Em
1571, um evento destacou-se no decorrer das crises otomana/cristã do século
XVI, como a Batalha de Lepanto, na Grécia, ainda que sua denotação como triunfo
cristão seja excessivamente superestimada na erudição moderna [DIMMOCK, 2005],
pois os turco-otomanos passaram por portentosa expansão militar ao longo do
século XV: invadiram a Pérsia, a Síria, o Egito, Trípoli, Tunísia e Argel;
conquistaram Constantinopla em 1453; subjugaram parte da Hungria em 1526 e
dirigiram-se novamente às portas de Viena. As frotas turcas causaram inúmeros
prejuízos às potências europeias no Mediterrâneo até a solenizada vitória da
coalizão católica conhecida como Liga Santa, nas margens de Lepanto. Até meados
do século XVI, o sultão otomano Solimão I, o Magnífico, governara cerca de
quinze milhões de pessoas em três continentes [KAUFMANN, 2018].
O
corsário e rei de Argel, Khayr ad-Din, mais conhecido por Barbarossa
(1483-1546), protagonizou a expansão dos seus domínios, do comércio de
escravizados, do combate contra os espanhóis e impôs-se contra outros piratas
com a ajuda de renegados europeus que atuaram nas embarcações capitaneadas por
turcos [BRADFORD, 2013]. Deste modo, Barbarossa comandou uma frota de corsários
otomanos em nome de Solimão I, açoitando a costa mediterrânica ocidental,
impondo grandes baixas na frota papal e do mercenário, Andrea Doria
(1466-1560). Entre os anos de 1541-1544, Barbarossa avançou nos domínios
costeiros italianos da Espanha em pacto sigiloso com os franceses. Trinta anos
depois, sua frota foi destruída no Golfo de Lepanto [NOLAN, 2006]. Desta forma,
o historiador Ernle Bradford descreve a importância das galés e a diferença
entre os remadores turcos e cristãos:
“[...]
na famosa batalha de Preveza, em 1538, muitas das galés turcas vitoriosas sob o
comando do irmão Barbarossa caçula foram parcialmente tripuladas por homens
livres turcos. Esses voluntários, geralmente janízaros de origem, eram
considerados mais eficientes (e, naturalmente, muito mais confiáveis) do que os
escravos, que provavelmente se rebelariam na primeira oportunidade. Outra
grande vantagem em empregar seu próprio povo nos remos era o fato de que,
quando a batalha começava, os próprios remadores se tornavam parte da força de
combate. Nas grandes galés cristãs, por outro lado, os remadores hesitavam –
sua lealdade era duvidosa – bem no momento em que o combate realmente começava”
[BRADFORD, 2013, p. 42].
O
préstimo militar da galé mediterrânea desenvolvida por gregos e romanos,
adaptada pelos bizantinos e venezianos até seu ápice no século XVI, foi o
produto de duzentos anos de engenho, trabalho, guerra e navegação. Nomeada num
tratado imputado ao imperador bizantino, Leão VI (866-912), para distinguir
seus navios de guerra com um assento de remos único, estas embarcações, além de
despertarem admiração e deslumbre no olhar, repugnavam o olfato exalando a
baixeza moral. Na labuta miserável nos porões das galés, os homens eram
acorrentados nus em grupos de quatro a seis em bancos com cerca de um metro de
largura, “obrigados a urinar e a defecar nos próprios assentos em que
trabalhavam” [BRADFORD, 2013, p. 19]. Durante a serenidade das marés, os homens
podiam revezar o trabalho nos remos, metade dos vacantes era autorizada a
dormir ou se ocupar de artesanatos sobre os bancos, pequenas esculturas em
madeira, ossos, desenhos ou nós em cordas até a troca de turno. Podiam
comerciar seus objetos nos portos em troca de pequenos luxos ou pagar por
serviços sexuais. Quando a força motriz era exigida, o responsável pelos
galeotes recebia as ordens diretas do capitão para golpear as águas
conjuntamente e transmitia sinais apitando para dois suboficiais, um no centro
e outro na proa da embarcação munidos com chicotes. Os agrilhoados podiam remar
entre dez a vinte horas sem descanso, nessas circunstâncias, um oficial enfiava
pedaços de pão embebidos em vinho na boca dos remeiros para impedir que
esmorecessem. Nas batalhas, os remadores cristãos bradavam e batiam as suas
correntes para amedrontar os inimigos, costume também adotado pelos muçulmanos
que dos seus remos bramiam: “Allahu Akbar!” [BRADFORD, 2013, p. 117]. Atuaram
no mar Mediterrâneo aproximadamente quinhentas galés de guerra, na considerada
última grande batalha de galés da história. A esquadra cristã era formada pela
Liga Santa Católica Italiana, contando com o apoio da República de Veneza; da
Espanha (com os reinos da Sardenha, Nápoles e Sicília); dos Estados
Pontifícios; de Gênova; do Grão-Ducado da Toscana; de Saboia; do Ducado de
Urbino e da Ordem dos Cavaleiros de Malta dentre outras potências menores
[NOLAN, 2006]. O acirrado conflito entre Ocidente e o Oriente durante o século
XVI, transformou o escravagismo dos porões fétidos das galés em um “estatuto
social” composto por escravos, criminosos condenados e endividados:
“A
maioria desses homens que colocavam em movimento a galé papal em seu percurso
pela costa eram muçulmanos – tanto cativos turcos e árabes quanto mouros da
costa do norte da África. Os bancos de remadores também eram reforçados por
criminosos condenados e por uma terceira classe de escravos de galé, os
“voluntários”. Estes eram homens que haviam se endividado e, para escapar da
imensa punição infligida aos devedores, preferiam se tornar remadores [...]”
[BRADFORD, 2013, p. 20].
Estes
indivíduos eram originalmente incorporados às fileiras soldadescas árabes, por
conseguinte os soldados negros passaram a ser objeto de desejo dos príncipes
europeus [M’BOKOLO, 2009, p. 252], pois semelhantemente aos marroquinos,
montariam “um corpo militar integrado por soldados negros”, causando “pavor
junto das populações, apenas com a sua presença”, admitindo “jovens soldados
instruídos na obediência religiosa e submissão incondicional ao grande senhor,
num processo comparado ao que conheceram as tropas de janízaros otomanos, a
partir do século XVI” [ALBERTO, 2010, p. 124]. Na outra frente encontravam-se as
galés otomanas do sultão Selim II e as galeotas dos corsários berberes. A frota
muçulmana estava sob o comando do almirante Ali Paxá, com aproximadamente
duzentas e trinta galés e setenta galeotas da Barbária, transportando noventa
mil homens, milhares de arcabuzeiros e seis mil janízaros do sultão. Os dois
exércitos empenhavam-se em reunir recursos para a guerra territorial e
comercial em nome da jactância dos seus governantes. Ambos disputaram a
preferência da divina providência em uma retórica de guerra santa [NOLAN,
2006].
O
impacto dos combates marítimos como a Batalha de Lepanto (1571) e a Conquista
de Túnis (1574) ocorreu, em geral, no âmbito publicitário do que no ramo das
forças armadas, convertendo o Mar Mediterrâneo num espaço desprovido de poder:
um mar diminuto, problemático diplomaticamente, comercialmente e militarmente,
pois estava entregue às atividades piráticas. As batalhas imperiais
reduziram-se em escaramuças contínuas entre esquadras piratas e frotas
imperiais que se deslocavam em direção às águas atlânticas e ao Mar Vermelho.
Logo, os atritos entre os governos concretizaram a atividade corsária,
politizando e agravando o retorno do ancestral estratagema mediterrânico da
piratagem [ALBERTO, 2010]. O fenômeno da pirataria Moderna não foi exclusivo de
algum Estado europeu. O historiador Fernand Braudel observou o antagonismo
entre o cristianismo e o islamismo como um modelo secundário de batalha. Porém,
as motivações religiosas eram encobertas, pois as justificações para a
pirataria eram em parte econômicas. Logo, no Mediterrâneo, a pirataria não era
exclusivamente uma prática islâmica, pois alguns notórios piratas provinham da
Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de
Malta [FUCHS, 2000]. Braudel ponderou sobre o corso estar pouco ligado com o
sentimento pátrio ou crença, exprimindo um meio de sobrevivência. Nessas
circunstâncias, o enfraquecimento da monarquia originava em corsários
ultrapassando a fronteira entre a predação regulamentada e a infração à lei
[ANDERSON, 2001].
O
cronista cordobês, Ambrosio de Morales (1513-1591), publicou um acrítico
compêndio sobre os antepassados romanos espanhóis em 1575, rejeitando a
história do Al-Andalus, focando-se apenas na Reconquista e na sua versão sobre
Lepanto, enfatizando o triunfo da Liga Santa sobre o islã [KAGAN; PARKER,
2002]. No entanto a sociedade islamita, julgada como pouco interessada no mundo
não islâmico, interessou-se pelo poderio expansionista ibérico. Por volta de
1580, o sultão Murad III, revelou seus desejos nos territórios do atlântico:
“esperemos que algum dia essas valiosas terras sejam conquistadas pelo Islã,
habitadas por muçulmanos e se tornem parte das terras otomanas” [ELLIOTT, 2000,
p. 88]. Em meados do século XVI, a aposta nos subterfúgios ultramarinos
despontava em rendimentos lucrativos, mesmo que despendesse quantias nos
embates contra o Islã. Por isso, o poder do Império Otomano acabou afetado
quando mediu forças com uma empresa espanhola fortalecida por recentes triunfos
sobre os povos indianos e ameríndios com numerosas minas de prata fluindo sob
sua posse [ELLIOTT, 2000]. O júbilo da cristandade sobre o islã em Lepanto
ocorreu acompanhado do nascimento do descendente do monarca de Habsburgo, em
1571 [KAGAN; PARKER, 2002]. O poeta afro-espanhol, Juan Latino (1517-1594),
publicou o poema: De natali serenissimi
(1572) exaltando o desempenho espanhol em Lepanto, enaltecendo a governança do
rei em seus territórios e o nascimento do príncipe Fernando. Assim, a vitória
em Lepanto precederia uma campanha para recuperar o santo sepulcro e
Constantinopla do controle otomano: “como
líder nato se alza contra sus enemigos, el hermano acometerá grandes batallas
por ti. Y vuestro Fernando, nuestra esperanza y gloria de siglos, aprenderá a
gobernar y a amar al propio Marte” [WRIGHT, 2019,
p. 4].
Contudo,
a capacidade do soberano espanhol em guerrear dependia de seu crédito com os
financistas europeus. Os seus recursos oriundos dos tributos eclesiásticos, dos
impostos castelhanos e das minas de prata da América tornavam-se parcos em
comparação aos compromissos e dívidas acumuladas com os banqueiros de Gênova.
Decerto estes, e não a casa de Habsburgo, governavam os destinos da Europa
[SUGDEN, 2006]. De acordo com Ruggiero Romano as transações monetárias das
empresas europeias eram regidas pela influência italiana, pois impunham as suas
técnicas comerciais e práticas bancárias [ROMANO, 2015].
Examinemos
a atividade corsária: podemos categorizá-la como comércio de guerra ou comércio
de crise, possibilitando-nos insinuar uma conexão entre o crescimento do corso
e os períodos de um retrocesso econômico de um governo. Pesquisadores do
período final medievo não encontraram uma resposta sobre as ligações entre o
corso e a economia. Porém, essas dependências podem estabelecer vínculos entre
o corso e a recessão econômica quando analisamos a Batalha de Lepanto como um
fenômeno de uma economia em crise, dialogando com a concepção braudeliana
acerca de um comércio parasitário. No entanto, o historiador Michel Fontenay
qualificou o ato corsário como um recurso final, contextualmente estabelecido
na decadência das rotas comerciais mediterrânicas e acendimento ultramarino
atlântico [NADAL, 2001]. Ao longo do século XVII a Europa julgou os Estados da
Barbária como sociedades piratas fundadas nas periferias do Império Otomano. O
político inglês, Charles Davenant (1656-1714), difamou as colônias inglesas,
comparando-as à Argel, alcunha para designar as sociedades piratas [HANNA,
2015]. Fernand Braudel examinou as consequências pós-guerra em Lepanto que
enfraqueceram a efetividade naval otomana no Mediterrâneo, proporcionando a
independência dos Estados barbarescos em relação à Constantinopla, a progressão
da pirataria nas fronteiras e a adesão popular nas fileiras do banditismo:
“[...]
em toda a extensão do Império Otomano, minúsculos Estados móveis de bandoleiros
– e esta é a sua força – são capazes, silenciosamente, de passar dos Pirinéus
catalães para Granada, ou de Granada para a Catalunha, ou de vaguear como
nómades pelos Alpes, perto de Verona, até a Calábria, da Albânia ao mar Negro:
estes grupos insignificantes mortificam e provocam os Estados constituídos e
desgastam-nos. Parecem resistentes das actuais guerras populares. O povo está
invariavelmente do seu lado” [BRAUDEL, 1984, p. 107].
Por
fim, o vácuo de poder ocasionado pelo conflito lepantino jamais foi
reconquistado entre as frotas cristãs e otomanas com a mesma veemência, assim
as rotas marítimas estenderam-se para irromper o conflito de fundamentação
individual e mercenária: a guerra corsária [SENIOR, 1972]. Muitos europeus
associaram-se aos muçulmanos e “tornaram-se turcos”, visando o pagamento de
dívidas e sobrevivência às rigorosas leis. Considerados “de pouca serventia
para a igreja cristã”, os indivíduos admitidos desfrutavam “dos benefícios que
isso poderia trazer num lugar como Argel, que rapidamente ia se tornando tão
rica, próspera e civilizada como qualquer cidade na Europa” [BRADFORD, 2013, p.
107-108]. Desde modo, a tênue autoridade do sultão entrou em conflito com o
apoio aberto à pirataria nas margens de sua soberania [HANNA, 2015], pois as
ilhas mediterrânicas em seus domínios tinham se tornado “vespeiros de piratas”
[BRADFORD, 2013, p. 30].
REFERÊNCIAS
Nelson
Rocha Neto é graduado em História pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e
mestrando em História pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA). E-mail: nelsonrochaneto@gmail.com
ALBERTO,
Edite Maria da Conceição Martins. Um negócio piedoso: o resgate de cativos em
Portugal na Época Moderna. Tese de doutoramento em História Moderna. Braga:
Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2010.
ANDERSON, John L. Piracy and World History: An
Economic Perspective on Maritime Predation. In: PENNELL, C. R. (org.). Bandits
at Sea: A Pirates Reader. New York: New York University, 2001. p. 82-106.
BRADFORD, Ernle Dusgate Selby. Barbarossa, o
almirante do Sultão: pirata e construtor de um Império. São Paulo: Grua, 2013.
BRAUDEL,
Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico. v. 2. Lisboa: Martins Fontes,
1984.
DIMMOCK,
Matthew. New Turkes: Dramatizing islam and the Ottomans in
Early Modern England. London: University of Sussex, 2005.
ELLIOTT, John Huxtable. Europe Divided, 1559-1598.
Oxford: Blackwell Publishing, 2000.
FUCHS, Barbara. Faithless Empires: Pirates,
Renegadoes, and the English Nation. ELH, V. 67, n. 1, 2000. p. 45-69.
HANNA, Mark G. Pirate Nests and the Rise of the
British Empire, 1570–1740. Chapel Hill: University of North Carolina Press,
2015.
KAGAN, Richard L.; PARKER, Geoffrey (orgs.). Spain,
Europe and the Atlantic world. Essays in honour of John H. Elliott. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002.
KAUFMANN, Miranda. Black Tudors: The Untold Story.
London: Oneworld Publications, 2018.
M’BOKOLO, Elikya. África negra: história e civilizações – Tomo
I (até o século XVIII). Salvador: EDUFBA,
2009.
NADAL, Gonçal López. Corsairing as a Commercial
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NOLAN, Cathal J. The age of wars of religion,
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Press, 2006.
ROMANO,
Ruggiero. Os mecanismos da conquista colonial: os conquistadores. São Paulo: Perspectiva, 2015.
SENIOR, Clive Malcolm. An investigation of the
activities and importance of English pirates, 1603-40. A thesis presented for
the degree of Doctor of Philosophy at the University of Bristol, 1972.
SUGDEN, John. Sir Francis Drake. London: Pimlico,
2006.
WRIGHT, Elizabeth R. Juan Latino. Del advenimiento de
una era de paz (De natali serenissimi). Disponível em:
https://openiberiaamerica.hcommons.org. Acesso em: 1 dez. 2021.
Olá!
ResponderExcluirTexto e reflexões bem interessantes.
É impossível dissociar a conquista do Mediterrâneo pelas forças turcas da imagem e atuação de Barbarossa, o pirata-almirante.
Entretanto, Khayr ad-Din é ainda pouco conhecido no Ocidente. Por que será?
Grato pela atenção.
Saudações!
Willian Spengler
Saudações William, obrigado pela participação.
ExcluirDe acordo com o historiador indiano, Nayan Chanda, os deslocamentos africanos, asiáticos e no médio oriente tornaram possível a socialização dos povos: desenvolveram tecnologias, adaptaram conhecimentos que favoreceram as navegações e expandiram o imaginário religioso. Assim, os relatos desenvolvidos por indivíduos oriundos de sociedades distintas, cooperaram para o conhecimento comum das terras do ultramar. Portanto, as ciências náuticas árabes e chinesas rivalizaram com as europeias, além da consolidação do poderio bélico e territorial. Logo, as migrações destes povos difundiram pela Europa a imprensa, os instrumentos de navegação, a medicina, o comércio, a agricultura, as letras e etc., relações que se intensificaram ao longo das Cruzadas. Em vista disso, a ideia de globalização eurocêntrica debatida na contemporaneidade, muitas vezes de forma anacrônica, ignora estes fatores antecedentes, produzindo o apagamento da memória de um povo que reflete em discursos vazios de teoria, simplificados e racistas.
Assim, a Europa não pode ser considerada o bastião portador do conhecimento universal que reorganizou o mundo ao seu óculo. Logo, a falta de divulgação sobre a perspectiva turco-otomana dos fatos situa-se restrita ao constructo ocidental sócio-cultural sobre os muçulmanos e, neste caso, dos irmãos Barbarossa (dentre os mais notórios, Aruj e Khayr) que nos chegaram por relatos ocidentais. Porém, encontramos citações sobre os seus feitos em documentos relacionados ao sultão Solimão I e na autobiografia redigida, provavelmente, pelo poeta Seyyid Murad, intitulada: Gazavat-ı Hayreddin Paşa (Memórias de Cheireddín Pashá, sem tradução). Também, os piratas legaram-nos poucos documentos, pois devido a sua ilegalidade, muitas provas foram destruídas. Da mesma forma, a nomenclatura pirata, no início da Idade Moderna, era ambígua e imprecisa.
Nelson Rocha Neto
Bom dia,
ResponderExcluirTenho duas perguntas em relação ao texto. A primeira é, como a Batalha de Lepanto, tão exaltada na historiografia europeia em geral, é vista pelos historiadores turcos atuais e nos registros otomanos?
A segunda é, a atuação desses piratas não tinha o potencial de ser um empecilho diplomático para os otomanos, já que esses grupos atuavam em regiões em que a autoridade de Constantinopla era fraca, e por isso eram difíceis de controlar? Ou a pirataria era uma prática tão comum que seus efeitos não eram relevantes para as decisões dos soberanos e diplomatas?
Grato pelo seu trabalho,
Vinícius Andrade de Araújo.
Saúde Vinícius, grato pelo questionamento.
Excluir1. Desculpe, não tenho como responder esta questão, os textos consultados para este breve ensaio não discorriam sobre a visão turco-otomana. Para uma compreensão mais aprofundada sobre o assunto, indico o livro de Peter Lamborn Wilson - Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados.
2. De acordo com a historiadora Barbara Fuchs, a imagem do renegado europeu desfazia a representação patriótica do heroico corsário. Logo, relacionar a pirataria aos propósitos estatais era intolerável, a não ser que o próprio Estado se convertesse à rapinância. Segundo os historiadores Ernle Bradford e Clive Malcolm Senior, a conversão de um cristão ao islamismo possibilitaria uma forma de ascensão social. As diferenças reconhecidas entre os próprios piratas alimentaram sentimentos hostis entre duas facções: os renegados do Mediterrâneo eram julgados os mais admiráveis e de má índole, pois desprezavam suas origens, sua religião e, caso não “virassem turcos”, aumentavam o infortúnio dos escravizados cristãos. Em contrapartida, os crimes dos piratas do Atlântico eram absolvidos, visto que a maioria espoliava exclusivamente embarcações estrangeiras. O padrão de vida dos piratas da Barbária diferenciava-se dos costumes do pirata ou corsário ocidental. Por exemplo, os irmãos Barbarossa saqueavam as rotas inimigas de sua crença e do seu sultão. Diferentemente dos saqueadores europeus do Caribe, que roubavam para sustento próprio, as ações dos piratas berberes pretendiam servir-se do mar para o estabelecimento em terra. Na cidade de Túnis a classe dominante era composta pelos janízaros turcos, sendo intoleráveis os árabes, os berberes, os mouros, os judeus ou negros fazerem parte da elite, porém, os renegados cristãos não foram impedidos. No início do século XVII, um renegado desfrutava da oportunidade de mobilidade social, almejando o cargo de “Reis” (capitão corsário) sendo examinado por um conselho de capitães e passando a fazer parte da elite turca.
Nelson Rocha Neto
Olá Nelson. Texto interessante sobre uma temática muito importante e pouco estudada no Brasil. Tenho duas perguntas. A primeira, em termos de tecnologia náutica e bélica, havia diferenças significativas entre as galés otomannas e as europeias da Santa Aliança? O fator deciso para o desfecho da batalha foi mais por questões táticas do que tecnológicas? A segunda questão é a seguinte, a marujada das naus europeias das Grandes navegações provinha dos mesmos estratos sociais que os remadores livres das galés, ou esses últimos provinham de estratos sociais ainda inferiores? Obrigado!
ResponderExcluir