Lançada
em meados da década de 1950, período em que foram realizadas algumas das mais
afamadas obras cinematográficas de Akira Kurosawa [1910-1998], Ikimono no Kiroku [Anatomia
do Medo ou, em tradução literal, Registro de um ser vivo] não é, no entanto, um dos filmes
que receberam grande atenção por parte da crítica. Produzida entre duas das
mais prestigiadas películas do diretor – Shichinin
no Samurai [Os Sete Samurais –
1954], muitas vezes considerada como a grande obra-prima de Kurosawa, e Kumonosu-jō [Trono Manchado de Sangue – 1957], a afamada adaptação do diretor
japonês da peça shakespeariana Macbeth –,
a obra fílmica de 1955 acabou sendo obliterada por essas outras realizações de maior
repercussão. Soma-se a isso, ainda, o fato de Ikimono no Kiroku ter sido um dos maiores fracassos de bilheteria
de Kurosawa, fato ocorrido, para o realizador, devido ao seu lançamento ter
sido feito em momento demasiado cedo, quando a população do Japão estava
preocupada em escapar dos problemas que a circundava [RICHIE, 1970, p. 114].
James Goodwin [1996, p. 190] nos recorda que Noel Burch atribui o fracasso de Ikimono no Kiroku ao fato de o filme
desafiar ideologicamente o poder estabelecido, não sendo interessante às
classes dominantes do Japão nesse período em que o país saía do pós-guerra.
Dessa forma, em compasso com a justificativa de Kurosawa, o crítico julga o
lançamento ter ocorrido de modo prematuro para um reconhecimento por parte de
crítica e público. É nesse sentido que Burch vê Ikimono no Kiroku como um filme que antecipa filmes independentes
de caráter mais combativos da década de 1960 e início de 1970, em que se
destacam as obras do diretor Nagisa Oshima [1932-2013].
Esse
filme, ainda, tem outros aspectos importantes que o destaca na carreira
cinematográfica de Kurosawa: foi a primeira película em que o diretor faz uso
sistemático de filmagem multicâmera; e a última parceria entre o diretor e o
músico e compositor Fumio Hayasaka, “principal colaborador de Kurosawa desde Yoidore Tenshi [O Anjo Embriagado - 1948]” [YOSHIMOTO, 2000, p. 246-247], falecido
durante as filmagens.
Ikimono no Kiroku conta a história de
Kiichi Nakajima [Toshirō Mifune], chefe de família já idoso, dono de uma
indústria de fundição que, temendo as consequências radioativas das bombas
atômica e de hidrogênio, decide vender tudo que tinha no Japão e emigrar ao
Brasil, onde acredita ser o único local no planeta em que pode se viver livre
da radioatividade. O plano de Nakajima, que consiste em levar consigo todos
seus dependentes oficiais (esposa, quatro filhos e um genro) e extraoficiais
(duas amantes, dois filhos e um filho de uma amante já falecida), encontra
resistência por seus parentes. Estes entram com um processo no tribunal da
família para que o patriarca seja declarado incapaz. Alegam os familiares que
mudar ao Brasil não seria a primeira tentativa tresloucada de Nakajima, que,
antes, teria comprado, sem consulta, terras em Akita, no norte do Japão, para
construir um abrigo subterrâneo, mas que, ao ouvir que a radioatividade dos
testes de bombas nucleares viria do norte para o sul, abandonou as terras e a
construção, decidindo emigrar ao Brasil. O filme se desenrola em cima das
tentativas de Nakajima para convencer a família de que a emigração é a única
solução, enquanto essa tenta manter sua vida, tirando judicialmente o patriarca
das decisões familiares. Após a interdição deferida pelo tribunal, Nakajima
passa a ter seu medo das consequências nucleares intensificado, levando-o à
atitude extrema de incendiar sua própria indústria – o ganha-pão de sua família
–, acreditando que, sem os recursos materiais já estabelecidos no Japão, sua
família não teria outra escolha a não ser acatar seu plano. Ao perceber que,
ateando fogo em seu patrimônio, sua família o vê como alguém que perdeu de vez
a sanidade e, também, que deixara inúmeros trabalhadores sem emprego, Nakajima
tem seu estado mental agravado. É inicialmente preso e, em seguida, internado
em um sanatório. De lá vê o sol pela janela e pensa estar a observar a Terra a
queimar pelas consequências das armas nucleares.
A
mundividência de Nakajima, no entanto, não deixa de ter impacto em, pelo menos,
uma das personagens. Dr. Harada [Takashi Shimura], dentista que atua como
conselheiro no tribunal da família, passa a refletir sobre como ele e a
sociedade ao seu redor lidavam com o contexto histórico que o circundava. Nesse
ponto é preciso lembrar que o filme não repercute apenas com as bombas de
Hiroshima e Nagasaki lançadas dez anos antes, mas trata principalmente da
corrida armamentista que se desenrolou a partir de então, que teve no Atol de
Bikini, nas ilhas Marshall, cenário de testes americanos de mais de vinte
bombas atômicas e de hidrogênio entre 1946 e 1958. É, portanto, das consequências desses testes,
que ainda ocorriam na época da realização e lançamento do filme, e da indiferença
política e social japonesa com o que acontecia em escala mundial, tendo sido o
Japão vítima direta de uma arma tão devastadora, que a obra está a abordar.
Desse modo, se entendem as justificativas atribuídas ao fracasso do filme, uma
vez que, se é certo que ao menos parte da população temia eventuais
consequências dos testes nucleares, ir ao cinema para ver seus receios
cotidianos transmitidos na grande tela – e não algo que a pudesse fazer, mesmo
que momentaneamente, esquecer das durezas do cotidiano árduo dos anos de
reconstrução do Japão após a Segunda Guerra Mundial – não parece ter sido
atrativo ao público geral. É nesse sentido, então, que a obra parece ter sido
lançada demasiadamente no “calor” do momento.
Calor,
inclusive, é a palavra-chave para a construção do filme, que se passa em uma
Tóquio superpopulosa, em um verão escaldante. Ao longo de toda a película se
destacam elementos da natureza [altas temperaturas, tempestades, trovões e
relâmpagos] que contribuem para a construção de um cenário apocalíptico, ou,
como entende Audie Bock [1996, p. 173], a atmosfera do pós-guerra. Assim, a
natureza e o clima são significativos para a transmissão ao público não apenas
do contexto empírico em que a trama se desenvolve, como também do mundo que
Nakajima tanto teme. Em outras palavras, essas composições ajudam a fazer ver a
mundividência do patriarca, o mundo presente em sua cabeça.
Logo,
o filme traz em si dois debates: um de cunho social, em que vem à tona o
questionamento da complacência social com um mundo à beira de uma autodestruição
– evidenciando, assim, o papel crítico que Kurosawa e Hayasaka entendiam ter
como artistas para a sociedade em que atuavam [PRINCE, 1991, p. 159] –; e outro
de teor psicológico, em que se pode refletir em torno dos limites da mente
humana perante os movimentos do mundo.
Stephen
Prince [1991, p. 165] ainda nota que o filme é construído a partir de dois
discursos: o de Nakajima, que vê a vida acima de qualquer coisa, tendo sua
atuação sempre motivada pela salvação daqueles que quer bem [seus parentes e,
pouco antes do agravamento de seu estado mental, os trabalhadores da fundição];
e o de sua família, representada não só, mas principalmente por seu segundo
filho, Jirō [Minoru Chiaki], que vive de modo resignado perante as questões
coletivas que o rodeiam, pensando apenas no dinheiro e abnegando suas
responsabilidades sociais. É por esse viés, principalmente a partir do ponto de
vista do protagonista, que essa película é por vezes colocada lado a lado com
outras obras de Kurosawa de características humanistas, como, por exemplo, Ikiru [Viver – 1952].
Chama
a atenção no filme a afiguração do movimento migratório japonês ao Brasil. De
fato, Ikimono no Kiroku é o primeiro,
porém não o único filme em que Kurosawa entrecruza a Era Atômica e imigração.
Trinta e seis anos mais tarde, em 1991, o diretor volta a relacionar esses dois
temas em Hachigatsu no Kyōshikyoku [Rapsódia
em Agosto], dessa vez aproximando as perdas causadas pela bomba atômica de
Nagasaki com a emigração japonesa ao Havaí. Entretanto, para espectadores do
Brasil, é de especial interesse o filme de 1955, já que, inevitavelmente,
emerge ali uma representação de seu povo e uma parte de sua história. Assim,
interessa traçar breves considerações de como Brasil e o movimento migratório
nipônico aparecem no longa-metragem.
A
primeira menção ao país sul-americano acontece logo nos primeiros momentos do
filme, durante a leitura em voz alta da petição pelo juiz do tribunal da
família Araki [Ken Mitsuda] para os dois conselheiros, o advogado Hori [Toranosuke
Ogawa] e o dentista Harada. Nesse primeiro momento, a nação sul-americana é
apenas referida, conforme o trecho que se segue: “[...] agora ele [Kiichi
Nakajima] alega que o único lugar seguro para se viver na Terra é a América do
Sul. Elaborou arbitrariamente um plano para levar todos seus dependentes ao
Brasil e declarou que usará todos seus recursos para este fim” [Ikimono..., 1955, 00:11:28-00:11:46, tradução nossa do áudio original].
A
construção da cena da leitura da petição e de outras anteriores ajudam a
conceber o contraponto que o Brasil representará em momento posterior do filme.
A cena inicial do filme, em que os créditos são exibidos, um dos pouquíssimos
momentos da película em que se faz uso da diminuta trilha sonora deixada por
Hayasaka, mostra, a partir de uma câmera alta, uma Tóquio movimentada e
barulhenta, com excesso de veículos particulares e transporte público, em um
verão tórrido. Os sons dos veículos e as evidentes altas temperaturas ajudam a
construir desde os primeiros segundos da obra a atmosfera apocalíptica de que
nos referimos anteriormente. O excesso de gente a transitar já constrói, desde
o início, a imagem de uma sociedade indiferente ao que é externo de suas
individualidades, ignorando ou estando indevidamente familiarizada com os
barulhos que remetem a bombas, que, sob certo ponto de vista, ainda era parte
do cotidiano daquele coletivo. Quando os créditos acabam, a câmera foca no
consultório, igualmente atulhado, do Dr. Harada. A cena seguinte, já no
tribunal de família, mostra tanto o corredor da instituição quanto a sala do
juiz Araki, novamente, como locais de pouquíssimo espaço, com excesso de
objetos e pessoas. Em suma, vemos uma sequência de espaços claustrofóbicos. Os
movimentos e ações gestuais das personagens, que a todo momento se abanam com
leques ou enxugam o suor com lenços, reforçam a aura cataclísmica transmitida.
Portanto, o que se mostra desde o princípio do longa-metragem é a representação
de um Japão superpovoado, espacialmente restrito e na iminência de uma nova
tragédia coletiva, fato que está a ser ignorado por seus cidadãos, personagens
e espectadores. Assim, abre-se uma reflexão de ordem moral, mais bem pontuada
quando se evidencia que os filhos buscam declarar incapaz o pai que, numa
leitura mais geral, é o único que está, a seu modo, questionando e buscando
alternativas para aquela situação problemática, comum a todos.
Essa
imagem do Japão é constantemente reiterada ao longo da película, principalmente
pelo fato de o filme ter poucas cenas em locais abertos. Decorre, em sua
maioria, em ambientes fechados, como a sala do tribunal, a fundição – mesmo
espaço em que fica a casa de Nakajima –, o lar de alguma das amantes ou no
apartamento em que vive o filho Ryōichi. As poucas vistas de lugares exteriores,
de modo geral, reforçam a limitação espacial, uma vez que exibem ruas
congestionadas, aglomerações públicas, não se diferenciando, portanto, dos
espaços internos.
Se
o Japão é representado como um espaço sufocante, a imagem do Brasil surge como
seu contraponto. Antes do deferimento da petição por parte do tribunal, a
família Nakajima vê chegar em sua casa um desconhecido. Entra em cena, então, o
ator Eijirō Tōno, maquiado com blackface,
insinuando uma pele curtida por um sol intenso, e roupa branca [que intensifica
o tom de pele da caracterização da personagem]. É o fazendeiro vindo do Brasil
que adentra a casa com um projetor e um pequeno rolo de filme. Busca uma parede
limpa para exibir seu filme e, movendo para o lado um papel com caracteres
japoneses pendurado em uma parede – e aqui, em leitura metafórica, pode-se
entender o fazendeiro como o homem que moveria aquela família do Japão para
apresentar-lhes um mundo novo – exibe, em silêncio, imagens de sua propriedade
no Brasil. Suas primeiras palavras são, durante a projeção, um breve: “ah,
vejam. Aquela será sua casa” [Ikimono..., 1955, 00:22:36]. A curta
projeção exibe vastas plantações e, ao final, mostra uma família de imigrantes
japoneses a olhar para a câmera, em frente a uma grande casa, com maquinário
agrícola e ovelhas no enquadramento. A disposição espacial espalhada das
pessoas nas imagens do Brasil reforça a abundância de terras no país
sul-americano e contrapõem de maneira clara o espaço diminuto que a numerosa
família Nakajima está a dividir naquela Tóquio apocalíptica. A projeção se
encerra com o sorridente fazendeiro a caminhar em direção à câmera e acenar, em
frente a uma igualmente alegre família que compõe o fundo [Ikimono..., 1955,
00:20:54-00:23:07].
É
importante frisar que essa imagem de felicidade e prosperidade transmitidas nas
únicas imagens brasileiras do filme vão ao encontro apenas das aspirações do
patriarca japonês que vê no Brasil a solução de seus temores. Em outras
palavras, a projeção exibida pelo fazendeiro parece condensar não o Brasil
representado na película como um todo, mas o vislumbre do protagonista. A
câmera de Kurosawa entrecorta as imagens da fazenda com as feições perplexas e
desanimadas dos outros membros da família, o que evidencia que um Brasil
diverso surge na visão das outras personagens.
Após
a exibição do filme à sua família, Nakajima visita cada um de seus outros
dependentes – uma amante, Satoko [Kiyomi Mizunoya], e sua filha Taeko [Sahoko
Yonemura]; seu filho Ryōichi, cuja mãe já falecera; e a amante Asako [Akemi
Negishi], que mora com seu pai [Kichijirō Ueda] e seu bebê, filho de Nakajima –
para convencê-los a emigrar ao Brasil. A cada tentativa de persuasão, o
patriarca recebe indiferença como resposta. Desde o pai de Asako, que deixa sua
casa indignado ao ouvir o plano do patriarca – “São Paulo! Ele deve estar
louco!” [Ikimono..., 1955, 00:27:40, tradução nossa] –, até Ryōichi, que usa o fato de
“não ser parte da família” [Ikimono..., 1955, 00:25:51, tradução nossa]
como justificativa para permanecer no Japão, o que se cria a partir da reação
de cada uma das personagens é uma imagem do Brasil enquanto um país distante,
que, no mínimo, é visto como um local de pouco interesse para aqueles membros
da sociedade que não veem na emigração a solução de seus problemas. Talvez o
melhor exemplo dessa visão esteja na cena em que Nakajima busca convencer
Satoko e sua jovem filha Taeko. A mãe, diante do plano de fuga do patriarca,
consegue apenas perguntar incrédula “São Paulo?” [Ikimono..., 1955,
00:26:25]. Após a saída do patriarca da casa, Taeko, então, expressa
diretamente seu posicionamento contrário com a pergunta em tom de voz irritado:
“e quem quer ir ao Brasil?” [Ikimono..., 1955, 00:27:31, tradução nossa].
Pode-se entender o questionamento de Taeko como as palavras que condensam a
visão dos dependentes de Nakajima em relação ao Brasil. Este posicionamento se
soma ao dos filhos legítimos, que buscavam, naquela altura do filme, a decisão
judicial para declarar o patriarca mentalmente incapaz. O que se vê nessas
sequências, portanto, é uma imagem do Brasil que em nada corresponde ao
vislumbrado pelo dono da fundição.
Desse
modo, emerge no longa-metragem de Kurosawa duas visões em torno da emigração ao
Brasil. A primeira, dos filhos e demais dependentes de Nakajima, em que a nação
brasileira é vista como um território longínquo, estranho e pouco atrativo e,
por isso, a mudança para lá seria desagradável. Exceção talvez possa ser feita
à filha caçula do patriarca, Sue [Kyōko Aoyama] que, apegada à figura paterna,
não se opõe aos planos de emigração e, ao ver as imagens da fazenda, é a única
que exclama: “lindo, não é?!” [Ikimono..., 1955, 00:22:41, tradução nossa]. Em oposição a essa representação, surge
a idealização da migração de Nakajima: um vasto paraíso, livre das ameaças
nucleares, local de segurança, prosperidade e felicidade, imagem essa até certo
ponto corroborada pela projeção e pela própria figura do sorridente
fazendeiro.
Essa
personagem, inclusive, embora seja aquela que representa o Brasil na película,
não é, de fato, brasileira. Trata-se de um japonês que emigrou à força ao
Brasil quando jovem. No entanto, a caracterização da personagem [trejeitos como
o modo de sentar e o modo de cumprimentar Nakajima com um aperto de mão em
detrimento à saudação japonesa ojigi,
feita pelo patriarca] busca mostrar uma figura já culturalmente distante do
Japão. O fazendeiro é a única personagem que não está indisposta com o calor
excessivo daquele verão, caracterizando-o como uma figura habituada a um clima
quente. No entanto, o calor de Brasil e Japão que aparecem subentendidas no
filme indicam sensações opostas. Enquanto o da nação japonesa dá um tom de
destruição iminente, o do Brasil se mostra em sentido oposto, transmitindo
agradabilidade. Tal fato se corrobora na personalidade do fazendeiro que surge
como uma das poucas personagens que ri e sorri na película. Se recordarmos as
informações de Donald Richie [1970, p. 109], que afirma que Ikimono no Kiroku tinha sido
inicialmente pensado para ser uma sátira que, aos poucos, ganhou tons mais
graves, culminando no longa com tons de tragédia, podemos pensar a figura do
fazendeiro do Brasil como um resquício do plano original de Kurosawa. De todo
modo, o contraste da expansividade dessa personagem com os ares taciturnos,
infelizes ou reflexivos das outras personagens corrobora a imagem do Brasil de
Nakajima, isto é, um local de segurança e bonança.
Desta
forma, Kurosawa apresenta dois pontos de vista presentes no Japão da época
sobre o exterior, representado pelo Brasil. A emigração surge, então, no centro
do debate de uma sociedade em crise, que acabava de sair do pós-guerra, mas que
ainda vivia com os temores das armas atômicas. Para nós, no Brasil, os retratos
da imigração japonesa que normalmente nos chegam são feitos por aqueles que de
fato realizaram a migração ou realizados pelo olhar da sociedade que os
recebeu. Desta forma, o filme de Kurosawa se revela um interessante ponto de
vista, que poucas vezes temos acesso, das relações nipo-brasileiras.
Referências
José
Carvalho Vanzelli realiza pós-doutorado [Estudos Literários] na Universidade
Federal do Paraná [UFPR]. É mestre e doutor em Letras [Estudos Comparados de
Literaturas de Língua Portuguesa] pela USP. Graduado em Letras
[Português-Japonês] pela USP. Autor do livro Portugal e o Oriente: Antero de
Quental – Camilo Castelo Branco – Eça de Queirós - Pinheiro Chagas [2021].
Suas pesquisas centram-se principalmente nos temas: Orientalismo;
representações do Japão nas literaturas de língua portuguesa; literatura
japonesa; e diálogos da literatura com outras artes e outras ciências humanas.
Filmografia
IKIMONO NO KIROKU.
Direção: Akira Kurosawa. Japão:
Toho Company Ltd, 1955. 1 DVD [103 min.], son., p&b.
Bibliografia
Bock. Audie. Japanese Film Directors. Tóquio, Nova Iorque
e São Francisco: Kodansha International, 1980.
Richie, Donald. The films of Akira Kurosawa. Berkeley:
University of California Press,1970.
Goodwin, James. “Akira Kurosawa and the Atomic Age” in Broderick Mick (Ed.) Hibakusha Cinema.
Hiroshima, Nagasaki and the Nuclear Image in Japanese Film. Londres e
Nova Iorque: Kegan Paul International, 1996, p. 178-202.
Prince, Stephen. The Warrior’s Camera. The Cinema of Akira Kurosawa.
Princeton: Princeton University Press, 1991.
Yoshimoto, Mitsuhiro. Kurosawa: film
studies and Japanese cinema. Durham: Duke University Press, 2000.
Bom dia, José Carvalho. Como amante dos filmes de kurosawa adorei sua pesquisa e temática envolvendo um dos filmes mais esquecidos do direitor. Gostaria de trazer alguns comentários, sobre a visão brasileira pelos japoneses, pois o Japão "moderno" retratado no filme é novamente evocado na história de Hiroo Onoda, o último combatente ativo do Império japonês que se rendeu na década de 1970 e eventualmente se muda do Japão para o Brasil, fugindo desse mesmo Japão claustrofóbico. Você acha que essa visão permanece ainda? O Japão ainda se vê como caótico ou a distancia temporal do "antigo" Japão ja afastou esta visão? Em segundo, gostaria de pontuar que a "loucura atomica" parece algo recorrente na obra de Kurosawa, visto o que acontece a Kane no já mencionado "Rapsódia em Agosto".
ResponderExcluirDouglas Pastrello
Douglas, muito obrigado pela leitura, pelos comentários e pela pergunta.
ExcluirDe fato, essa visão do Brasil não me parece algo isolado neste filme do Kurosawa, como você colocou. Agora, no que tange sua pergunta, eu posso te responder apenas baseado em alguma experiência pessoal/profissional que tive com japoneses. Bem, no que tange o tópico “segurança” (que no fundo é o que Nakajima busca no Brasil) creio que, ao longo da década de 80, junto com a inversão do fluxo migratório Brasil-Japão, foram os brasileiros que passaram a ter no Japão um referencial de segurança. Afinal, muito brasileiros nikkei foram (e vão) ao Japão (o movimento decasségui) atrás de trabalho, mas também em busca de segurança (para andar a noite, em qualquer parte da cidade, etc.). Por outro lado, conheci alguns japoneses que idealizavam o Brasil como um país de liberdade social, já que algumas regras sociais, relações hierárquicas e etiquetas de trabalho daqui permitem, de modo geral, uma menor formalidade do que lá. Ou seja, não desejam vir ao Brasil pelo Japão ser “caótico”, mas por ser “socialmente sufocante”. Ainda, para os japoneses que vêm pela primeira vez ao Brasil, costuma chamar a atenção a largura de algumas ruas e avenidas nas grandes cidades e a nossa noção de “perto”. Infelizmente, eu não conheço nenhum filme japonês recente que represente o Brasil e que pudesse ser usado para comparar com o que vemos nesta obra de Kurosawa. Seria ótimo se desse para fazer uma análise comparada desse ponto. O único que sei da existência se chama “Rio no wakadaisho”, mas é de 1968 e, pelos trechos que vi, mostra um Rio bem estereotipado (samba, bossa nova, maracas) e bem diferente do que vemos em Kurosawa.
Por fim, concordo com você. A retomada do tema da “Loucura atômica” 36 anos depois, em “Rapsódio em Agosto”, mostra como esse foi um tema que Kurosawa refletiu durante toda sua carreira. Mais uma vez, obrigado pelos comentários.
Abraço,
José C. Vanzelli