Islã não está isento de moldar-se conforme os lugares que se assenta, de modo a conversar com o universo simbólico significativo local, como aponta Geertz [2004]. O exemplo de como o modelo de estado budista e a metáfora do sol é transposta, inclusive nos próprios mitos de fundação, mostra a evidência que esses sincretismos são comuns. Ademais, é fundamental reconhecer que uma religião global, como desenvolvido por Eller [2007], é uma variedade de elementos locais, além de ter possibilidade de circularidade com outras religiões.

 

Para pensar o Islã nessas condições e entender o papel de Ibn Battuta, é importante pautar-se na dialética centro e periferia. Da mesma maneira que há um Islã ortodoxo central, há diferentes modos em que as tradições locais podem recebê-lo. A partir desse conflito, surge uma realidade local e como as pessoas lidam com uma manifestação de fé estrangeira.

 

Eis a situação de Ibn Battuta: alguém que é a ponte entre um Islã ortodoxo e o estrato popular. Na Índia e nas Maldivas, ele deixa de ser apenas um observador para ter poder de legislação sobre o outro. A partir disso, há de se notar que o príncipe dos viajantes tem consciência de sua persona como um estrangeiro e sabe que a legislação dali é construída de maneira diferente de sua terra natal: o Maghreb. Até a própria madhhab [escola de jurisprudência] e a língua oficial é diferente nos locais em que ele atuou. Tal consciência pode ser vista em frases como “Uma vez nomeado qadi, usei todos os meus esforços para fazer cumprir as prescrições da lei, tendo em conta que os pleitos não se levam da mesma maneira que em nosso país" [IBN BATTUTA, 2017, p. 768, tradução nossa]. Mesmo que ele demonstrasse preocupação nesse aspecto, há a barreira de significação do mundo local e dos modelos mentais que Ibn Battuta não pode superar.

 

Nas Maldivas, por exemplo, o maghrebino narra que o primeiro costume que ele altera é a da permanência das esposas na casa do marido mesmo após o divórico. Para fazer cumprir isso, por mais que ele reconhecesse as diferenças, ele açoitou alguns homens. Aparentemente, isso parece ter tido sucesso, entretanto, nem todas as suas ações tiveram êxito. Uma delas, por exemplo, foi a tentativa de vestir as mulheres.

 

Ao falar de contato e sincretismo religioso, uma das passagens mais interessantes de Ibn Battuta nesse recorte geográfico é a peregrinação à montanha Sri Pada no atual Sri Lanka. Lá, de acordo com a tradição muçulmana, estaria a pegada de Adão. Entretanto, o que torna complexo o local é que ele é cultuado também pelo cristianismo, hinduísmo e budismo. Obviamente, os dois últimos têm uma interpretação diferente, no qual a pegada é interpretada como a de Hanuman, Shiva ou de Buda. Entretanto, isso não é motivo de discordâncias ou de impedimento de peregrinações, afinal, Ibn Battuta ressalta ter ido lá junto com iogues e brâmanes. Isso significa que o viajante não encontrou resistência ou impedimentos de transitar na região, o que mostra um ambiente multicultural de peregrinações na região.

 

Ainda sobre o Islã, é importante relacionar os itinerários de Ibn Battuta com as rotas de islamização do Oceano Índico. Afinal, como aponta Bissio [2012], o maghrebino se locomove em um espaço em que ele reconhece o idioma e há um grupo da mesma religião para acolher. Dessa forma, é possível vislumbrar as redes de contatos em que o Islã está presente e o apoio que Ibn Battuta encontra, principalmente em locais mais distantes. A ideia de contatos e comunidades é crucial quando se é minoritário no país. Em nenhum local, ele é o primeiro islâmico dali e, mesmo longe de casa, encontra intérpretes que o ajudam a conversar com os habitantes locais. Mesmo que o feito do viajante seja incomum, a viagem e o deslocamento, em si, não eram, o que tornava possível encontrar pessoas dessa religião por toda a extensão de sua viagem.

 

Em Bengala e Sumatra, por exemplo, o viajante aponta políticos muçulmanos que têm boas relações com o Islã e adotam eruditos de tal fé para compor as leis. Esses casos têm uma função de dizer o quão extensa é a umma para os seus leitores, além de estar pautado em uma materialidade situada em um contexto de expansão de estados islâmicos no que é chamado de Extremo Oriente.

 

O maravilhoso

Além do Islã, é notório a construção de uma antinaturalidade desse universo tão distante do Maghreb feita por Ibn Battuta, mais especificamente quando ele está se dirigindo para a China, como aponta David Waines [2010]. O maravilhoso é uma chave importante para entender o relato de locais tidos como distantes na época. Mesmo que a obra não esteja situada especificamente neste gênero, há uma intertextualidade.

 

Nesse quadro, há três momentos que marcam isso. Um deles é um lugar denominado Tawalisi, alvo de confusões entre os estudiosos no sentido dele ser real ou fictício. Pela lógica do itinerário, seria em algum lugar do sudoeste asiático, mas nenhum especialista conseguiu identificar onde exatamente seria. Esse lugar teria mulheres que montavam a cavalo lideradas por uma princesa de língua turca, governante de Tawalisi. Essa mulher afirmava que só se casaria com um homem que lutasse contra ela e a derrotasse. Há uma construção de uma inversão à ordem social que marca tal antinaturalidade. O segundo é um encontro, com a grande ave rukh, confundida por montanha. Por fim, há também o relato de um grupo de homens que se parecem com cachorros perto da região da Indonésia.

 

Esses elementos anunciavam um universo completamente diferente do Maghreb, tanto na natureza, na fauna, nas expectativas, na ordem social. Era um mundo distante e que a linha entre o real e o imaginado alcançava certa tenuidade, afinal, foi o local mais distante no sentido oriental que o “príncipe dos viajantes alcançou”.  David Waines [2010] interpreta esses dois contos como faróis de advertência para qualquer um que ousasse se aventurar além dessas terras.

 

O comércio

Por fim, a rihla fornece também informações sobre o comércio praticado na costa. Os produtos comercializados através das rotas marítimas do Oceano Índico e atestados na rihla de Ibn Battuta demonstram as conexões existentes entre os povos do Oceano Índico.  Dentro deste contexto, um recorte interessante a ser feito é o da comida e seu fluxo, assim como dos cauris [wada] das Maldivas.

 

Sobre os alimentos, vale ressaltar que o primeiro livro de receitas no Islã data de aproximadamente do fim do século X, que contém uma coletânea dos desenvolvimentos culinários de um emergente grupo comerciante em Bagdá. Até o século XIV, podem ser apontados diversos livros que discorrem sobre a comida, além de discussões teológicas, como o próprio Al-Ghazali, autor com grande influência no sunismo. Esse assunto é importante em Ibn Battuta, já que ele oferece um material rico em questões como recursos alimentares [WAINES, 2010].

 

As comidas e como elas são preparadas dizem muito sobre o fluxo material e cultural, além de revelar uma relação com a própria religião no sentido da hospitalidade. Ahadith lembra que Muhammad não costumava fazer suas refeições sozinho e prezar pelo preparo da comida por muitas mãos.

 

Quando o maghrebino esteve em Mogadíscio, na atual Somália, descreve que seu principal alimento era o arroz importado da Índia. Entretanto, esse não é o único produto que atravessava o Oceano Índico que Ibn Battuta notou na cidade africana: há as folhas de bétele e nozes de areca, um símbolo da hospitalidade indiana que foi introduzido na costa oriental africana. Esses itens demonstram que além das trocas materiais, ocorriam também as culturais. Entretanto, esse comércio não se restringiu apenas às costas, uma vez que os trabalhos arqueológicos encontraram diversos produtos desse comércio no interior da África, inclusive no próprio complexo habitacional do Grande Zimbábue. [FAUVELLE, 2018].

 

Em adição a isso, quando relato fala sobre a população de Zafar no Yemen e dentre as diversas descrições do viajante, uma diz sobre o principal alimento é o arroz, vindo da Índia. Ademais, o viajante nota que as roupas são principalmente de algodão também originários da Índia. Dessa forma, é possível vislumbrar que o comércio índico introduziu itens que fizeram parte do cotidiano das populações no golfo pérsico.

 

Outra mercadoria bastante apreciada nesse comércio são as especiarias indianas. É possível vislumbrar que o fluxo delas era feito antes dos portugueses e que tinham muito estima para os comerciantes e circulavam pelo Oceano Índico até o ocidente islâmico.

 

Como abordado em outras pesquisas [DE CHIARA, 2021], um objeto importante a ser incluído no comércio índico é o cauri [wada], conchas com uso comercial, sendo colhidos principalmente nas ilhas Maldivas. O trânsito deles é avassalador, sendo possível encontrar conchas maldívias na África Subsaariana.

 

Ainda nessas redes de contatos, uma cidade crucial para compreender o comércio índico é Aydhab, localizado na fronteira entre os atuais Egito e o Sudão. Tal localidade era a ponte que interliga diversos pontos do comércio índico que envolviam África e a Índia. Era ponto de encontro entre homens de diversas localidades, além de que era por tal rota que chegava o karim, comboio marítimo anual entre a Índia e o Cairo. [FAUVELLE, 2017, p.133]. Ibn Battuta foi impressionada pelo caráter cosmopolita dali, o que pode ser visto na descrição exaustiva dos pontos de partida das embarcações que chegavam ali. [IBN BATTUTA, 2017, p. 429].

 

O relato de Ibn Battuta é apenas um fragmento desse grande oceano que comportava fluxos dos mais diversos setores para diferentes localidades, porém, torna explícito o fluxo material e imaterial que percorria diversas rotas e circulavam por diferentes configurações sociopolíticas. Os cauris, os incensos, as especiarias e tantos itens expostos pelo viajante revelam um mundo vivo, conectado e imerso em trocas culturais.

 

Conclusão

No Oceano Índico, Ibn Battuta depara-se com um mundo novo repleto de trocas, como foi exposto. Tais relações tinham complexidades e iam além do material; ou seja, havia também o contato cultural, religioso, simbólico, dentre outros. Dessa forma, o viajante é apenas um homem no meio desses fluxos, porém, a sua representação demonstra a vivacidade desse mundo, no qual navios vagavam lotados de mercadorias rumo aos diversos portos que eram pontos cosmopolitas.

 

Para compreender esse mundo, é imprescindível analisar também a construção da possibilidade de uma viagem e de um relato e também as suas relações com o islamismo, que fortalecia-se pouco a pouco em novas localidades. Ibn Battuta não estaria ali se não tivessem condições firmadas para tal e nem uma base de apoio a viajantes, como foi muito bem encontrada. Mesmo em locais onde o Islã não era religião dos governantes, ele encontrou hospedagem e foi recebido, o que reflete, além de sua estima e capital simbólico como viajante, a possibilidade de recepção do estrangeiro. Ademais, na perspectiva macro, isso também aponta que o Islã não era estranho para grupos locais, uma vez que indivíduos dessas religiões circulavam por tais regiões, seja por atividades comerciais, missionárias, políticas, dentre outras.

 

Referências

Gabryel Garcia Lima é graduando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo [UFES]. Atualmente é bolsista pela CNPq e desenvolveu, durante dois anos, pesquisa de iniciação científica na área de África Antiga sendo integrante do projeto: Representações sociais,alteridades e estigmas na África Antiga e Medieval.

 

Pietro Enrico Menegatti de Chiara é graduando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo [UFES] e aluno de Mobilidade In na Universidade de Évora. Atualmente é bolsista pela CNPq e desenvolveu, por dois anos, pesquisa de iniciação científica sobre alteridade no Dar al-islam e Dar al-harb na rihla de Ibn Battuta

 

BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe – A Civilização árabe

clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

DE CHIARA, Pietro E. Menegatti. Entre cauris, jinns e casamentos: As Maldivas por Ibn Battuta. In: André Bueno. (Org.). Mundos em Movimento: Próximo Oriente. 1ed.Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ, 2021, v. , p. 73-81

 

ELLER, Jack David. Introducing Anthropology of Religion. New York: Routledge, 2007.

 

FAUVELLE, François-Xavier. O rinoceronte de Ouro. São Paulo: EDUSP, 2018

 

GEERTZ, Clifford. Observando o Islã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

 

IBN BATTUTA. A través del Islam. (trad., Introd. e notas: Serafín Fanjul; Frederico Arbós). [S.l.]: Titivillus, 2017.

 

MACEDO, José Rivair. Antigas Sociedades da África Negra. São Paulo: Contexto, 2021.

 

RODNEY, Walter. “A economia colonial” In. BOAHEN. Albert. História Geral da África VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010.

 

TOUATI, Houari. “Travel” in MERI, Josef (ed.). Medieval islamic civilization an encyclopedia. Abingdon: Routledge , 2006.

 

WAINES, David. The odyssey of Ibn Battuta. Londres: I.B. Tauris, 2010.

8 comentários:

  1. Prezados Gabryel Garcia Lima e Pietro Enrico Menegatti de Chiara,

    desde já gostaria de deixar aqui meus cumprimentos pela comunicação.

    Como pesquisador de história da Índia e das tradições hindus, a perspectiva muçulmana sobre culturas asiáticas sempre me chama a atenção, especialmente pela maneira como contribuíram para consagrar a semântica cultural dos termos “hindu” e “hinduísmo”, por exemplo. Tendo isso em vista, uma pergunta me veio à mente: quais teriam sido as contribuições de Ibn Battuta para a consolidação de “visões”, de “perspectivas” muçulmanas a partir de um falante do idioma árabe sobre outras matrizes culturais asiáticas – principalmente considerando-se a abrangência geográfica percorrida por ele, e a situação de prerrogativa dominante da cultura islâmica na Ásia? Até que ponto essas “visões”, essas “perspectivas” contribuem positivamente – ou negativamente – para o estudo e pesquisa de realidades culturais que ele conheceu? Minhas perguntas incidem mais no conteúdo ‘tout court’ dos escritos dele.

    Desde já agradeço pela atenção.

    Atenciosamente,

    Matheus Landau de Carvalho.

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    1. Agradecemos a pergunta, Matheus. De fato é interessantíssimo pensar nessa perspectiva e nos diversos contatos que os muçulmanos tinham ao seu redor. Quanto a Ibn Battuta, ele foi, de certo, um notável criador de discurso sobre as realidades do extremo oriente. Ao considerar os autores do mundo islâmico ocidental, poucos relataram o que viram por si mesmos. Dessa forma, o “ver” é um importante legitimador de verdade para o Islã, o que torna o relato de Ibn Battuta uma fonte bem aceita, de maneira geral, de construção do outro para os leitores maghrebinos dele. No mais, o relato dele tem um sentido socio-religioso de mostrar a abrangência do Islamismo. Além disso, o fato dele ser mais recente e mais próximo culturalmente o tornava mais familiar para certos leitores que o al-Biruni, por exemplo. Entretanto, essa posição é uma faca de dois gumes, já que, ao mesmo tempo que ele divulga especificidades do outro no oriente, ele não consegue expor a realidade da forma que ela é e pode criar desentendimentos e perpetuar, como por exemplo os hipopótamos apresentados no texto. Nessa lógica, portanto, é possível ver o destrinchamento da realidade e a possibilidade do leitor ver a complexidade da realidade global sob o domínio islâmico, por exemplo, como é apontado por Jackson (apud Waines, p. 100) quando fala que no relato do viajante, faria menos sentido em falar da divisão política clássica Dar al-Islam e do Dar al-Harb. Outro detalhe da realidade importante percebido por Ibn Battuta graças às longas viagens dele foi a percepção que os cauris (wada) maldivos eram utilizados na África subsaariana, o que só seria notado na Idade Moderna novamente. Em suma, ao mesmo tempo que Ibn Battuta está em uma posição de poder de falar sobre o outro, ele complexifica as noções dos maghrebinos sobre terras distantes, além de fornecer informações inéditas tanto para sua comunidade micro quanto macro.

      Atenciosamente,
      Pietro E. M. de Chiara

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    2. Pietro Enrico Menegatti de Chiara,

      desde já agradeço imensamente pela resposta e atenção! Muito interessante essa polivalência intelectual do Ibn Battuta... me chamou muito a atenção também a importância legitimadora do “ver” para a cultura islâmica, um traço que eu desconhecia (chego até a pensar, de certa maneira profanamente, se isto não poderia significar numa releitura qualitativa da historiografia de Heródoto, mas aí é outro caminho metodológico longo demais para ser percorrido ;) )...

      Com efeito, percebo nesta resposta tua os mesmos horizontes de desafio historiográfico circunscritos ao testemunho, à verificação, ao discernimento trazidos pelos escritos de Ibn Battuta. De fato, trata-se de uma perspectiva privilegiada em todas as dimensões inerentes aos estudos asiáticos, prezado Pietro, sobretudo em termos de uma metacrítica que, acredito, é muito necessária a nós que lidamos diretamente com esses horizontes asiáticos...

      Agradeço demais pelo privilégio que vocês dois proporcionaram de nós, ouvintes do presente Simpósio, compartilharmos de uma Comunicação tão importante como esta... espero nos encontrarmos em futuros meandros acadêmicos... até a próxima ;)

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  2. Carissimos Gabryel e Enrico, saudaçoes ! Sou estudante de Antropologia e tenho interesse em paises como China , Indonesia e Camboja. Sobre as Viagens de Ibn Battuta e tambem de IBn Khaudun , ambos arabes , e a frase ''o viajante e apenas um homem no meio desses fluxos '' , oque ela tem a nos ensinar sobre etnografia e filosofia e tolerancia ante o desconhecido em tempos tao complexos como a sociedade atual que vive um dinamismo de mudanças tao rapidas e ao mesmo tempo enfrentamos cenas lamentaveis de retrocesso e violaçao dos direitos humanos e e desigualdade com relaçao as minorias ? Abraços, Ricardo dos Santos Barbarra

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    1. Olá, Ricardo. Saudações. É uma questão interessante a se pensar, realmente. A frase foi pensada com o objetivo de explicitar a característica qualitativa da fonte utilizada, ou seja, como o relato e o personagem estão imersos no macro e interagem com suas teias sociais e culturais. Com relação à sociedade atual, é importante reconhecer o relato como inserido na realidade do século XIV, porém como fragmento desse passado formador do atual presente. Com os inúmeros usos políticos do passado, analisar as fontes com viés científico é fundamental, ainda mais ao debruçar-se na dialética da relação com o outro. Dessa maneira, a relação com as minorias tem seu viés histórico e são construídas a partir do tempo, o que pode desencadear tolerâncias e exclusões. Em tal sentido, é possível navegar no passado com seus resquícios para compreender essas tranformações.


      Meus cumprimentos,
      Pietro E. M. de Chiara

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  3. Olá Gabryel e Pietro!
    Parabéns pelo seu texto!
    Tema interessantíssimo e leitura fluída que deixa com vontade de continuar lendo sobre o assunto.
    Considerando o trecho:
    “As comidas e como elas são preparadas dizem muito sobre o fluxo material e cultural, além de revelar uma relação com a própria religião no sentido da hospitalidade. Ahadith lembra que Muhammad não costumava fazer suas refeições sozinho e prezar pelo preparo da comida por muitas mãos.”
    E logo depois vocês listam alguns alimentos que eram usados como o arroz, as folhas de bétele, nozes e especiarias. Saberiam elencar mais alguns que eram consumidos por eles (tanto os “locais” quanto aqueles alimentos que vinham de outras regiões)?
    Muito obrigada, Talita Seniuk.

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  4. Saudações, Talita. Agradecemos os elogios. A alimentação revela inúmeros aspectos da sociedade e dos seus fluxos materiais e culturais. Há informações sobre alimentos em quase toda cidade que Ibn Battuta visita. É possível ver esse cuidado na narrativa. Porém, muitas vezes não é comentado o fluxo, ou quando é, é vagamente. Alguns locais tem tradição de produção de algumas frutas de qualidade, a ponto do viajante elencar diversos elogios. Também é possível citar o açúcar. Constantemente associado ao período moderno escravista, ele está presente no relato de Ibn Battuta no Egito quando ele depara-se com um local de produção. Há também os produtos derivados de coco que circulavam desde a China até o Próximo Oriente. Um exemplo interessante é as Maldivas, que pode ver o grande aproveitamento da fruta, utilizada tanto para consumo quanto para produção de ferramentas navais com a fibra de coco. Nesses cenários há diversas influências, contatos e maneiras próprias de relacionar-se com o ambiente. Além disso, as cidades portuárias com saída ao Índico, em grande maioria, tinham um mercado e zonas comerciais cosmopolitas. Em diversos momentos é possível ver o quão bem hospitalizado são os viajantes, seja na região de Bengala ou na África Índica, o que indica a receptividade e a abertura ao estrangeiro, e consequentemente, a sua cultura.

    Meus cumprimentos,
    Pietro E. M. de Chiara

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