PASHTUNISTÃO: ENTRE O EXTREMISMO ISLÂMICO E O PACIFISMO, O ETNONACIONALISMO NO AFEGANISTÃO E PAQUISTÃO por Yuri Alan Maciel Tesch


Este artigo tem como objetivo analisar o etnonacionalismo pashtun no Afeganistão e Paquistão a fim de identificar, de que modo a Linha de Durand, imposta pelo Império Britânico em 1897,  que dividiu metade  do território ancestral pashtun, tomando cerca de  40.000 milhas quadradas, entre o rio Indo e o Passo de Khyber, reacendeu os movimentos de identidade da etnia pashtun.

 

Este artigo pretende ainda propor uma compreensão mais apurada  sobre a questão dos pashtuns contemporâneos do Afeganistão e Paquistão. O referido trabalho possibilita criar as condições necessárias para que os pashtuns possam falar por si mesmos e, sobretudo, serem ouvidos. Rompendo com uma análise que enfatize apenas a posição de oprimido dos pashtuns, compreende-se relevante abordar as diferentes matizes da questão, incluindo as vinculações do grupo étnico dessa região ao extremismo islâmico, como supostos apoiadores do Talibã.

 

De importante posicionamento geoestratégico, interligando o Oriente Médio com a Ásia Central e o subcontinente indiano, o Afeganistão e o Paquistão abrigam diversas microssociedades de origens tribais, destacando-se entre elas os pashtuns, seguidos pelos tadjiques, hazaras, uzbeques e os turcomenos. De acordo com o artigo “Filhos da Jihad”, do historiador Márcio Scalércio (2010), os pashtuns, de maioria sunita, compõem o maior grupo tribal do mundo, constituindo cerca de 44% da população afegã e estimados 15% da população paquistanesa, totalizando em torno de 40 a 50 milhões de pessoas distribuídas entre 350 a 400 tribos e clãs. A maioria dos pashtuns, hoje, está assentada no Afeganistão e na fronteira noroeste e nordeste do Paquistão, países vizinhos que em determinadas vezes sãos hostis um ao outro, havendo arranjos e políticas divergentes.

 

Utilizando-se de Anthony Smith, Saikal (2010) defende que os pashtuns são uma nação étnica, baseada no sentido clássico do termo, uma vez que compartilham suposta ancestralidade comum, memórias históricas, elementos diferenciadores de cultura comum, associação com uma “pátria” específica e um sentimento de solidariedade, entretanto, eles nunca tiveram uma nação independente consistente, devido a divisões internas e subjugações estrangeiras, o que contribuiu para um nacionalismo pashtun.

 

Desde a formação do Estado moderno afegão, com a Confederação Tribal de Ahmad, Shah Abdali, em 1747, a despeito da autoridade central, diversas microssociedades permeavam o território do Império Durrani, também conhecido como Império Afegão, que, em seu auge, estendia-se da Ásia Central até o sul asiático, sendo o segundo maior Império Islâmico dessa época, atrás apenas do Império Otomano. Essas microssociedades tradicionais, conforme a visão de Saikal (2004), desfrutavam de relativa autonomia frente ao governo central, cada qual girando em torno de um líder tribal, étnico ou religioso. É importante salientar que esse regime era predominantemente pashtun, baseado no pashtunismo, e a afirmação da supremacia política e militar dessa etnia era mesclada com um islamismo moderado que buscava incluir algumas minorias nãos pashtuns para a legitimação desse governo.

 

Essa diversidade étnica, historicamente manifesta em conflitos intertribais, entre clãs e   entre etnias, é também um entrave para a consolidação de um Estado forte e unificado aos moldes ocidentais. A solidariedade étnico-tribal e de clãs, portanto, norteou qualquer governo e movimento político no país (SAIKAL, 2004). Tal problematização é levantada por Sir Henry Rawlinson em 1875:

 

“O Afeganistão nunca teve, e nunca terá, um governo monárquico consistente, coeso e regular. A nação consiste em um mero amontoado de tribos, de poder desigual e hábitos divergentes, que são mais ou menos mantidos próximos, de acordo, com as características carismáticas dos líderes tribais que as governa. O sentimento de patriotismo, como conhecido na Europa, não existe entre os afegãos, porque não há unidade nacional. (…) Não existem razões naturais ou étnicas que justifiquem a anexação de Herat e Candahar a Cabul. (RAWLINSON, 1875, p. 355, tradução nossa)”.

 

Esses conflitos entre as microssociedades, historicamente manifestos em práticas governamentais e tribais, foram  suscitados, reprimidos ou provocados, conforme interesses de caráter socioeconômicos  e políticos das potências ocidentais, das alianças tribais e do clero em políticas de coexistência, de acomodação, supressão, realocação, ou mesmo dizimação étnica. (SAIKAL, 2004). Como exemplo de políticas de alianças, pode-se citar a própria prática de coexistência de Ahmad Shah Abdali entre as microssociedades. Já no que diz respeito à dizimação étnica, Abdur Rahman Khan, conhecido como Amir de Ferro, reprimiu violentamente a revolta dos hazaras.

 

Não somente as lideranças internas, mas as potências ocidentais e de países fronteiriços tiveram que lidar com essa questão da relativa autonomia das microssociedades. Além da já citada Linha de Durand, no contexto da rivalidade imperialista na Ásia Central entre os britânicos e russos, na disputa conhecida como Grande Jogo, a Rússia Czarista forneceu armas para os pashtuns poderem enfrentar a política de “pacificação forçada” britânica, que pretendia eliminar o elemento cultural dessa etnia conhecido como badal.

 

Em conformidade com Siddique (2014), o primeiro movimento patriótico, predominante pashtun, desdobrou-se ao redor de uma estrutura sufista moderada islâmica no século XVI, através do Roshnya, ou Movimento “Iluminado”, liderado por Pir Roshan conhecido como “o santo iluminado”. Nascido em Jalandhar, no atual norte da Índia, foi criado no Waziristão, no atual Paquistão, em uma época em que o declínio do poderio pashtun era uma realidade frente à ascensão do Império Mugal. Pir Roshan empreendeu uma rebelião aberta, que, com o tempo, ganhou adesão nacional. O santo iluminado tentou aplacar as divisões das tribos pashtuns, reunindo-as de Candaar, no Sul, à Nangarhar, no Norte, sob a bandeira do wahdat, qurbat e waslat, ou seja, união, unidade e proximidade, com o objetivo de independência e convivência pacífica entre os pashtuns. Sua liderança não era apenas intelectual, e seus filhos e netos lutaram no campo de batalha contra o Império Mugal.

 

Ainda de acordo com Siddique (2014), outros movimentos nacionalistas pashtuns reconstroem a trajetória histórica de luta e resistência dessa etnia, destacando-se, entre eles, Khushal Khan Khattak, o chamado Poeta Guerreiro do século XVII, e, mais recentemente, o movimento não violento de Khan Abdul Ghaffar Khan em 1930, na antiga Província da Fronteira Noroeste do Paquistão, atual Khyber Pakhtunkhwa.

 

Abdul Ghaffar Khan, após o assassinato pelas tropas britânicas de manifestantes  desarmados, então membros da Organização para a Promoção de Reformas entre os Afegãos, aliou-se, juntamente com sua organização, ao Congresso Nacional Indiano, chegando a vencer as eleições de 1937 e 1946 na Província da Fronteira do Paquistão. Em 1946, entretanto, findou-se sua aliança com o Congresso, quando Khan acatou um plano britânico de um controverso plebiscito na região, que previa duas opções: a adesão da província à Índia ou ao Paquistão, sem oferecer a possibilidade de um Estado independente, essa última, pauta do movimento de Ghaffar Khan, que pretendia a criação de um estado independente para os pashtuns, o Pashtunistão. O movimento de Ghaffar Khan, posteriormente, ficou conhecido como Khudai Khidimatgars, isso é, Servos de Deus.

 

Os pashtuns são identificados por diversos nomes relacionados: afegão, que também denota a cidadania jurídica; pachtun; e mesmo pathan, embora essa última terminologia esteja em desuso, devido a seu caráter colonialista, desde sua criação pela etnografia britânica.

 

Muitos líderes e intelectuais pashtuns consideram o seu povo como um dos mais difamados da história, principalmente após os ataques de 11 de setembro, já que a maioria dos relatos acadêmicos e jornalísticos encontram, na raiz da história e cultura pashtun, o extremismo islâmico e o terrorismo, entretanto, conforme defende Siddique (2014), na verdade, eles são, em sua grande maioria, meros assistentes ou observadores do lado de fora dos extremistas islâmicos locais e estrangeiros, de ideologias infundidas por meio de orientações externas, por vezes contrárias às ordens religiosas tradicionais.

 

A resiliência pasthun é evidenciada em sua sobrevivência e resistência a pelo menos seis séculos de guerras, invasões e violência endêmica local. Por ironia, a instabilidade política e o intervencionismo externo na região ajudou a preservar e reforçar a natureza tribal da sociedade pasthun, principalmente no campo, onde a maioria reside, entretanto, essa microssociedade hoje se encontra entre os povos mais subdesenvolvidos do mundo, com baixos índices de expectativa de vida, alfabetização, emprego, segurança alimentar e  um precário estado de direito, constituindo uma das maiores populações de deslocados do mundo, tendo a violência minado ou destruído a maioria de suas instituições sociais e políticas.

 

A guerra civil afegã, na década de 1990, após a retirada da União Soviética no país, contribuiu em muito para a formação de uma economia criminosa, baseada no contrabando de drogas e na proliferação de armas de pequeno porte e, sobretudo, no cultivo do ópio, modificando assim as antigas relações no campo, quando alguns pashtuns disponibilizaram suas terras para os cartéis de drogas.

 

A campanha anti-extremista islâmica, declarada pelos Estados Unidos, conhecida como Guerra ao Terror, centrou-se principalmente nas terras dos pashtuns. Em 2010, 150.000 soldados da Otan, no Afeganistão, concentravam-se, em sua maioria, nas regiões leste, sudeste e sul do território pashtun (SIDDIQUE, 2014).

 

O Pasthunistão é uma causa etnonacionalista separatista, que reivindica uma nação pashtun devido às perdas territoriais ocasionadas no conflito do Grande Jogo, onde a Linha de Durand criou o atual Estado do Paquistão e dividiu as tribos pashtuns.

 

Segundo Siddique (2014), não há concenso entre os líderes afegãos e figuras nacionalistas pashtuns no Paquistão acerca de uma única visão sobre o Pashtunistão. Algumas facções defendem a independência, outras uma província autônoma do Paquistão, enquanto há quem afirme que a pátria tradicional dos pasthuns é parte integrante do Afeganistão. Segundo Harrison (2008), o Talibã, apesar das pressões sofridas pelo Paquistão, em seu primeiro governo, opôs-se à Linha de Durand, representando o auge da supremacia política dos pashtuns

 

Sucessivos governantes afegãos se utilizaram da questão para fortalecer o apoio pashtun ao Afeganistão, embora seja importante salientar não se tratar de uma mera manipulação, pois as tribos pasthuns de ambos os lados da linha de Durand se beneficiaram também de alianças com os líderes afegãos, por vezes recebendo autonomia, isenção de impostos e de alistamento militar, entretanto, é importante enfatizar que a defesa da autodeterminação dos pashtuns pelos afegãos apresenta limitações, uma vez que, se concretizada em sua plenitude, significaria a perda territorial do Afeganistão, o que nenhum líder afegão estava realmente disposto a acatar. A defesa por um Pashtunistão livre, na verdade implicava, por parte dos afegãos, a resolução da questão fronteiriça com o Paquistão e o acesso ao litoral do Oceano Índico (SAIKAL, 2010). Enquanto o governo de Islamabad reprimiu veementemente os impulsos pashtuns por um Pashtunistão independente durante e após a invasão soviética no Afeganistão.

 

Através da ajuda internacional dos Estados Unidos, o Serviço de Inteligência Paquistanês canalizou armamentos e recursos para jihadistas que não se identificavam com essa causa, negando ajuda, por exemplo, à resistência  que apoiou a monarquia, por esses terem se identificado com o movimento do Pashtunistão. De acordo com Saikal (2010), dos sete principais grupos mujahidins, que representavam cerca de 80% da população sunita afegã, seis eram majoritariamente pashtuns. Quando os grupos apioados falharam, Islamabad se volta para o Talibã, que compactuava com uma ideologia pan-islâmica desvinculada do movimento do Pashtunistão (HARRISON, 2008).

 

O vai e vem entre as fronteiras do Afeganistão e Paquistão é algo comum, pois, na prática, as etnias desconhecem o conceito de fronteiras nacionais. Na ausência de um exército regular, o Afeganistão contou, muitas vezes, com o exército provisório das tribos de Loya Paktia até a segunda metade do século XX, quando foi estabelecido o exército profissional. Em 1919, o rei nacionalista e modernista, Amanullah Khan, declarou uma jihad para recuperar o controle dos assuntos internacionais do Afeganistão, até então nas mãos dos britânicos, no que ficou conhecido como a Terceira Guerra Anglo-Afegã. Foi travada uma lashkar, isto é, um grupo armado organizado por tribos para defender determinado território. tribal pashtun, de ambos os lados da Linha de Durand.

 

Em 1929, as tribos de Loya Paktia foram fundamentais para restaurar o trono Durrani a Mohammad Nadir Shah, um primo distante do rei deposto, Amanullah Khan. Reformista, Khan foi destronado em uma revolta liderada pelo guerrilheiro tadjique Habibullah Kalakani, que dispunha do apoio do clero conservador. Nadir Shah respondeu organizando uma lashkar tribal composta pelas tribos de Loya Paktia e Waziristão dos dois lados da Linha Durand. A nova aliança foi bem-sucedida (SIDDIQUE, 2014).

 

A importância da fronteira com o Paquistão também é evidenciada quando, em decorrência de um ataque transfronteiriço afegão fracassado em 1962, no ano seguinte, os laços diplomáticos entre os dois países são rompidos, e a fronteira é fechada por parte do Paquistão, abalando profundamente a economia afegã e ocasionando a renúncia do então primeiro-ministro Daoud, que acusou o monarca Zahir Shah de negligenciar o Pashtunistão em uma tentativa de melhorar as relações com Washington e Islamabad.

 

Durante a invasão soviética e a permanência dos  movimentos de libertação nacional dos mujahidins, os estadunidenses, via Paquistão, forneceram armas e treinamento militar às microssociedades de forma quase indistinta. Em Saikal (2010), compreende-se que os bombardeios soviéticos durante o conflito vitimaram os pashtuns, que, quando sobreviviam, viram-se impelidos a se deslocarem para o Paquistão na condição de exilados, o que aguçou a percepção de uma memória histórica comum e, por desdobramento, o nacionalismo.  Mais recentemente, em julho de 2002, o exército paquistanês enviou uma divisão de tropas para o Território Federal das Áreas Tribais (FATA), em áreas que acreditava-se serem pontos de trânsito para a Al-Qaeda e para o Talibã, dentro e fora do Afeganistão. Em outubro de 2003 e nos primeiros meses de 2004, operações, envolvendo helicópteros e artilharia pesada, ocasionaram o deslocamento de cerca de 50.000 pessoas, segundo a Comissão de Direitos do Paquistão, politizando e radicalizando os pasthuns dessa região (SIDDIQUE, 2014).

 

Contribuindo para perpetuar um esteriótipo, muitos dos acadêmicos ocidentais reduziram o código consuetudinário pashtun, o pashtunwali, a uma interpretação do comportamento que enfatiza o badal (retribuição), que, por vezes, é confundido com vingança, mas na verdade essa tradição também inclui valores como perdão, e cooperação. O pashtunwali também inclui a competição (siyali),  honra (nang) e hospitalidade (melmastya). Essa interpretação reducionista, assim como a citada vinculação dessa etnia aos extremistas e à adesão à violência, incide em Said (2007), que define um sistema de pensamento ocidental de viés colonialista que concebe a complexidade e heterogeneidade do Oriente como um organismo homogêneo dotado de traços negativos suscetíveis a controle e manipulação, processo por ele denominado Orientalismo.

 

Uma das implicações desse artigo é versar sobre a dualidade da formação de extremismos islâmicos, dentre eles o Talibã, devido, em parte, à incapacidade do Paquistão e Afeganistão em incoporar no seu tecido social, político e econômico os pashtuns da região do Pashtunistão, e do reinvidicado pacifismo por parte da comunidade pashtun, que afirma frente às acusações do ocidente, “Nós não somos todos simpatizantes do Talibã, e nós não somos terroristas” (ARIANA MONTHLY, jan. 2010, p. 7, tradução nossa).

 

A Sociedade Pashtun da Universidade da União dos Estudantes, da Universidade de Westminster em Londres, formada para disseminar a língua, história e cultura dessa etnia e conscientizar e criar uma plataforma onde os pahtuns possam ter voz ativa e serem ouvidos é um dos exemplos de iniciativas dos próprios pashtuns para combater os discursos e representações hegemônicos do Ocidente. Chartier (1990, 2002), assim como Bourdieu (1998), enfatiza que as representações podem ser entendidas como fruto do recuo da violência física direta e não significam a aceitação unívoca  por parte dos representados, há espaço para contestação. Desse modo, as lutas de representações resultam, acima de tudo, de disputas pelo monopólio dos discursos, de ideias, de padrões e da necessidade dos grupos, especialmente os minoritários, de se fazerem reconhecidos como unidades culturais independentes através de assimilações críticas dos discursos hegemônicos, sendo capazes de contestá-los e de construírem suas próprias representações.

 

Os pashtun não se restringem aos campos, eles também estão nas cidades e mesmo no campo estão em um gradual processo de globalização. O comentário de Fatah Durani, feito na revista Ariana Monthly publicada pela Sociedade Pashtun, evidencia esse fato: “Pashtuns que acessam a internet, não têm a fonte pashto em seus computadores.(ARIANA MONTHLY, jan. 2010, p. 11, tradução nossa). Essa observação foi realizada em um contexto de fortes apelos para que a comunidade pashtun seja menos dispersa e mais unida. O acesso à rede mundial de computadores abriu novas possibilidades de divulgação da cultura e da história pashtun. Entretanto, é necessário ponderar que, desde a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, em 2021, e com a ascensão do Talibã, nesse que se configura como seu segundo governo, o uso da internet foi proibido no Afeganistão, embora os pasthuns do Paquistão não estejam condicionados a essa determinação.

 

Antes da retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão e do retorno do Talibã ao governo, Saikal (2010) já alertava para os riscos da solidariedade pashtun para com o Talibã, uma vez que os pashtuns, durante a invasão dos Estados Unidos, viram-se ameaçados em relação a sua religião, terra, recursos, honra, normas e valores culturais e sociais, ou seja, todo o seu modo de vida foi colocado em risco frente ao estrangeiro, tornando-os propensos a apoiarem o Talibã, não apenas como movimento religioso, mas sobretudo nacionalista. As circustâncias poderiam levar os pashtuns a apoairem o Talibã na esperança de um Pashtunistão independente. Essa aproximação com o extremismo islâmico contrasta, no entanto, com a imagem que os próprios pashtuns reivindicam para si mesmos, argumentando que não são todos terroristas, nem, tampouco, simpatizantes do Talibã.

 

Frente ao descaso institucional do Afeganistão e Paquistão, materializado em contrastes socio-econômicos, entende-se a fragilidade dos pashtuns, por exemplo, na  Província da Fronteira Noroeste do Paquistão, atual Khyber Pakhtunkhwa, onde, em 2010, a renda per capita era  30%  menor que a média nacional, e a taxa de alfabetização das Áreas Tribais Administradas Federalmente era 57% menor quando comparada com o restante do Paquistão. Sendo a Província da Fronteira Noroeste do Paquistão uma região rica em recursos naturais, carvão, petróleo e gás, os pashtuns, nessa região, não são incluídos nas políticas de bem-estar social, direcionadas primordialmente para os punjabis e sindhis, motivo pelo qual reivindicam reiteradamente taxas de royalties mais altas e um maior investimento na sua província.

 

Referências

Yuri Alan Maciel Tesch é mestrando pelo Programa de Pós-graduação em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); é especialista em História Contemporânea e Cultural pela Universidade Cândido Mendes, e atualmente é professor auxiliar na disciplina História Moderna I pela Uerj.

 

ARIANA MONTHLY. The vision of raising a wareness to the need for the development of the pashtun people. Jan., 2010.

 

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar que dizer. Trad. Sérgio Miceli et al. Ed. São Paulo: Edusp, 1998.

 

CHARTIER, Roger. Introdução. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In:           . A História Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

 

                . O mundo como representação. In:     . À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed.

Universidade/UFRGS, 2002.

 

GOMES, Aureo de Toledo. Do colapso à reconstrução: estados falidos, operações de nation building e o caso do Afeganistão no pós-Guerra Fria. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP, São Paulo, 2008.

 

HARRISON, Selig S. ‘Pashtunistan’: The Challenge to Pakistan and Afghanistan . Real Instituto Elcano: Madrid, 2008.

 

RAWLINSON, Sir H., England and Russia in the East, Londres: Bradury, Agnew, & Co. 1875

 

SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Editora Schwarcz S.A. 2007.

 

SAIKAL, Amin. Afghanistan and Pakistan: The Question of Pashtun

Nationalism? Journal of Muslim Minority Affairs, v. 30, n. 1, mar., 2010.

 

            _. Modern Afghanistan: A History of Struggle and Survival. New York: I.B. Taurus & Co., Ltd., 2004.

 

SCALÉRCIO, Marcio Antonio. Os Filhos da Jihad. Rev. Insight Inteligência. [online]. 2010, n.51. Disponível em: <https://inteligencia.insightnet.com.br/pdfs/51.pdf>. Acesso em 09 jun. 2022.

 

SIDDIQUE, Abubakar. The Pashtun Question: The Unresolved Key to the Future of Pakistan and Afghanistan. Hurst & Company: Londres, 2014.

 

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