Charles
de Secondat, mais conhecido por seu título nobiliárquico, Barão de Montesquieu
(1689-1755), investiu, grande parte de seus esforços intelectuais, rebatendo o
argumento de que a China representaria uma sociedade governada pelo despotismo
esclarecido, quer dizer, pelo tipo mais perfeito de sistema político, em que a
concentração de poderes num topo era devidamente matizado pelas luzes da
razão.
A
teoria fisiocrata, no século XVIII, cujo representante mais conhecido foi
François Quesnay, divulgou a idéia (logo esposada por muitos filósofos
iluministas) de que a China era o modelo de uma sociedade ilustrada. O povo
chinês conseguiu reconhecer, desde o seu início, que o pleno desenvolvimento da
sociedade era baseado no acúmulo de riqueza como objetivo final do Estado.
Aqui, a agricultura desempenharia papel fundamental, porque, depois de
assegurar a segurança alimentar da população, a produção excedente serviria
para salvaguardar recursos para momentos estratégicos ou para as transações
comerciais. Além disso, a China investiu na construção de uma burocracia em
larga escala e no incentivo à unidade religiosa. Essas ações governativas
garantiriam a paz e a tranquilidade política, o que manteria a estabilidade do
sistema ao longo do tempo e para além das vicissitudes temporais.
Em
termos gerais, Montesquieu colidia de frente contra esses dois argumentos
centrais do pensamento fisiocrata: primeiro, a agricultura como forma precípua
de formação de riqueza institucional e seu correlato de consecução da harmonia
social; e segundo, o despotismo esclarecido como virtude política, por
excelência, do Estado chinês.
Montesquieu
não acreditava no conceito de “despotismo esclarecido” ou mesmo na
possibilidade de se aplicar os princípios do Iluminismo no contexto político.
Para a sua teoria dos sistemas de governo, não existe um poder que desempenhe
sua ação despótica de maneira virtuosa e que o governante despótico, em seu
sentido absoluto, no exercício de seu poder discricionário, naturalmente, iria
ser conduzido a realizar os interesses dos cidadãos.
Dizia
ele, em seu O Espírito das Leis (1748),
que:
“Resulta
da natureza do poder despótico que o único homem que o exerce faça-o da mesma
forma ser exercido por um só. Um homem para o qual seus cinco sentidos dizem
incessantemente que ele é tudo e que os outros não são nada é naturalmente
preguiçoso, ignorante, voluptuoso.” (MONTESQUIEU, 2000, p.28)
Se
no regime republicano, todos são iguais, pois perseguem a virtude e o
desenvolvimento de suas capacidades cívicas, isto é, o aperfeiçoamento integral
da sociedade com o objetivo de se empreender a felicidade e a harmonia geral,
do mesmo modo, existiria igualdade também no regime despótico, porém, em
sentido oposto. O despotismo deseja um conjunto social em que os indivíduos
sejam subservientes e dóceis em sua escravidão voluntária. A legitimidade é
dada pelas leis, pela administração estatal e por todo um aparato de controle
das práticas e dos hábitos. Aqui, o despotismo se diferencia da tirania, que,
como forma decaída de monarquia, usa da força e da arbitrariedade do
governante.
Quer
dizer:
“como
é preciso virtude numa república, e, numa monarquia, honra, precisa-se de TEMOR
num governo despótico: quanto à virtude não é lhe necessária, e a honra seria perigosa.
Nele, o imenso poder do príncipe passa inteiramente para aqueles aos quais o
confia. Pessoas capazes de estimarem muito a si mesmas seriam capazes de
promover revoluções. Logo, é preciso que o temor acabe com todas as coragens e
apague o menor sentimento de ambição” (MONTESQUIEU, 2000, p.38)
Um
estado de medo, que reforçado de modo constante, é a primeira característica do
despotismo, segundo Montesquieu. Dessa forma, o despotismo não poderia ser
incluído na seara do Iluminismo. Para os detratores de Montesquieu, os
defensores de uma China ilustrada argumentavam que os mandarins asiáticos não
apenas eram exemplo da existência de um sistema político com governantes
esclarecidos de perspectiva iluminista, mas também que o governo exercido por
um príncipe intelectualmente bem preparado, com seus súditos igualmente
ilustrados, seria a melhor forma de governo.
Montesquieu
rebateu a estes argumentos, esclarecendo que o sistema de governo chinês era
fundado em práticas autoritárias e predatórias. Mais ainda: para ele, a chave
para se entender a estrutura de governo e da sociedade chinesas reside em suas
características geográficas, em particular, em seu clima. Muito mais do que se
deter em explicações deterministas e nos seus efeitos a partir de referências
meteorológicas ou da geografia física na configuração do tipo de governo, o
esforço de Montesquieu é ressaltar que a enorme população chinesa se deve, em
larga escala, ao clima do seu território, que possibilitaria a um rápido
incremento dos contingentes humanos. Mesmo porque foi graças ao clima que as
plantações de arroz conseguiram vicejar fortemente, conseguindo assim alimentar
uma população tão imensa.
No
entanto, é justamente essa dependência em relação a esse cultivo, refém
necessariamente das incertezas climáticas, que se constitui a pedra de toque
que faz a fraqueza da China. A escassez de alimentos é propícia à
criminalidade, ao banditismo e à formação de facções, cujo limite é a
perturbação ou a quebra da ordem social. Nesse sentido, o governo chinês deve
constantemente estar sempre resguardado das quebras de safra, estiagens,
enchentes e outras diversas variações climáticas. A consequência é um poder que
sempre se encontra entre a segurança e a opulência, e a crise e a derrocada.
Vale dizer, a instabilidade é inerente ao sistema político chinês. E pode-se
afirmar perfeitamente que, para Montesquieu, a China não é diferente de
quaisquer outros sistemas despóticos, pois a estratégia de dominação seria a
mesma.
Assim,
não faria diferença um soberano ilustrado, uma população com educação ilustrada
ou uma burocracia eficiente, conforme divulgaram Quesnay, Voltaire e os autores
fisiocratas (MAVERICK, 1947). O despotismo fundamenta sua dominação no medo e
na escravidão política e, nunca, em assegurar que cada cidadão consiga recursos
para a própria sobrevivência. A base filosófica, que estruturou a permanência
do mandarinato chinês no poder, era apenas uma questão de autopreservação.
Muito distante, portanto, das ideias iluministas sobre os preceitos da razão a
comandar a civilização e seu compromisso com o avanço constante. Além disso,
tratava-se de acumulação de poder e soberana institucional num topo, ratificado
por um grupo social, restrito a uma elite, que resguardava o domínio e o
progresso de todos os avanços científicos. Isto, então, conseguiu frear a tão
propagada superioridade tecnológica chinesa, que, em verdade, localizava-se no
período inicial de sua civilização, mas que agora estava estagnado.
No
pólo oposto, os países europeus estavam num melhor momento, porque havia um
investimento massivo no progresso da ciência. Esse eurocentrismo de Montesquieu
fazia o Ocidente superior ao Oriente, e, neste caso, à China, em particular. De
fato, Montesquieu tinha predileção pelo tempo presente em detrimento de uma
história repleta de acontecimentos, reviravoltas e inúmeras incertezas. (ELLIS,
1989)
Noberto
Nobbio é particularmente enfático ao concluir que a China nada possuía de
exemplar, pois:
“O
protótipo dos regimes despóticos é, para Montesquieu, o império chinês.
Enquanto a monarquia e a república são as formas de Governo que fomentaram o
desenvolvimento civil e intelectual europeu, o Despotismo é a forma de Governo
que manteve o continente asiático num estado de constante atraso e fez dos grandes
impérios que lá se sucederam, sociedades sem história”. (BOBBIO, 1991, p.343)
De
fato, o que parece claro é que o interesse de Montesquieu não está propriamente
em desvelar todos os mecanismos que fazem da China um Estado de caráter
despótico ou mesmo qualquer reino do Oriente, mas em elaborar mecanismos de
prevenção e combate a vontade arbitrária dos governantes. Não há interesse em
estudar, de modo crítico, ou desvelar explicitamente uma China, em sentido
positivista, com seus contornos mais exatos. Montesquieu adverte que os
governos orientais, conquanto possuam as suas virtudes ou elementos que possam
ser aproveitados para os reinos europeus – conforme descreveram vários relatos
de viajantes do período –, eles não conseguiam garantir a estabilidade de seu
poder e, portanto, do sistema político. A manutenção do poder se deu não pela
salvaguarda dos direitos dos cidadãos, porém, por formas, ora sofisticadas ora
explícitas (os modos doces e violentos), de ameaça, chantagem e pelo emprego da
força.
Dessa
maneira, o despotismo não é uma exclusividade do Oriente, uma vez que a arbitrariedade
pode existir em qualquer lugar. Então, Montesquieu está interessado, de fato,
em entender o conceito de despotismo, de modo mais extenso, independente de seu
alcance territorial. Os caprichos, as variações de humor e os interesses
aleatórios por parte de qualquer governante são condutas opressivas e mereceram
as fortes críticas da filosofia iluminista, mesmo porque a defesa da liberdade
é condição precípua de todos os regimes de sucesso.
Montesquieu
destacava que a centralidade do poder estatal, seqüestrando os direitos dos
indivíduos e mantendo-os sob o total controle segundo critérios de
arbitrariedade, não era apenas uma particularidade do regime político que
governava a China – embora esta tenha sido o alvo principal de suas críticas
ferrenhas e seu objeto de análise mais detalhada –, mas também um traço forte
da organização comunitária presente em todos os povos asiáticos. O
eurocentrismo de Montesquieu reconhecia que, no continente asiático, essa
servidão dos indivíduos em relação ao poder estatal era parte do caráter
atávico da formação dos Estados naquela parte do mundo. Ou, como disse, mais
uma vez, Norberto Bobbio:
“O
despotismo foi considerado politicamente desde a Antiguidade como a forma de
governo característica dos povos não-europeus, e por isso, para aqueles mesmos
povos, julgados naturalmente servis, perfeitamente legítima, e enquanto
legítima, permanente a ponto de durar ao longo dos séculos sem decisivas
correções.” (BOBBIO, 2000, p.642)
A
Europa teve melhor sorte. Embora tenha experimentado períodos de turbulência e
instabilidade, com revoltas civis, revoluções institucionais e rivalidades
entre facções (BERCÉ, 1987), ela se manteve direcionada, em modo progressivo,
para a construção de um ordenamento jurídico capaz de servir de garantia para o
estabelecimento de direitos individuais inalienáveis. Foi somente dessa forma,
com essa proteção civil, que os povos europeus empreenderam o desenvolvimento
do Estado em franca oposição ao modo de operar das dinastias chinesas.
Aliás,
conforme explica Bobbio (BOBBIO, 1991, p.343), a obra de Montesquieu foi a
primeira a se deter, com vagar e senso metódico, na análise da questão do
despotismo. Antes disso, a tradição filosófica enfatizou basicamente os
problemas referentes à república (as inúmeras formas de aristocracia, em que
vigora a virtude) e à monarquia (o governo de um príncipe, com o empreendimento
da honra e do pundonor). Aqui, o despotismo seria tão somente uma forma
corrupta e degenerada de monarquia, quer dizer, um tipo derivado da tirania. O
governo despótico é definido como “um só, sem leis nem freios, arrasta tudo e
todos atrás dos seus desejos e caprichos” (MONTESQUIEU, 2000, p.65).
No
entanto, em Montesquieu, o despotismo ganha autonomia e uma relevância nunca
antes vista na historiografia política, distinguindo-se como uma lógica própria
de poder. O déspota se vale do império do medo, que cultiva e alastra a
corrupção de modo generalizado pelo conjunto da sociedade, e se apropria do
espaço público para cumprir objetivos particulares. O regime das trocas nas
relações sociais, então, se dá pelos vícios e, nele, todo o sistema se sustenta
e se reproduz. Esse “novo” regime, que Montesquieu agora destaca em relação a
outros regimes mais conhecidos e analisados pelos teorizadores antigos,
institucionaliza a corrupção e os métodos de se contrafazer a virtude. É, de
fato, a normalização da barbárie e da selvageria. Vários teóricos de política
explicavam que se tratava de uma lógica de exceção, pois estaria restrita a
outros povos – os países asiáticos especificamente e, daí, a enorme relevância
da temática chinesa –, porém, Montesquieu e outros filósofos iluministas
advertiam que, em pleno território europeu, já havia uma experiência
semelhante. O reinado do Luís XIV, na França, seria o melhor exemplo. Antes de
ser a matriz da perfeição do Estado, como queriam alguns iluministas (Voltaire
é o grande apoiador desta tese), foi, antes de tudo, a aplicação concreta do
instinto animalesco (a irracionalidade é o mote condutor) e do medo constante
de punição.
Mesmo
porque o despotismo cria um lugar vazio, em que a arbitrariedade do governante
preenche com base em suas inclinações momentâneas. Não há cronologia ou
permanência, uma vez que tudo depende das inconstâncias do tempo e das
urgências do momento presente. Sendo assim, este lugar não tem compromisso com
a tradição, vale dizer, com a memória, com contratos e com compromissos
firmados. Além disso, há o apagamento das fronteiras entre a virtude, com suas
inúmeras derivações (honra, pundonor, coragem, temperança etc.), e os vícios
mais desprezíveis (ira, desfaçatez, cobiça etc.). A relativização da moral e
dos valores está perfeitamente representada na corrupção das instituições, dos
indivíduos e das famílias – da ética (e da etiqueta), da economia (o governo da
casa) e da política. Como não há estabilidade das leis e do sistema jurídico,
tudo depende da força do governante para organizar, estabilizar e manter o
ordenamento comunitário e o regime de intercâmbios sociais.
Em
termos de teoria geral do Estado, o objetivo do Iluminismo é atualizar o
conceito de rei-filósofo que foi proposto por Platão em seu famoso livro sobre
a República. Para as Luzes, no século XVIII, esse déspota esclarecido deveria
contar com o auxílio valioso dos filósofos ou dos homens de letras, que, com a
sua razão, inteligência e conhecimento, libertariam os indivíduos das sombras
da ignorância e da mediocridade, em direção ao progresso e à modernização do
Estado (FORTES, 1991, p.33). Montesquieu desprezava todas as formas de
autoritarismo e buscou combater, de modo ferrenho, o despotismo e as suas
diversas manifestações (STAROBINSKI, 1990). E desvelar as artimanhas do
despotismo na China foi o primeiro passo.
No
limite, não haveria, no pensamento de Montesquieu, qualquer diferença entre o
despotismo europeu e o oriental. Ambos seriam muito semelhantes, isto é, seriam
regimes de força, seqüestro de direitos, aniquilação da liberdade e
escravização política dos indivíduos. E mesmo a distância geográfica entre
Europa e China, seria apenas uma mera ilusão, porque suas construções
históricas mostrariam a mesma face de um poder único – de um só governante –,
em que a vontade e o arbítrio têm força de lei.
Referências
Ricardo
Hiroyuki Shibata é Doutor em História/Teoria Literária (Unicamp) e Pós-Doutor
em História da Cultura e das Mentalidades (UFPR).
BERCÉ,
Yves-Marie. Revolt and Revolution in Early Modern Europe. Manchester:
Manchester University Press, 1987.
BOBBIO,
Norberto. Teoria geral da política. A filosofia e as lições dos clássicos. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2000.
_____.
A teoria das formas de governo na história do pensamento político. Brasília:
Ed.UnB, 1980.
ELLIS,
Harold A.. Montesquieu’s Modern Politics. “The Spirit of the Laws” and the
problem of Modern Monarchy in Old Regime France. History of Political Thought,
v.10, n.4, Winter/1989, pp.665-700.
FORTES,
Luiz R.. O Iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense, 1991.
MAVERICK,
Lewis A.. China. A Model for Europe. San Antonio: Paul Anderson Co., 1946.
MONTESQUIEU.
Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
STAROBINSKI,
J. Montesquieu. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Texto excelente, que vou reler muitas vezes Doutor Ricardo. Tenho a impressão que estamos em uma encruzilhada parecida na atualidade. Podemos dizer que este posicionamento de Montesquieu foi o que por fim prevaleceu ? E quais seriam as razões fundamentais para isso?
ResponderExcluirCara Fernanda Azevedo,
ExcluirSeu questionamento traz à luz uma profunda reflexão acerca da complexidade de se pensar as várias instâncias que compõem a esfera política, em particular, numa época (a nossa época) permeada por clivagens e dissensões de vária ordem. Algumas delas, com enormes antagonismos, embate de narrativas e radicalismos ideológicos.
Não podemos nos equivocar: o século XVIII vivia situação semelhante - guardadas as devidas proporções e especificidade de contextos.
De fato, conforme você muito bem salientou, os argumentos de Montesquieu, de certa forma, prevaleceram, mesmo porque basta pensar na divisão tripartite do Estado em três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) a partir de um "império das leis".
E mais ainda: esse projeto acabou prevalecendo, pois o "viés senhorial", proposto por ele, era, sem dúvida alguma, uma resposta satisfatória para a permanência de certa tradição favorável aos grupos dominantes. E foi justamente dessa forma que essa solução foi incorporada pelas elites sociais. A independência de inúmeras colônias do Novo Mundo, que depois se transformaram em repúblicas, seria um referente importante para se estabelecer, mais propriamente, essa permanência. De qualquer forma, o que desejava era distanciar-se de uma pretensa democracia (o que se seria jacobinismo) e do despotismo esclarecido (esse exemplo pérfido e corrupto de sistema político que se encontrava no Oriente).
Muito grato pela pergunta.
Ricardo Shibata
Primeiramente gostaria de parabenizar o autor pelo excelente texto e pela reflexão em torno do orientalismo e da noção de despotismo em Montesquieu. Em meu texto eu trabalho com a noção dos "letrados chineses" para Max Weber que constituiriam uma forma de burocracia religiosa do Estado chinês. Entendo como formas que o ocidental buscou para explicar sua própria visão de mundo. Como o professor entende tais visões, principalmente na seara política?
ResponderExcluiratt, Rafael Egidio Leal e Silva
Prezado Rafael Silva,
ResponderExcluirUma das bases fundamentais do "despotismo esclarecido" era estrategicamente a composição de uma elite letrada, de caráter iluminista, que viria "suavizar", "amenizar" ou "temperar" a violência institucional, sobretudo quanto ao sequestro de direitos, inerente ao sistema despótico.
Voltaire era partidário desse argumento e destacava justamente o exemplo chinês de constituição e configuração do poder como uma prática de sucesso. Nesse sentido, Voltaire operacionalizou o Oriente em função de uma visão específica de mundo - aquela em que as fronteiras do público e do privado, da arbitrariedade e da cidadania, são apagadas. E esse apagamento, por sua vez, é naturalizado em função de um poder soberano e seu voluntarismo.
É interessante perceber que o aspecto "religioso" e mesmo hierático dessa classe burocrática e estatal não está presente no pensamento de Voltaire. Aliás, seu caráter é marcadamente secular. Porém, o poder despótico anda mantém sua forte metafísica, incluindo a teoria dos dois corpos do rei, ou seja, o cargo de rei é emanação necessária e legítima do poder de Deus sobre o âmbito terreno.
Para Montesquieu, é impossível reformar o despotismo; muito menos, pela constituição de uma classe burocrática, letrada e imersa na Ilustração.
Grato pelos elogios ao meu texto e pela pergunta,
Ricardo Shibata