FASCISMO JAPONÊS: DISPUTAS EM TORNO DE UM CONCEITO por Ricardo Sorgon Pires

 

Introdução

Um dos temas mais debatidos e controversos na historiografia universal desde a década de 1920 é a respeito do fascismo em suas múltiplas e possíveis definições. Com o tempo, novas pesquisas tanto na área de história como na das ciências sociais passaram a considerar o fascismo a partir de diferentes enfoques, como regime, ideologia, visão de mundo, cultura, movimento político ou social, dentre outros.

 

Outras variáveis são inseridas de acordo com a perspectiva teórica, política e mesmo ideológica dos pesquisadores dedicados a esse tema. Assim, uma grande dificuldade, que para alguns autores chega a ser intransponível, é definir, ainda que de maneira ampla, o que é o fascismo e quais são seus elementos mínimos a partir dos quais é possível fazer comparações da experiência pioneira italiana, quando da ascensão de Mussolini nesse país em 1922, com a de outras nações das décadas de 1920 a 1940.

 

Apesar de alguns teóricos defenderem que o termo fascismo só deve ser aplicado ao caso italiano, esse artigo parte da premissa de que esse conceito pode ser utilizado para pensar diversas experiências políticas e sociais levadas a cabo por alguns países durante a vigência do chamado fascismo histórico (1921-1945), uma vez que durante esse período fatores como crise econômica, desemprego, xenofobia, racismo, guerra, extremismo político, expansionismo e militarismo, se fizeram presentes em diversos países no mundo.

 

Mesmo com uma incomensurável bibliografia a respeito do fascismo, produzida em diversos países desde a década de 1920, grande parte dela ainda é pouco conhecida pela academia brasileira dedicada ao assunto, chegando mesmo a haver um quase completo silêncio quanto à situação política e social do Império do Japão na década de 1930 até 1945. Evidentemente, a experiência desse país é de grande importância haja vista o protagonismo do Japão no cenário internacional, culminando com sua entrada e posterior derrota ao lado do Eixo na Segunda Guerra Mundial.

 

O contexto da Guerra Fria teve uma clara influência nos estudos sobre o fascismo como um todo, como aponta Francisco Teixeira (2000, p. 114-122). No caso do Japão, as discussões acerca da natureza do seu regime político foram fortemente influenciadas pelo governo dos EUA que não tinha interesse em considerar como ex-fascista um atual aliado seu contra a URSS. Ao contrário, interessava mais enquadrar o Japão como uma democracia interrompida pelo militarismo e que agora ressurgia (assim como sua economia) após seu alinhamento com os EUA (WILLESNKY, 2009, p.76).

 

Considerando que a bibliografia a respeito da possibilidade de denominar o Japão no período como fascista ou não fascista é imensa, remontando ao início da década de 1930, esse artigo não pretende defender uma posição a respeito tão pouco esgotar a discussão. Espera-se apresentar o debate e algumas das interpretações, tanto as que afirmam que o Japão se tornou um Estado fascista, quanto as que afirmam o contrário. A intenção, portanto, é demonstrar alguns dos principais argumentos dessas diferentes perspectivas, procurando enfatizar a quantidade e a diversidade de abordagens possíveis. Nesse sentido, esse artigo não irá se dedicar a uma tentativa de definição, ainda que mínima e provisória, de fascismo, trabalhando, ao invés, com as definições propostas pelas duas matrizes interpretativas aqui elencadas.

 

Japão de 1930-1945: Autoritário, militarista e conservador

De maneira geral, é possível afirmar que a maioria dos estudiosos europeus e norte-americanos rejeita a nomenclatura de fascista ao referirem-se ao regime político japonês da década de 1930 e 1940, ou então, para evitar complicações conceituais, se utilizam de termos compostos como fascismo militar, sistema fascista imperial, dentre outros. Até a década de 1980 esse posicionamento, no Ocidente, era completamente dominante, sendo desafiada na década de 1990 e principalmente na de 2000.

 

Os autores Kasza (1984), G. R. Griffin (1993), S. Payne (1995) e R. Paxton (2004) são alguns dos quais não comungam com a perspectiva fascista. Os três últimos são autores de obras maiores que buscam elaborar uma teoria para o fascismo como um todo (como ideia, movimento, regime) e reservam um espaço para a discussão do caso japonês. Já Gregory Kasza, que segundo o próprio Payne é o analista ocidental mais perspicaz sobre a temática do autoritarismo japonês, é uma das principais referências para os críticos do conceito de fascismo japonês.

 

O ponto de contato entre quase todos os analistas que recusam do conceito de fascismo japonês, se concentra na assertiva de que o Japão dos anos 1930 e 1940 não experienciou a ascensão de um movimento fascista ao poder organizado em um partido único, não teve um líder carismático e onipotente e não organizou movimentos de massa em torno de grupos fascistas. Ainda que todos concordem que houve certas analogias com o modelo fascista e principalmente nazista (militarismo, expansionismo, intensa propaganda, censura e opressão estatal) as diferenças foram decisivas.

 

Os quatro autores concordam com o fato de que o movimento japonês geralmente enquadrado como fascista, o Tôhôkai (Sociedade do Leste), fundado por Nakano Seigo em 1936, não teve grande espaço na arena política contando com poucos membros, ínfimo apoio popular e tendo sido dissolvido em 1943 após a prisão e morte de Seigo.

 

Outro ponto em comum é a noção de que o regime imperial japonês foi menos radical e revolucionário que a Alemanha nazista ou a Itália fascista. O sistema parlamentar japonês nunca foi totalmente destruído, não houve uma variante japonesa para a SS ou para os campos de extermínio (PAYNE, 1995, p.336) e nenhuma tentativa de modificar radicalmente as estruturas políticas e econômicas, (KASZA, 1984, p. 614-615). Esse menor radicalismo é explicado por Paxton pelo fato de o Japão, em comparação com Itália e Alemanha, ter enfrentado menos problemas críticos. Não sofreu derrotas militares internacionais, não passou pela intensa mobilização e ação de movimentos revolucionários de esquerda e nem o risco de desintegração territorial (PAXTON, 2004, p.200).

 

Paxton defende que a questão do fascismo japonês pode ser pensada em dois momentos: fascismo de baixo (from below) e de cima (from above). Sendo que o fascismo “de baixo” chega ao fim em 1932, após uma série de assassinatos políticos e das tentativas frustradas de golpes de Estado por parte de jovens oficiais ultranacionalistas com apoio de alguns grupos civis. É curioso destacar que a nomenclatura fascismo de baixo (from below) e de cima (from above), utilizada por Paxton, foi proposta décadas antes por Maruyama Massao, um dos grandes arquitetos e defensores do conceito de fascismo japonês.

 

A questão central, para Paxton, é que governo japonês preferiu escolher no “menu” fascista apenas o que lhe interessava, como as medidas de organização econômica corporativa, e descartou o que não convinha, promovendo uma “revolução seletiva” e, portanto, o fascismo “de cima” não chegou a se concretizar plenamente. Apesar das analogias e do fato de o regime imperial utilizar também técnicas de mobilização de massa, Paxton conclui que ‘The Japanese empire of the period 1932-1945 is better understood as an expansionist military dictatorship with a high degree of state-sponsored mobilization than as fascist regime’ (PAXTON, 2004, p. 199-200).

 

Se Paxton destaca o contexto e a conjuntura mais recente como o motivo central para a fragilidade do fascismo no Japão, Griffin (1993) recorre a um passado mais distante alegando que as especificidades econômicas, sociais e culturais do Japão construídas a partir da Restauração Meiji (1867), impediu que germinassem as condições básicas para a emergência do fascismo. A formação de uma estrutura social baseada na sujeição do indivíduo à família, à comunidade, à nação e ao imperador, reforçada por preceitos budistas, confucionistas e principalmente xintoístas (que defendia as origens divinas do imperador), além do militarismo e do código de conduta e valores samurais, o bushidô (caminho do guerreiro), impediu que a ideologia e o movimento fascista se disseminassem e conseguissem apoio significativo da população (GRIFFIN, 1993, p. 153-154).

 

Um dos grandes analistas sobre o fascismo, Stanley Payne (1995), endossa e complementa os argumentos de Paxton e Griffin (conjuntura e passado histórico) ao afirmar que o autoritarismo japonês foi fruto de uma complexa aliança entre a burocracia estatal, os líderes econômicos conservadores e os militares “pretorianos” (PAYNE, 1995, p. 335). Nesse sentido, a grande maioria da direita radical japonesa era por demais elitista, assemelhando-se mais aos liberais europeus do início do século XIX do que à direita alemã e italiana dos anos 1930. Em parte, isso se deu porque a política de massas existia timidamente no Japão, as organizações de trabalhadores eram fracas, a cultura tradicional autoritária permanecia forte e a ação policial se fazia muito presente (PAYNE, 1995, p. 333).

 

Apesar do fascínio e da inspiração que a Alemanha nazista teve para os burocratas e ideólogos japoneses na formulação de políticas e instituições que objetivavam conseguir um alto grau de controle e mobilização popular e a neutralização da maioria das entidades individuais (sucesso que chegou a ser maior que o da Alemanha), as diferenças com os modelos fascistas ainda são mais evidentes, uma vez que o autoritarismo japonês não incorporou os aspectos mais revolucionários do fascismo (PAYNE, 1995, p. 335-336). Desse modo, o Japão estaria mais próximo da Alemanha do Segundo que a do Terceiro Reich.

 

Assim, o Japão não pode ser considerado fascista por ter sido menos industrializado, não ter desenvolvido plenamente uma democracia de massas e ter permanecido com instituições elitistas, mesmo levando-se em conta os assassinatos, a histeria ultranacionalista, a pressão dos radicais e o grande crescimento do poder estatal nos anos 1930.

 

Gregory Kasza em seu artigo sobre a direita japonesa nos anos 1931-1936 procura demonstrar uma tipologia onde, a partir de outro trabalho de Payne, afirma que os grupos da direita predominantes no Japão não eram os fascistas, mas sim os denominados como direita radical e autoritarismo conservador. Tais grupos estavam longe do fascismo por serem moderados em termos de reformas políticas e econômicas e defenderem princípios monárquicos (todos os grupos reverenciavam o imperador) e, por vezes, religiosos. O crescimento da direita no pós 1932 se deu devido à guerra com a China e não por crises internas. Kasza afirma que a direita que se tornou majoritária (a autoritária conservadora) não usava diretamente a violência política e propunha manipulação da população pela elite ao invés da mobilização de massa.

 

O modelo autoritário conservador japonês estaria, desse modo, mais próximo da realidade política de alguns países da Europa Oriental, onde o fascismo também foi uma minoria, a política de massa não era tão bem desenvolvida e o padrão autoritário conservador (moderado, mais ou menos religioso, elitista, militarizado) foi dominante. Contudo, Kasza afirma a necessidade de se pensar em uma nova tipologia menos restrita, eurocêntrica e, portanto, mais apropriada para o caso japonês (KASZA, 1986, p. 624-625).

 

Por fim, o autor sugere o conceito de autoritarismo conservador renovacionista, que seria caracterizado por um programa de reformas que buscaria mudanças, porém ao mesmo tempo, a conservação da ordem social tradicional, eliminando os excessos revolucionários (como os fascistas) e promovendo organizações de massa a partir da burocracia como medida contrarrevolucionária. Tal conceito não serviria apenas para a realidade japonesa, mas também para a Polônia, Hungria, Portugal e Romênia do período (KASZA, 1986, p. 626).

 

Japão de 1936-1945: A ascensão de um Estado fascista

Nessa segunda parte será discutido o trabalho do polêmico intelectual japonês Masao Maruyama (1969 [1947, 1952]) e, mais recentemente, o artigo de Marcus Willensky (2005), ambos defendem a validade do conceito de fascismo japonês. Pelas datas de publicações é possível perceber que recentemente houve uma retomada dessa questão, provocando ricos debates, que certamente ainda prosseguem.

 

Masao Maruyama foi um grande pensador e cientista politico japonês da segunda metade do século XX. Seus pressupostos acerca do fascismo japonês, expostos em uma série de artigos, alguns iniciados ainda durante a Segunda Guerra Mundial, mas em especial em The Ideology and Dynamics of Japanese Fascism (1948) tiveram grande repercussão sendo, por décadas, a única perspectiva analítica não marxista, no Japão, sobre o fascismo japonês.

 

Procurando compreender as raízes intelectuais e políticas para o surgimento do fascismo no Japão. Maruyama Masao retorna ao período Tokugawa  (1603-1867) onde teriam surgido, no final do período, formas de pensamento modernizantes e racionalistas, ao mesmo tempo em que emergiam teorias irracionalistas ligadas à divindade do imperador, às conexões espirituais do Japão com as divindades do shintô e a aversão aos estrangeiros. Essa vertente ultranacionalista permaneceu forte e enraizada em setores do aparato estatal japonês com a modernização acelerada e patrocinada pelo Estado desde o Período Meiji (1868-1912). Uma vez que não houve uma revolução liberal burguesa, essas ideologias ultranacionalistas somadas a uma agressiva modernização pelo alto, forneceram as bases para o surgimento, nos anos 1930, do chamado sistema imperial e do fascismo japonês (MARCON, 2021, p. 62-63).

 

No texto The Ideology and Dynamics of Japanese Fascism (1948) Maruyama argumenta que o fascismo pode se desenvolver de duas formas distintas, dependendo da estrutura de cada Estado: o chamado fascismo “de cima” (from above), quando ele vai ganhando espaço a partir de uma estrutura de poder já existente, como ocorreu no Japão; e o fascismo “de baixo” (from below), quando ele chega ao poder por meio de um partido fascista com algum tipo de organização de massa, como ocorreu na Itália e Alemanha.

 

Para Maruyama, a ascensão do fascismo no Japão tem ligação direta com o cenário de medo, de crise política, econômica e social e com o crescimento dos movimentos esquerdistas (MASSAO, 1969, p. 165). Todavia, foi a situação de guerra com a China (a partir de 1931) que teria incentivado o desenvolvimento (ao longo de quase uma década) de um fascismo “de cima”, encabeçado pelo exército, por setores-chave da burocracia, com apoio dos conglomerados monopolistas e que aos poucos incorporou a sociedade civil, já às vésperas da Segunda Guerra Mundial. (MARUYAMA, 1969, p. 172).

 

Desse modo, entre os anos de 1919 até 1936 o fascismo é, sobretudo, ideologia e movimento. De 1936 até 1945 ele se apropria, gradativamente, da estrutura do Estado. As principais peculiaridades da versão japonesa do fascismo seriam seu caráter mais apegado a um ideal familiar, o qual era fundamental para um Estado que alegava ser uma nação de famílias cujo núcleo originário era a casa imperial, seu viés agrarista e por fim, sua ideologia de “libertação” da Ásia do colonialismo europeu expresso, a partir de 1940, na ideia propagandística da Grande Esfera de Co-prosperidade Leste Asiática.

 

A diferença central do fascismo japonês perante os outros foi seu caráter de desenvolvimento gradativo e prolongado. Sem necessidade de manipular ou quebrar um forte movimento operário, o fascismo conseguiu de forma “suave” se consolidar no aparato estatal amalgamando grupos de apoio nacionalistas, militaristas e conservadores que já existiam (MARUYAMA, 1969, p. 82).

 

Para Massao uma característica central do fascismo é o seu caráter plástico e pragmático, pouco importando os meios necessários para atingir seus objetivos, quer seja a contrarrevolução levada ao extremo, quer seja a criação de um Estado totalitário capaz de controlar o modo de vida dos seus cidadãos. Tal imprecisão com relação à definição e às características do fascismo se mostram presentes desde a o surgimento do movimento fascista na Itália visto que os próprios Benito Mussolini e Giovanni Gentile (A doutrina do fascismo, 1932) enfatizam mais os fins políticos e “espirituais” do fascismo, dando pouca importância à definições conceituais, à coerência ideológica ou à congruência entre teoria e prática. Esse retorno aos textos fundacionais do fascismo italiano também foi feito por Willensky para enfatizar a plasticidade do fascismo, sua ênfase aos fins e, portanto, a sua aplicabilidade para o caso do Japão.

 

Décadas depois de Maruyama e após uma longa predominância, no Ocidente, de interpretações não-fascista sobre a experiência japonesa, o pesquisador Marcus Willesnky em um denso e provocante artigo datado de 2005, retoma essa questão defendendo a validade do conceito de fascismo japonês. Willensky inicia o texto comentando o fato de que a historiografia e as ciências sociais japonesas do pré-guerra, em sua maioria, não utilizavam conceito de ‘fascismo japonês’, ao contrário de suas contrapartes ocidentais, ao passo que no pós-guerra ocorre uma inversão, visto que a maioria dos analistas japoneses ainda utiliza esse conceito enquanto europeus e norte-americanos o negam.

 

Willensky define o Japão como fascista embasado em três prerrogativas: A primeira, deve-se à crescente influência, no início de 1940, do movimento e ideologia chamado Kôdô (caminho imperial), que incentivava a ação direta, a exaltação quase religiosa do Estado e do líder (imperador), a expansão imperial tida como uma missão e desígnio nacional e uma perspectiva totalitária que valorizava a disciplina e o racismo.

 

A segunda prerrogativa refere-se à instauração, em 1940, do Imperial Rule Assistance Association, que passou a ser o único partido político aceito e a terceira, pelo fato de o imperador ser de facto o comandante em chefe das forças armadas e ter autoridade também de instituir ou vetar qualquer lei, poderes esses que estavam garantidos já pela constituição de Meiji (WILLENSKY, 2005, p. 64- 71).

 

Willensky também argumenta que o fascismo no Japão foi instaurado de forma progressiva. Detalhadamente, o autor enumera os passos que levaram o Japão a se tornar um Estado fascista, a saber: Sua saída da Liga das Nações (1933); a assinatura do Pacto Anti-Comitern (1936); a promulgação da National General Mobilization Law (1938), que concedia plenos poderes ao Estado para mobilizar a economia, a força de trabalho e o alistamento; a dissolução dos partidos políticos (1940); a assinatura do Pacto Tripartite com Itália e Alemanha (1940) e a instauração do Imperial Rule Assistence Association (1940).

 

Ainda que negado por seus governantes, o autor setencia: ‘operating without any need for accountability to the masses, an elitist authoritarian and imperialistic government committed to a denial of basic human equality and a code of behavior based on lies; in other words, a fascist State’ (WILLENSKY, 2005, p.74).

 

Tal como Mauyama, Willensky busca demonstrar que o Japão não teve uma democracia súbita e abruptamente interrompida nos anos 1930 por um militarismo e sim que a própria configuração da “democracia” do Japão Imperial foi um pré-requisito para a construção de sua forma particular de fascismo, o qual pouca coisa fez além de exaltar e elevar a níveis extremos algumas ideias, concepções e práticas já presentes, ainda que de forma embrionária, no período Meiji, sendo que Maruyama vai ainda mais além, retornando ao Período Tokugawa.

 

Uma das argumentações centrais do texto de Willensky é a de que o [Imperial Japan was fascist not because it successfully copied what was happening in Italy and Germany but because that is what the Meiji oligarchs intended it to be though at the time they lacked the particular word to describe it as such] (WILLENSKY, 2005, p. 67).

 

Willensky também considera o caso japonês como o de um fascismo “de cima”, porém enfatiza, tal como outros estudos mais recentes, que havia uma base de apoio considerável e que o governo imperial utilizou sofisticados mecanismos de comunicação e manipulação de massas, alguns dos quais visivelmente influenciados pelo modelo nazista. Essa questão do forte apoio popular já havia também sido destacada rapidamente por Maruyama ao enfatizar a sólida base de apoio ao regime por parte da classe média, sobretudo professores primários, pequenos proprietários, funcionários públicos, sacerdotes budistas e xintoístas, entre outros (MARUYAMA, 1969, p. 57-58).

 

Ainda que não fique claro em que momento o Japão poderia ser considerado fascista, ambos os autores defendem que as semelhanças com a experiência do nazismo e do fascismo italiano são deveras evidentes. O antiliberalismo, o anticomunismo, o racismo, o militarismo, o expansionismo, o culto ao Estado e ao governante, a valorização da disciplina, da família e da autoridade, o ideal corporativista, as semelhanças na organização da estrutura do Estado e da economia, justificam o conceito de fascismo, apesar das particularidades culturais, sociais, políticas e econômicas do Japão.

 

É notável as referências de Maruyama, Willensky mas também de também Griffin acerca da importância do modelo da estrutura social, política e cultural japonesa que foi se consolidando após a Restauração Meiji (1867). Entretanto, enquanto para Griffin tais pressupostos históricos foram precisamente os fatores que impediram a propagação e ascensão ao poder do fascismo, para os outros, esse histórico forneceu precisamente as bases para o modelo do fascismo japonês.

 

Considerações finais

Diante da complexidade e amplidão do debate acerca da validade do conceito de fascismo japonês, a intenção deste artigo foi realizar uma breve apresentação e um convite à reflexão sobre esse tema, tendo em vista a escassa produção em língua portuguesa sobre temáticas da história do Japão, mesmo quando se trata de um tópico de grande relevância para a compreensão de realidades extra nacionais como o caso do fascismo japonês. Debater sobre tal conceito é um exercício inevitável e inseparável de retorno à discussão sobre o que é o fascismo, quais suas formas e características e as condições para sua emergência no passado, ou reemergência sob novas roupagens no mundo atual.

 

A discussão sobre qualquer conceito histórico é relevante porque o historiador o faz a partir do presente e, como aponta Koselleck, os conceitos históricos deixaram desde a Revolução francesa de servir apenas para a compreensão de fatos de outrora, passando também a apontar para o futuro. (KOSELLECK, 2006, p. 102). No caso do fascismo isso é particularmente verdadeiro levando-se em conta o crescimento nos últimos anos de, por um lado, movimentos neofascistas e neonazistas e, por outro, de negacionismos e fake history que buscam negar os crimes e atrocidades cometidas em um passado recente por regimes ditatoriais de direita. Esses dois fenômenos demonstram a urgência de se refletir sobre o (neo)fascismo que emerge agora (enquanto teoria e prática) com pretensões a um novo e sombrio futuro.

 

Referências

Ricardo Sorgon Pires é graduado em história pela Unesp de Assis e doutor em História Social pela USP onde desenvolveu uma tese sobre a imigração Okinawana em São Paulo. Desde 2016 é professor de história no IFSP, atualmente no campus de Registro.

 

GRIFFIN, Roger. “Non-European and Post-war Fascism”. In: The Nature of Fascism. New York: Routledge, 1993.

 

KASZA, Gregory, J. “Fascism from Below? A Comparative Perspective on the Japanese Right, 1931-1936”. Journal of Contemporary History. Vol. 19, N. 4, 1984, p. 607-629.

 

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

 

MARCON, Federico. “The quest for Japanese Fascism: a historiographical overview”. Ca’ Foscari Japanese Studies, vol. 14, Dossiê Religion and Thought, n. 4, 2022.

 

MASSAO, Maruyama. “The Ideology and Dynamics of Japanese Fascism”; “Fascism – Some Problems: A Consideration of its Political Dynamics”.  In: Thought And Behavior In Modern Japanese Politics. London, Oxford, New York: Oxford University Press, 1969.

 

PAXTON, Robert, O. “Other Times, Other Places”. In: The Anatomy of Fascism. New York: Vintage Books, 2004.

 

PAYNE, Stanley, G. “Fascism Outside Europe?”. In: A History of Fascism, 1914-1945. Madison: The University of Wisconsin Press, 1995.

 

SILVA, Francisco Carlos Teixeira. “Os fascismos”. In: FILHO, Daniel Aarão Reis; FERREIRA, Jorge; ZENHA Celeste. O Século XX Volume II O tempo das crises Revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

 

WILLESNKY, Marcus. “Japanese Fascism Revisited”. Stanford Journal of East Asian Affairs. Vol. 5. N. 1, 2005, p. 58-77.

33 comentários:

  1. Bom dia, Sr. Pires. Foi instigante a leitura de um texto acerca de tema pouco explorado em língua portuguesa e urgentemente relevante diante da conjuntura global atual, como o Sr. devidamente destacou.
    Levada em conta a variedade de definições da palavra “fascismo”, bem como as semelhanças e disparidades que o regime autoritário japonês da primeira metade do século XX encontra com tal termo, não seria conveniente o uso de um nome próprio para caracteriza-lo? Pois que na Alemanha vigorou o nazismo, que por sua vez é distintamente semelhante ao fascismo italiano e faz jus a tanto pelo uso de um nome próprio. Afinal, o emprego de substantivos compostos (vide “sistema fascista imperial” ou mesmo “fascismo japonês”), além de dificultar a disseminação dos estudos sobre o tema para o grande público (é um conjunto de quase mesmas palavras para dizer coisas diferentes), poderia ser visto como uma carência no uso dos vocábulos, quiçá de criatividade neologística. O Sr. não tem conhecimento de léxicos nipônicos que pudessem servir a uma apropriação semântica adequada e precisa para este caso historicamente peculiar?

    Atenciosamente,
    João Antonio Machado.

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    2. Prezado João Antônio. Boa tarde. Agradeço a leitura e os comentários. Concordo plenamente que a falta de um termo específico para o caso do "fascismo japonês" torna o estudo dessa realidade bastante complicada ou, ao menos escorregadia e concordo que o excesso de termos compostos apresenta diversas dificuldades. Na realidade, a disputa pelo conceito de fascismo se dá em dois níveis. 1º se as ações do governo japonês do período poderiam ser enquadradas como "fascistas", mesmo que não se utilize esse léxico. Todavia, para tal julgamento (que muitas vezes cai em uam questão moral) é preciso ter clareza se fascismo foi um fenômeno geral ou algo restrito ao movimento e regime que surgiu na Itália (uma discussão teórica). Afinal, sem essa definição não como fazer comparações para tirar as conclusões para o caso japonês. O segundo nível da discussão é político. Denominar o Japão como fascista pode, por um lado, ser visto como algo eurocêntrico e limitado, mas, por outro lado, a não definição do Japão como fascista pode criar uma ideia de "excepcionalidade japonesa" que também pode ser enganosa e, mais ainda, isso traz repercussões até os dias de hoje. Denominar, por exemplo os movimentos ultranacionalistas atuais no Japão como fascista ou não, tem um peso muito diferente na arena política e midiática. A percepção social do perigo do ultranacionalismo é muito diversa se utiliza-se ou não o termo fascista e isso vale para o Japão, tal como para Portugal, Espanha, Hungria e outros. Julgar a Espanha franquista como fascista também envolve duas dimensões, uma uma teórica e conceitual, e outra política. Por fim, os termos japoneses para se referir ao período "fascista japonês" não ajudam muito. Alguns autores usam mesmo "fascismo" (ファシズム), outros usam "sistema fascista imperial" (天皇制ファシズム) para enfatizar que se tratou de um fascismo muito mais conservador e reacionário. Há ainda, os que usam "estatismo" (國家主義) quando a ênfase recai no crescimento do poder estatal no período. Não sei se consegui responder adequadamente, mas o esse caso demostra como realmente a nomenclatura "fascista" é uma das mais complicadas no universo da ciência política. Um forte abraço!

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    3. Só para complementar, autores japoneses também utilizam como sinônimo de fascismo o termo kakushin (renovacionista) para se referir aos membros e setores da direita japonesa (burocratas, militares, intelectuais) que difundiam certas ideias, princípios e práticas fascistas.

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    4. Muito obrigado pelas respostas, Sr. Pires. Elas sim elucidaram a amplitude do assunto.
      Parabenizo-o pela qualidade de seu trabalho e desejo ainda mais frutíferas pesquisas no porvir.
      Grande abraço!

      João Antonio Machado.

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  2. Parabenizo o Professor Doutor Ricardo Sorgon Pires pelo excelente artigo dedicado a uma temática, que conforme mencionado pelo mesmo carece de fontes em nosso idioma. Reitero o posicionamento do senhor Pires, de que o caso japonês se constitui como um convite a reflexão sobre os significados e ressignificações do fascismo no mundo contemporâneo, movimento esse que se mostra crucial, principalmente hoje, em tempos de delineamentos de novas configurações neofascistas ocorrida em várias partes do mundo.
    Tendo em vista a relevância apontada do estudo do fascismo, não apenas japonês mas de sistemas equivalentes ocorridos em outros países, e a unidade temática da BNCC nomeada Totalitarismos e conflitos mundiais do 9º ano do Ensino Fundamental, que tem como uma das habilidades a serem objetivadas (EF09HI13), a saber, descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o holocausto), e considerando a prática dos professores de história do ensino fundamental e médio em limitar-se aos casos da Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, quando não somente restritas aos dois primeiros, o senhor considera válido a inserção de regimes autoritaristas e fascistas orientais no currículo do ensino básico brasileiro? Em caso afirmativo, como isso deveria se dar na sua opinião?

    Yuri Alan Maciel Tesch

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    1. Olá Yuri. Obrigado pelos comentários. Apesar do problema sempre recorrente da falta de tempo e excesso de conteúdo no ensino de história na Educação básica, creio que a inserção do caso japonês nesta unidade temática é bastante interessante e pode provocar reflexões diferentes para os alunos em comparação com o nazismo e o fascismo. Acho que em primeiro lugar, o caso do Japão poderia ser utilizado para destacar as diferenças entre Japão, China, Coreia. Apesar de parecer óbvio, o senso comum considera que "todos são iguais e exóticos". Entao, demonstrar, ainda que brevemente, os contextos históricos tão distintos ajuda na compreensão das particularidades e da historicidade desses países. Uma segunda problemática poderia ser os perigos da ascenção de um estado militarista e praticamente teocrático como foi o caso do Japão até o fim da Segunda Guerra. Em grande parte, o fanatismo da resistência japonesa até o final da guerra e a crueldade para com as populações civis e os prisioneiros nas zonas de ocupação na China, Coreia, Sudeste asiático e Oceania deveu-se à grande infuência de uma mística de guerra santa e espiritual onde, na visão de mundo de seus idealizadores, não haveria a possibilidade de um meio termo. Quem não se curvasse ao imperador e aos japoneses não poderia (ou não deveria) existir. Foi um discurso muito mais violento e totalitário do que o da Itália fascista, por exemplo. Uma outra temática é a questão do racismo. Seria interessante problematizar essa questão para não se limitar à dicotomia brancos-negros (de maneira alguma desmerecendo sua importância). É interessante demostrar como o Japão desenvolveu um discurso racial próprio colocando-se acima dos demais povos da Ásia por se considerarem uma suposta "raça pura" enquanto os outros seriam miscigenados. Apesar da particularidade de seu discurso, houve uma clara influência do racismo europeu o que demostra o alcance e os danos dessas ideologias raciais ao longo de um vasto tempo e espaço. O uso de alguns termos pelas prórpias lideranças japonesas do início do século XX como "os brancos da Ásia" ou de que o Japão deveria "Deixar a Ásia" demostra também um certo trauma no Japão desse período e uma ambivalência entre deixar de ser asiático (se ocidentalizar) e, em outros momentos, de se ver como o ápice do que é ser asiático, o que justificaria sua crusada violenta de libertação da Ásia. Esses são apenas algumas sugestões. Em relação a materiais, há diversos filmes que tratam desse período, reportagens além de outros materiais. Qualquer coisa é só me contactar por email. Um forte abraço!

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    2. Meu contato: ricardosorgon@hotmail.com

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  3. Professor, não seria orientalismo atribuir o conceito de fascismo ao Japão que participou da segunda guerra?

    Por outro lado, também me questiono se seria interessante nomear o Japão de 1930 a 1945 como fascista para romper a barreira "eles" e ``nós", oriente como estranho, distante e diferente para o ocidente.

    Maria Heloisa Andrade Pinheiro

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    1. Olá Maria Heloísa, obrigado pelo comentário! Creio que a crítica de se usar o termo fascista para o Japão é se estaríamos utilizando uma nomenclatura eurocêntrica. Não creio que seria um caso de Orientalismo. Todavia, o outro lado da moeda é exatamente o que você colocou abaixo. Considerar o Japão como fascista é considerar que o fascismo foi um fenômeno global (não só europeu, ainda que o termo seja europeu) e o Japão não foi excessão. Afinal considerar, como alguns autores, que o Japão já era proto-fascista desde o período Meiji não há o risco de se recair em uma visão um tanto orientalista e teleológica acerca do Japão? Como se ele tivesse uma estrutura política e social monolítica "milenar", com uma população obediente e passiva, etc.

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  4. Fabio Ehlke Rodrigues5 de outubro de 2022 às 21:14

    E o que dizem a imprensa japonesa sobre o fascismo que no entender de seu texto é abordado como existiu ou não. A questão central teria que ser investigado nos arquivos, diários, cartas, dossiês. Claro, q

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    1. Olá Fábio! acho que cortou um pedaço da sua questão. Não entendi muito bem.

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    2. O que a imprensa japonesa fala sobre o fascismo no período estudado pelo Sr? Existem mais fontes em arquivos, dossiês que possam servir de fontes sobre o fascismo japonês?
      Fabio Ehlke Rodrigues

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    3. Olá Fábio! Então, a imprensa na época (anos 1930/40) negava que o país fosse fascista, enquanto no Ocidente se afirmava o contrários. Atualmente, parte da imprensa adota o conceito de fascismo (como boa parte da historiografia japonesa), enquanto que outra parte, mais nacionalista e "revisionista" evita o termo procurando, por vezes, criar uma imagem mais honrada e positiva do Japão no período,como um país que acabou, por força das circunstâncias, empurrado para a guerra. As fontes que você citou são inúmeras. A questão principal, no fundo, é de interpretação conceitual e também de posicionamento político e ideológico. Um forte abraço.

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  5. Boa noite. Gostaria de primeiramente de parabenizar o autor pela abordagem do fascismo japonês, que muito contribui para o debate historiográfico. E em segundo lugar, gostaria de perguntar se durante o desenvolvimento desta pesquisa o autor encontrou dados/informações sobre a atuação do fascismo japonês no fortalecimento do setor industrial, especialmente da indústria de base? MATHEUS HENRIQUE DA SILVA ALCÂNTARA

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    1. Olá Matheus, obrigado pelos comentários. Essa é uma questão muito interessante porque se considerarmos o regime político japonês de aproximadamente 1933 até 1945 como fascista, então sim, percebe-se uma grande confluência de interesses entre os grandes conglomerados econômicos e financeiros japoneses, chamados de zaibatsu (como os Mitsui), com o regime, inclusive com o uso sistemático de trabalho escravo de chineses e coreanos. Para alguns autores, o próprio fascismo japonês foi montado a partir dos interesses de burocratas, militares e os zaibasu, especialmente nas interpretações marxistas que enfatizam o fascismo como a última trincheira do capitalismo monopolista contra a crise e o avanço do movimento operário. É muito curioso que a versão mais radical (from below) do fascismo japonês (a que foi derrotada), como o Tôhôkai, era contra os zaibasus (vistos como gananciosos e exploradores do povo) e defendiam algumas pautas da esquerda, como a reforma agrária e a melhoria dos salários. Porém, é importante lembrar que o modelo econômico que privilegiava os grandes conglomerados já havia sido montado desde o Peíodo Meiji como uma tentativa de rápida modernização e industrialização, sendo que o regime "fascista" apenas deu continuidade.

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  6. Boa noite. Além de parabenizar pelo excelente texto e tema, gostaria de perguntar se o aparato fascista japonês incluía meios de propaganda de massas, utilizando de imprensa ou outros meios de propagação (arte, etc.).
    Rafael Egidio Leal e Silva

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    1. Olá Rafael, obrigado pela pergunta. Sim, o regime japonês do período utilizou-se de um sofisticado aparato de propaganda (pinturas, textos, mangás, escolas, etc) claramente inspirado no fascismo italiano e no nazismo tendo, inclusive, mais sucesso em termos de manutenção de uma coesão social, talvez em parte pela junção de mensagem política e religiosa (associada à família imperial). O sucesso da propaganda foi tão grande que o fascismo japonês precisou ivestir muito menos em medidas repressoras (campos de trabalho forçado para dissidentes, uma polícia política com o mesmo aparato da Gestapo) do que a Alemanha e a Itália. Havia uma clara preferência pela elite de enfatizar a liderança da elite e a coesão do que a repressão e a mobilização de massa, demonstrando seu caráter mais conservador e reacionário.

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    2. Rafael, se você tiver interesse o Livro organizado por Alan Tansman, "The culture of Japanese Fascism", fala exatamente sobre essa questão cultural, de como ouve um processo longo de estetização e de amenização da violência e de uma cultura fascista no Japão por meio de filmes, de propagandas no ambiente de trabalho, arquitetura, literatura pintura. https://books.google.com.br/books?id=d__1ryAnmFkC&printsec=frontcover&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false

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  7. Bom dia professor. Agradeço pelo texto, sem dúvida muito importante para discutir o conceito, mas também para compreender especificidades japonesas. Sou docente do Ensino Básico, assim, como o senhor enxerga a possibilidade de debater o conceito "Fascismo" - aqui, evidente, com enfoque no Japão - em sala de aula para seja no Ensino Fundamental, na EJA ou no Ensino Médio ?

    Gratidão

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    1. Olá Harian, obrigado pelos comentários. Creio que a resposta que postei para o Yuri Tesch, mais acima, contempla a sua pergunta. Caso contrário, fico à disposição por email ricardosorgon@hotmail.com

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  8. Thereza Cristina de Oliveira e Silva6 de outubro de 2022 às 10:02

    Olá, Ricardo, bom dia! Muito obrigada pelo texto e pelas reflexões. Estou fazendo mestrado em História Social e estudo dois animes da década de 1980. Você acha possível identificar no pós-guerra do Japão uma continuidade disso que é chamado por alguns de fascismo? Estou pensando em possíveis ecos dessas práticas na forma de conservadorismo ou nacionalismo nas décadas posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial. Muito obrigada!

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    2. Olá Thereza, obrigado pelos comentários. Acho esse tema do pós guerra muito interessante pois parece que a questão da memória e desse passado da guerra ainda é algo um tanto mal digerido na memória coletiva no Japão, sobretudo na questão do racismo. Um caso interessante e emblemático foi o do escritor Yukio Mishima que simbolicamente suicidou-se em 1970 em um ritual de sepukko após o fracasso da tentativa de, junto a um peqeuno grupo, dar um golpe de Estado visando restabelecer o poder do imperador e "restaurar o verdadeiro estilo de vida japonês". Perebe-se como é complicada essa questão do ultranacionalismo no Japão que ora é visto como fascismo (algo vindo de fora) ora como algo tradicionalmente japonesa, ligado ao bushido ao shintoísmo de Estado, etc. A questão do racismo ainda é muito presente no Japão. A manutenção do princípio do jus sanguinis para definição de cidadania, a exclusão social de imigrantes, sobretudo coreanos, desde o pós guerra, a hesitação em permitir imigrantes que não sejam de origem nipônica, etc. ainda geram muitas críticas. Ver, por exemplo: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140908_discriminacao_etnica_japao_et_rm

      Recentemente há uma crescente pressão popular para mudar a constituição do país, em especial o artgo 9, que limita o estabelecimento de uma força armada robusta (permite apenas uam força de auto defesa). Além disso, a própria pesquisa e principalmente o Ensino de história no Japão ainda é bastante reticente com relação a certos temas, em especial à Guerra com a China e as atrocidades cometidas, sendo muito comum algum tipo de censura ou de eufemismos. Ver, por exemplo: https://www.academia.edu/43287387/O_ESTADO_JAPON%C3%8AS_O_ENSINO_DE_HIST%C3%93RIA_E_A_MEM%C3%93RIA_DAS_GUERRAS_DO_JAP%C3%83O_IMPERIAL_NOS_PROCESSOS_DO_LIVRO_DID%C3%81TICO_DE_IENAGA_SABURO

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    4. Uma outra questão que pode te interessar Thereza é o racismo disfarçado presente nas teorias do chamado nihonjinron, um conjunto de teroais essencialistas que buscam compreender a "excepcionalidade japonesa" e que esteve muito em voga até os anos 1980 quando o Japão parecia que logo se tornaria a maior potência econômica mundial. Tais teorias frequentemente beiram o racismo. Eu escrevi um um breve texto sobre o assunto. http://www.cih.uem.br/anais/2017/trabalhos/3810.pdf

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  9. Em primeiro lugar muito obrigado ao professor por de maneira tão compreensível elucidar um debate nada simples. A história do isolacionismo e do racismo no Japão tem suas nuances, mas são um axioma do conceito de Maruyama e Willensky. Quero saber se e como os proponentes do argumento Autoritarismo/Militarismo abortam tal tema.
    Muitíssimo obrigado,
    Kai Andri Jakob

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    1. Olá Kai, obrigado pela pergunta. Os autores que negam o conceito de fascismo no Japão de maneira alguma ignoram a questão do racismo nesse país, mas a enquadram em uma lógica diversa como o chauvinismo e o ultranacionalismo, os quais tem suas orgigens tanto endôgenas (devido ao isolamento e à aversão a estrangeiros por longo período, ao fato de o Japão apresentar uma maior homogeneização étnica - apesar de existirem minorias como os ainu e os okinawanos -, à ideologia da sacralização da família imperial japonesa pelo shintô estatal), quanto exógenas (influência das ideologias do darwinismo social e do racismo "científico" ocidental desde o fim do XIX até a Segunda Guerra. Assim, para esses autores, o forte racismo no Japão não seria suficiente para enquadrar o Japão como fascista, do mesmo modo que França, Alemenha, Bélgica, Inglaterra, EUA eram profundamente racistas na passagem do XIX para o XX, mas nem por isso eram fascistas.

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  10. Olá. A respeito do trecho em que você cita que a posição geopolítica do Japão durante a guerra fria influenciou no debate sobre o fascismo japonês por se tratar de um país que havia se tornado aliado dos EUA. Não seria possível enxergar essa mesma influência acerca do debate em torno do crescimento do fascismo no leste europeu hoje em dia? Embora países como Polônia, Ucrânia e Romênia tenham movimentos e partidos neonazistas com grande influência na política interna deles, após o início da guerra na Ucrânia eu percebo que discutir a influência do nazismo nesses países se tornou um assunto tabu por se tratarem de aliados geopolíticos dos Estados Unidos.

    Matheus Bittencourt de Oliveira

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    1. Olá Matheus, obrigado pelos comentários. Com certeza é possível fazer uma comparação com os casos que você citou, em particular no caso da Ucrânia uma vez que o governo desse país praticamente aceitou que grupos paramilitares de extrema direita atuassem quase livremente nas regiões com conflitos separatistas no leste da Ucrânia, em especial após a anexação da Criméia em 2014. Todavia, não necessariamente é uma influência direta do governo dos EUA. Boa parte da grande mídia é alinhada com os interesses e a perspectiva desse país ou de outros da Europa Ocidental e evitam tratar dessa temática pelo risco de ameçar a legitimidade do discurso anti Rússia (Ocidente x Oriente). É bem interessante perceber que no início dos anos 2000 era muito comum o uso do termo "grupos neonazistas", enquanto que atualmente se prefere "grupos de extrema direita" "grupos ultranacionalistas". Do mesmo modo, tais grupos nunca são taxados de terroristas, termo que a mídia prefere reservar a grupos fundamentalistas muçulmanos.

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  11. Olá, prof. Sorgon.
    Parabéns pelo texto escrito de forma didática cumprindo plenamente bem a função de convite a reflexão. Reforço a minhas felicitações, pois também compreendo existir uma necessidade urgente de debate sobre a atual emergência do (neo)facismo, ainda mais no caso japonês considerando a grande população dekasegui brasileira residente no país e que fatalmente é atingida pelo tema.
    Como apontado no texto, a existência de uma produção mais recente que discute considerando de forma mais profunda a especificidade do caso japonês (pelo menos foi essa minha interpretação) me pareceu ser bastante positivo e revigorante para a discussão já existente. Mas ao mesmo tempo, o fato de ser algo recente pode ser interpretado também como resposta as tentativas de revisionismo recentes que acontecem lá? Infelizmente não acompanho muito o que acontece no Japão (principalmente por não saber a língua), mas aparentemente existe uma pressão cada vez mais crescente de revisionismo histórico até em relação ao material didático (que dizem já ser bem problemático).
    Obrigado novamente pelo texto
    Robson Hideki Mori
    (obs: Admiro muito a produção do prof. Sorgon. Utilizarei artigos seus sobre nihonjinron em minha dissertação de mestrado. Espero que esse possa ser o primeiro de um contínuo contato com o professor, se possível. Grato novamente)
    (Desculpe realizar as perguntas fora do prazo, mas espero que possar ler)

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    1. Olá Robson! Muito obrigado pelos comentários e pelas gentis palavras! Também espero poder manter contato. Caso o comentário seja apagado devido ao prazo, estou à disposição para trocarmos algumas ideias. Meu email é ricardosorgon@hotmail.com. com relação à sua pergunta, admito que estou um tanto desatualizado quanto aos atuais debates so re memória, historiografia e ensino de história no Japão. Também não domino a língua. Mas, pelo que eu estava acompanhando, após um longo debate na década de 1990 houve alguns avanços na história ensinada no Japão, em termos de maior criticidade e menos nacionalismo. Todavia, a guinada à direita no Japão, o longo período de uma volta ao nacionalismo com Shinzo Abe e a permanência da forte interferência do ministério da educação no ensino de história, em particular, parece ter retrocedido ou, ao menos, estagnado os avanços, ver, por exemplo a reportagem https://www.dw.com/en/japans-nationalist-school-books-teach-a-different-view-of-history/a-40092325. Não havia pensado se a revitalização dessa temática mais recentemente poderia ser fruto desse processo meio "revisionista" meio negacionista no Japão, mas acho que pode sim ter relação. Mas, como disse, preciso me atualizar mais nesse caso. Um forte abraço!

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