ENTRE EUROPEUS E TURCOMANOS: OS COSSACOS UCRANIANOS por Talita Seniuk


Este trabalho apresenta de modo sintético, como as irmandades cossacas ucranianas, durante o Medievo e a Idade Moderna defenderam a Europa das agressões do Império Turco-Otomano. Estrutura-se em dois tópicos, Ucrânia: da Pré-História ao Medievo e, Os cossacos, respectivamente. Figuram entre as referências bibliográficas autores consolidados na temática da história da Ucrânia como Sasse [2007], Skrypnyk [1966], Subtelny [2009] e Yekelchyk [2007], além de Quataert [2008] para subsidiar a discussão sobre o Império Otomano, entre outras obras que dialogam e complementam o assunto.

 

Ucrânia: da Pré-História ao Medievo

O estabelecimento de seres humanos onde atualmente é o território da Ucrânia assemelha-se com a história de outros povos e nações. Registros arqueológicos de aproximadamente 700 mil anos antes de Cristo, marcam a presença dessa existência na região; durante o Alto Paleolítico – 40.000 a 15.000 a.C. – tribos primitivas de caçadores coletores habitavam o norte do Mar Negro [YEKELCHYK, 2007]. E, por volta de 5.000 anos da mesma era, devido ao aprendizado da prática da agricultura, sedentarizaram-se.

 

Em seguida, a civilização agrícola primitiva mais conhecida, é a Cultura Tripiliana [Trypillian]. Datada entre 4.000 a 2.500 a.C., viviam em grandes povoações e tinha como característica agrícola o uso do arado de madeira; já possuíam também uma vida espiritual desenvolvida, segundo achados arqueológicos de cerâmicas ornamentadas [YEKELCHYK, 2007]. Apesar da importância desses registros históricos, existe uma cisão entre estudiosos – os que defendem e os que não – dessa cultura como os ancestrais dos ucranianos.

 

Posteriormente, foi o palco dos cimérios – 1.500 a 750 a.C. – vindos da Ásia Central e que devido ao seu estilo de vida de montaria nômade, difundiram o uso do cavalo e das ferramentas de ferro na região [YEKELCHYK, 2007]. Essa presença equina em solo ucraniano marcaria durante séculos o modus operandi do povo que por ali se desenvolveria. Logo, os citas substituíram os cimérios e fundaram novas povoações.

 

Com o crescimento das civilizações, em especial na costa do Mar Negro, surgiram postos comerciais gregos que comercializavam com os citas. E foram eles que detiveram em 513 a.C., a invasão do rei persa Dario I. Depois, expandiram seus domínios para o Oeste, até serem detidos pelo rei Filipe II da Macedônia em 339 a.C. Nesse interim, sármatas do Leste assimilaram os citas e se apoderaram de seu império; entretanto, aqueles que viviam na região da Crimeia resistiram até 200 d.C. [YEKELCHYK, 2007].

 

No milênio seguinte, godos, de origem tribal germânica investiram sobre os sármatas. E novas invasões do Leste também ocorreram: eram os povos turcos – hunos no século IV, búlgaros e ávaros no VI e cazares no VII [YEKELCHYK, 2007]. Os cazares dominaram a região norte do Mar Negro e as Montanhas do Cáucaso por aproximadamente dois séculos. Esta presença proporcionou um ambiente seguro para o desenvolvimento dos povos eslavos orientais, enquanto, ao mesmo tempo, o Império Bizantino se consolidava no Mediterrâneo.

 

Para Yekelchyk [2007], a presença dos cazares nessa região permitiu que ela servisse como uma “super estrada” comercial e cultural, entre Europa, Ásia e Oriente Médio, influenciando, inclusive, a Grande Rota da Seda da China. E outro elemento de destaque estava na fertilidade de seu solo, motivo de cobiça por todos que habitavam além das suas fronteiras [BURKO, 1963]. Controlar todas estas características trazia benesses e problemas.

 

Enquanto isso, nos limites atuais do centro-leste da Polônia e noroeste da Ucrânia, exatamente nas Montanhas dos Cárpatos, acredita-se que viviam os povos eslavos originais, nativos da Europa Oriental que seriam os verdadeiros ancestrais dos ucranianos, bielo-russos e russos [YEKELCHYK, 2007]. Apesar de não existir unanimidade entre os historiadores sobre isso, registros arqueológicos do século V apontam eslavos na Ucrânia, e mostram que houve uma intensificação de seus domínios até a área central no século VII. 

 

À medida que os cazares expandiam seu poder sobre a região Eurasiana, os eslavos se estabeleciam em maior intensidade no Vale do Dnipro, até serem obrigados a pagar tributos àqueles. Valendo-se de crises internas dos cazares e outras invasões externas, surge a presença massiva dos vikings na Ucrânia. Nasciam os contornos étnicos atuais de ucranianos, russos e bielo-russos com a implantação do Estado da Rus de Kyiv [BURKO, 1963].

 

O Estado Kyivano, liderado pelos vikinks, governou e unificou as tribos eslavas através da diplomacia e da força. A dominação, nem sempre pacífica, demonstrou seu poder ao repelir em 907 um ataque dos cazares, depois disso, houve o estabelecimento do comércio com o Império Bizantino. Em 988 – Volodymyr, o Grande – aceita o Cristianismo bizantino e o implanta em seu império. A proximidade comercial favoreceu a adoção de uma nova religião à Rus de Kyiv, antes predominantemente pagã [YEKELCHYK, 2007].

 

Principalmente sob o pretexto religioso – Volodymyr, o Grande – expandiu seus domínios para o oeste da atual Ucrânia e leste da Lituânia e casou-se com a irmã do imperador bizantino. Após a sua morte, algumas disputas internas entre familiares e invasões estrangeiras marcaram o Estado Kyivano. Seu filho – Yaroslav, o Sábio – reconquistou o poder ao se casar com a filha do rei sueco; fruto desse casamento, em pouco tempo tinha como genros os governantes da França, Noruega e Hungria [YEKELCHYK, 2007].

 

Embora a família tenha se tornado extremamente articulada e poderosa, fora ela mesma que atrapalhou a expansão do poder kyivano sobre o restante da Europa. Como as sucessões seguiam uma sequência diferente de outros reinados [não utilizando a primogenitura], a Rus de Kyiv se fragmentou em vários principados e feudos nas décadas seguintes [YEKELCHYK, 2007]; mesmo durante o reinado de Volodymyr II – 1113 a 1125 – que conseguiu certa autoridade política e florescimento cultural num cenário de decadência territorial.

 

Um fato histórico deste período que merece destaque e se consagra como a primeira agressão russa contra os ucranianos é o ataque do príncipe Andrei Bogoliubskii em 1169 contra a Rus Kyivana. A invasão contou com saques, pilhagens e incêndios em Kyiv, acabando com sua hegemonia enquanto centro político daquela região. Vale ressaltar que neste momento histórico, o príncipe não estava motivado por questões étnicas ainda, mas buscando restaurar as possessões de seu avô, Volodymyr II [YEKELCHYK, 2007].

 

Entre 1237 e 1240, os mongóis dominaram a Rus. Devido a vasta extensão de seu império e autoridade sobre inúmeros povos, entre eles algumas tribos turcas, ao chegarem até os eslavos orientais ficaram conhecidos como tártaros. Os mongóis sob as ordens do neto de Ghengis Khan – Batu Khan – cobravam impostos sobre a população, mas não interferiam muito no cotidiano das cidades [YEKELCHYK, 2007].

 

Enquanto isso, emergem três novos principados que derivaram politicamente de Kyiv: Galícia-Volínia [atual oeste da Ucrânia] em 1238, Vladimir Suzdal [parte europeia da Rússia, que posteriormente se chamaria Moscóvia] e Novgorod [norte russo]. Não muito tempo depois, como resultado da ingerência e novas invasões da Horda Mongol, o reino da Galícia é anexado ao da Polônia em 1378 e a Volínia ao da Lituânia [SEGRILLO, 2012]. É deste período que aqueles que viviam próximos a Kyiv passaram a ser chamados de rutenos [русини – rusyny – derivado de Rus] e os que viviam na atual Rússia, de moscovitas [SUBTELNY, 2009].

 

Os cossacos

Se o território ucraniano estava dominado por diferentes grupos étnicos no final da Idade Média, é preciso destacar que ao sul, surgia um novo inimigo: os tártaros. Para Yekelchyk [2007] os tártaros eram originalmente o povo turco que constituía o exército mongol no século XIII. Mas, os que viviam na Crimeia no final do século XV após a ocupação da Rus haviam se separado do enfraquecido Império Mongol.

 

Os tártaros da Crimeia tornaram-se vassalos do Império Otomano. Entre os anos de 1300 e 1683, tal estado partiu de um pequeno feudo para encontrar seu máximo esplendor. Nesse período, os otomanos dominavam da Península Arábica e das cataratas do Rio Nilo ao sul e, da região de Baçorá, no Golfo Pérsico até o Planalto Iraniano a oriente; a oeste quase até Gibraltar e claro, ao norte, até as estepes ucranianas [QUATAERT, 2008], lar dos cossacos. Sua presença compreendia também os mares Negro, Egeu, Cáspio, Vermelho e Mediterrâneo.

 

A partir do ano 1480, eles partiam das suas terras e invadiam e devastavam os territórios da atual Ucrânia. Além de alimentos, ferramentas e animais, outro objetivo desses assaltos era a obtenção de escravos para serem vendidos no Porto de Kaffa na Crimeia [SUBTELNY, 2009]. As consequências desses ataques inviabilizavam a vida por décadas, como se percebe no trecho:

 

“Por exemplo, de 1450 a 1586, oitenta e seis ataques foram registrados, e de 1600 a 1647, setenta. Embora as estimativas do número de cativos capturados em um único ataque tenham atingido até 30.000, a média foi mais próxima de 3.000. De qualquer forma, as perdas para os ucranianos eram sérias. Só em Podília, cerca de um terço de todas as aldeias foram devastadas ou abandonadas entre 1578 e 1583” [SUBTELNY, 2009, p. 106, tradução nossa].

 

Não obstante os ucranianos serem assaltados pelos tártaros ao sul, sob o jugo dos impérios polaco-lituano pelo norte e oeste, logo se depararam com diversos problemas sociais que faziam a vida ficar praticamente insustentável. Além das diferenças culturais com seus senhores, contrastava a questão religiosa: os poloneses eram católicos, enquanto os ucranianos, ortodoxos. Falta de terras, abuso de poder, preconceito e a servidão, logo passaram a alimentar um sentimento contrário às autoridades.

 

E aqueles que haviam fugido dessas mesmas condições para o leste, encontraram certa prosperidade. Apesar das invasões estrangeiras, existia liberdade e trabalho. Para Subtelny [2009] ainda que esses ucranianos tivessem que muitas vezes arar suas terras com a espada empunhada, foram mais autossuficientes e ousados, desenvolvendo habilidades militares que seus compatriotas de outras localidades não tinham. E, após duas gerações, seus filhos nunca haviam ouvido falar em servidão, e isso fez com que alimentassem a ideia de serem homens livres, sem dever obrigações a nenhum outro.

 

Como resultado desses contrastes, no sul das estepes ucranianas no século XV, começaram a formar grupos de pescadores, caçadores e até de saqueadores, entre eles, camponeses fugitivos da servidão que passaram a ser chamados de cossacos [козаки – kozaquê] [YEKELCHYK, 2007]. A origem da palavra remonta a palavra turca “kazak”, cujo significado é homem livre. Em seus primórdios, mulheres também faziam parte, logo, isso foi proibido e punível com a morte [OPANOVIC, 1966].

 

Geralmente utilizavam armas brancas e de fogo; como espadas, lanças, mosquetes, balestras e foguetes incendiários; machados, foices, pás e cordas complementavam as ferramentas [OPANOVIC, 1966]. Tais instrumentos demonstravam que o trabalho existia tanto em tempos de paz, quanto de guerra. Outra característica marcante, era a bravura. O historiador turco Mustafa Naima escreveu sobre eles:

 

“Reconhece-se abertamente que no mundo inteiro não se pode encontrar um povo mais corajoso. Eles não demonstram o menor medo de perder a vida, e ainda, muito menos da morte” [OPANOVIC, 1966, p. 16, tradução nossa].

 

Admitindo a importância bélica dos cossacos, ainda no XV, o Papa Inocêncio XI, escreveu para eles, articulando uma aliança em defesa da Europa Cristã, contra as investidas turco-otomanas [BURKO, 1963]. Além de apoio moral e religioso, 3 mil soldados cossacos deveriam receber subsídios financeiros e lutar sob as insígnias pontifícias. E a época, a Igreja Católica declarou através do Núncio Apostólico de Varsóvia: “os cossacos devem ser considerados como a melhor infantaria que possa existir contra os Turcos” [BURKO, 1963, p. 28].

 

Paralelamente, o rei da Polônia e o imperador da Áustria planejavam fazer o mesmo, entretanto, fazê-los lutar por suas bandeiras [BURKO, 1963]. No século XVI, os nobres poloneses perceberam que poderiam usar essa força militar autônoma conforme seus caprichos. Contratavam os cossacos para defender as fronteiras de seu império contra as ofensivas dos tártaros. E, muitas vezes, os cossacos se aventuravam nas estepes e no Mar Negro onde saqueavam e resgatam cativos ucranianos. Não demorou para serem reconhecidos como uma força militar que conquistou seu espaço através da força.

 

Exemplos de sua bravura e eficiência foram registrados, muito antes dos cossacos se organizarem de modo mais sistematizado. Construíram dezenas de barcos esguios [chamados de чайки – tchaikê] que levavam até sessenta homens e atacaram os fortes tártaros da Crimeia e otomanos da Turquia, ao longo do Mar Negro já em 1538 [SUBTELNY, 2009].  Não demorou muito para ficarem conhecidos tanto na Europa, quanto na Ásia.

 

Embora fossem considerados os homens livres das estepes ucranianas, havia uma rígida hierarquia dentro da irmandade cossaca, sendo agrupados em regimentos com quinhentos e até mil homens [OPANOVIC, 1966]. O poder era exercido por uma assembleia geral que todos participavam das decisões; a individualidade de cada guerreiro era enorme, mas subjugava-se a deliberação do grupo. Em momentos de guerra, o hetman [гетьман], reconhecido como o comandante militar da comunidade dispunha de poderes ilimitados como ditador [BURKO, 1963].

 

Com a construção da fortaleza de Zaporizhia Sich, entre 1552 e 1554, no Rio Dnipro pelas mãos de um herói, o soldado ortodoxo Dmytro Vyshnevetsky, que conseguiu unir diversos desses grupos sob seu comando; o Estado Cossaco, passou a ter uma distinção social diferenciada na Europa. Os reis poloneses, percebendo o poder que estes homens tinham, concederam-lhes direitos e liberdades que outros não possuíam e, claro, impuseram limites para o número de cossacos que poderiam existir [YEKELCHYK, 2007].

 

Em 1594, o império dos Habsburgos da Áustria, enviou para o Zaporizhia Sich um representante para negociar com os cossacos um ataque coordenado contra os otomanos na atual região da Moldávia. Fruto dessa viagem, o diplomata Eric Lassota Von Steblau, escreveu um livro intitulado “Habsburgos e Cossacos Zaporizhianos” [1975] em que descreve pormenorizadamente essa relação [SUBTELNY, 2009].

 

Difícil tolerá-los, pior sem eles, eram um mal necessário. Houve três grupos cossacos distintos durante o século XVII: aqueles que eram contratados pelo reino polonês, aproximadamente 3 mil homens; os da Zaporizhia; e aqueles que viviam nas fronteiras, espalhados em diferentes locais com o mesmo estilo de vida; estes dois últimos grupos totalizavam aproximadamente 50 mil homens [SUBTELNY, 2009]. Houve disputas entre os que trabalhavam para os poloneses, únicos que possuíam alguns direitos reconhecidos, e os demais, que por vezes, viviam na extrema pobreza.

 

Apesar dos cossacos registrados desfrutarem de certos benefícios perante a elite polonesa, e isso só devido a necessidade de sua força; os outros, que não tinham nenhum vínculo estabelecido passaram a ser reconhecidos como necessários a segurança europeia também. As constantes invasões dos tártaros demonstravam que apenas 3 mil homens não conseguiam frear as invasões. Não eram vistos como bandidos ou párias sociais, mas defensores de um território e de um povo, principalmente depois da destruição otomana na Hungria em 1529 e que quase capturou Viena [SUBTELNY, 2009].

 

Organizados, contratados pelos reinos europeus ou motivados por conta própria, seja na busca por vingança ou fortuna investiam contra seus inimigos. O próprio Império Otomano culpava os poloneses de não conseguirem controlar os cossacos, causando mal-estar entre os reinos:  

 

“As incursões cossacas contra os otomanos atingiram o ápice entre 1600 e 1620. Em 1606, os cossacos destruíram Varna, a fortaleza otomana mais forte do Mar Negro; em 1608, Perekop caiu em suas mãos; em 1609, eles saquearam Kilia, Ismail e Akkerman; em 1614, até então a intocada Trabizonda na Ásia Menor foi atacada; e em 1615 eles desferiram um golpe mais audacioso quando, à vista do sultão e uma guarnição de 30 mil homens, cerca de oitenta cossacos num barco conseguiram entrar no Porto de Constantinopla, queimá-lo e fugir. Em 1620, eles repetiram a mesma façanha. Enquanto isso, em 1616, Kaffa, o empório comercial escravocrata da Crimeia, foi tomada e milhares de escravos libertados” [SUBTELNY, 2009, p. 112, tradução nossa].

 

E não eram apenas exímios guerreiros nos mares. Expedições terrestres ágeis e estratégicas também figuravam como uma marca da atuação cossaca. O sultão otomano Osman II, enfurecido pela incapacidade de o governo polonês controlar seus “soldados”, investiu contra, com aproximadamente 160 mil homens, pelotão este que contava com vários tártaros da Crimeia. Tal fato ficou conhecido como a Batalha de Cecora, que aniquilou o exército polonês em 1620 [SUBTELNY, 2009].

 

Entretanto, em 1621, 35 mil poloneses lutavam na mesma guerra na região de Khotin, território ucraniano. Se não fosse a chegada de 40 mil cossacos que somaram forças, mais uma vez, a armada polonesa seria destruída [SUBTELNY, 2009]. O entrave se estendeu por um mês e resultou na negociação da paz, tendo os dois lados que ceder às vontades inimigas. Montados em cavalos e empunhando espadas, enfrentavam sem medo qualquer oponente.

 

Outras tantas incursões seguiram exitosas, mas em 1637 os cossacos conquistam o Mar de Azov [Azak, para os otomanos] [QUATAERT, 2008] e mais uma vez, reafirmaram seu poder bélico – terrestre e marítimo – perante seus velhos inimigos, que dessa vez, perdem sob o comando do sultão Murad IV. 

 

Devido ao seu sucesso nas batalhas e entraves com outros grupos europeus, os cossacos logo passaram a se enxergar como representantes do Cristianismo ortodoxo, perante seus senhores católicos e seus inimigos muçulmanos. Também se percebiam como defensores do seu povo no quesito étnico, pois os ucranianos viviam sob o jugo da servidão e como se não bastasse, das ofensivas tártaras/otomanas. Questões externas e internas alimentavam a motivação dos cossacos [SUBTELNY, 2009].

 

Considerações

Se para Sasse [2007] a Ucrânia foi o palco onde se efetivou de diferentes formas a articulação entre os impérios Habsburgo, Russo e Otomano enquanto atores externos, desprende-se disso de que, certamente, no mesmo cenário um dos principais protagonistas internos foram os cossacos. Não obstante em sua história terem deslocado sua concepção de inimigo, reconhecendo como tais ora poloneses, ora tártaros e turco-otomanos [BURKO, 1963], sua presença foi essencial em diversas batalhas para deter invasões estrangeiras.

 

Em tempos de paz, mercenários; em tempos de beligerância, essenciais. Sua estima, ou a falta dela, um dilema: relacionava-se conforme convinha para os governantes, em especial, para os poloneses. Reconhecidos como os homens da fronteira, assim a zelavam dos forasteiros enquanto seguiam suas vidas. Para Opanovic [1966] foram os responsáveis por trazer de volta a vida nas estepes ucranianas; a atuação dos cossacos, seja como homens da lei ou fora dela, ultrapassa os limites impostos neste trabalho e não se limita apenas na luta contra os tártaros ou o próprio Império Otomano. Eles participaram de inúmeras outras batalhas, que até alcançaram a contemporaneidade. 

 

Referências

Talita Seniuk é licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, em Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo e em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos; pós-graduada em Metodologia do Ensino de História e Geografia pelo Centro Universitário de Maringá e em Ensino de Sociologia pela Universidade Cândido Mendes. Coautora do livro As Ucrânias do Brasil: 130 anos de cultura e tradição ucraniana pela Editora Máquina de Escrever. Atualmente é pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa CNPq em Mídias, Tecnologias e História [MITECHIS] da Universidade Federal do Tocantins; Professora de História, Sociologia e Filosofia da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso; colunista do Jornal Ucraniano Pracia - Праця e colaboradora do Blog Exílio-migração política |humanidades digitais.

 

BURKO, Valdomiro. A Imigração Ucraniana no Brasil. Curitiba: [s. n.], 1963. [Livro]

 

LASSOTA VON STEBLAU, Erich. Habsburgs and Zaporizhian Cossacks: the diary of Erich Lassota von Steblau 1594. [translated by Orest Subtelny]. Colorado: Ukrainian Academic Press, 1975. [Livro]

 

OPANOVIC, Olena. The Cossack Republic. In: SKRYPNYK, Mary. Folk heroes of Ukraine. Toronto: The Ukrainian Canadian Press, 1966. [Livro]

 

QUATAERT, Donald. O Império Otomano: das origens ao século XX. Coimbra: Edições 70, 2008. [Livro]

 

SASSE, Gwendolyn. The Crimea question: identity, transition, and conflict. Cambridge: Harvard University Press, 2007. [Livro]

 

SEGRILLO, Angelo. Os Russos. São Paulo: Contexto, 2012. [Livro]

 

SUBTELNY, Orest. Ukraine: a history. Toronto: University of Toronto Press, 2009. [Livro]

 

YEKELCHYK, Serhy. Ukraine: Birth of a Modern Nation. New York: Oxford University Press, 2007. [Livro]

5 comentários:

  1. TALITA: De imediato posso afirmar que fiquei extremamente surpreso pela a História desse grupo de bravos guerreiros e ver a trajetória dos cossacos na Ucrânia e regiões. Parece de certa forma que a Ucrânia tem adotado uma espécie de "espirito cossaco contra os Russos no conflito que se arrasta entre Russia e UCRÂNIA. Eu sou da região do Sul do Paraná mais precisamente de São Mateus do Sul e já vi algumas apresentações culturais Ucranianas em União da Vitória, e percebi algumas danças que remete a Guerreiros da Ucrânia. Seriam essas danças tipicas algumas representações dos cossacos?.
    ATENCIOSAMENTE. ELOIS ALEXANDRE DE PAULA

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    1. Olá, Elois.
      Obrigada pelo interesse na temática e pela pergunta!
      Algumas dessas danças, como você afirma, são sim, representações dos cossacos ucranianos. São guerreiros exímios há tempos e ainda hoje, lutam pela nação. Existem diversos referenciais sobre eles, pena que a maioria ainda, em língua estrangeira. Também sou do Paraná, onde a presença da cultura ucraniana é bastante forte. Caso queira, podemos trocar ideias sobre a temática, através do email talitaseniuk@gmail.com
      Espero ter contribuído com a temática.
      Obrigada, Talita Seniuk.

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  2. Boa noite, primeiramente gostaria de parabenizar a autora pela excelente pesquisa, quando li o trabalho me veio um questionamento em torno da expansão otomana no leste europeu e os cossacos ucranianos, quando os otomanos anexaram territórios historicamente pertencentes aos cossacos houve sua integração ao império (incluindo em ordem militares)? Ou foram mantidos como povos dominados, comandados por estrangeiros? houve relação entre cossacos e otomanos além dos conflitos militares?(LUANA DE OLIVEIRA MATIAS)

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    1. Olá, Luana.
      Obrigada pelo interesse no assunto e pelos questionamentos.
      Em relação as perguntas, considerando meu conhecimento sobre os cossacos, afirmo que eles não se integravam ao império turcomano quando estes estavam de posse de um território que anteriormente pertencia à eles; certamente os regimentos recuavam para dentro das estepes europeias e depois de um tempo, empreitavam nova investida militar para recuperar aquilo que haviam perdido. Claro que as famílias que já estavam instaladas nessas regiões de beligerância, na maioria das vezes, apenas trocavam de senhores; pois toda sua vida estava presa à propriedade em questão. E como no caso dos regimentos cossacos serem compostos apenas por homens, que até possuíam pequenas propriedades, eles valorizavam essa liberdade característica do grupo e se agrupavam em regiões específicas, onde havia seus acampamentos, como foi o caso de Zaporizia. E ainda, outro fator que reforça essa questão era a identidade religiosa, que contrastava entre esses dois grupos, que se viam, por este viés, como inimigos mortais.
      Entretanto, imagino que dever ter ocorrido diversas interações entre os povoados que ficavam nessa fronteira, que era o palco das guerras entre cossacos e turcomanos, principalmente por aqueles que não participavam diretamente do conflito, até por uma questão de sobrevivência. Mas desconheço um exemplo agora para citar.
      Caso queira, podemos trocar ideias sobre a temática, através do email talitaseniuk@gmail.com
      Espero ter contribuído com a temática.
      Obrigada, Talita Seniuk.

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