Introdução
A virada do
século XIX para o século XX configurou uma série de mudanças até então sem
precedentes na península coreana. O fim da dinastia Chosŏn [1392 - 1897] e a
consequente anexação do território pelo Japão, primeiro como uma espécie de
protetorado, e depois como parte do território do Império japonês, trouxe uma
série de transformações a uma terra reconhecida por uma sociedade que
valorizava a estabilidade expressa pelos valores neoconfucionistas e uma
política que minimizava o contato com outras nações [Macedo, 2018].
Em um
período de poucos anos a Coreia passou de um reino estável a um território
cobiçado por diferentes nações e, por fim, a uma colônia do Japão. Foram mais
de 40 anos de ocupação japonesa, nunca estáveis, permeados por uma série de
revoltas populares, bem como diferentes níveis de recrudescimento da violência
e das formas de opressão. A sociedade coreana, ao longo desses anos, precisou
se ajustar às novas realidades impostas pelos novos agentes, vetores de uma
nova realidade. Os coreanos viriam a ter contato com novos valores, que
suscitariam conflitos com a filosofia vigente na antiga Chosŏn, e acima de
tudo, seriam forçados a lidar com a sua condição de colonizados, subjugados por
uma nação que a princípio tentou valer-se das supostas afinidades partilhada
entre “vizinhos”, mas que não tardou em impor sua autoimagem de superioridade,
promovendo uma série de restrições ao cidadão coreano, inclusive ao direito de
usar sua própria língua.
O período
colonial foi marcado por uma série de iniciativas de cunho independentistas,
das quais destaca-se o Samiljeol,
também conhecido como o Movimento de Independência de Primeiro de Março,
acontecido em 1919. Um movimento que, embora não tenha resultado na
independência da colônia, configurou um esforço que extrapolou as fronteiras da
península, lançando uma conscientização a respeito do que se passava no
território e inspirou outras iniciativas ao longo dos anos [Podoler, 2005, p.
138]. A forte repressão japonesa ao movimento ditaria a tônica da segunda
metade da ocupação no território coreano [Devine, 1999].
Com o fim da
colonização japonesa, após a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial, a
Coreia teve a sua Libertação e mergulhou numa verdadeira crise interna,
novamente provocada por anseios que advinham de nações externas. A península
coreana entre o fim da década de 1940 e o início da década de 1950 foi palco de
uma luta que tinha como discurso a defesa ou o combate aos valores comunistas e
socialistas representados pelas potências URSS e EUA, mas que no fim das contas
resultou na cisão de seu território e na morte de milhares de seus cidadãos
[Macedo, 2018].
Em que pese
a noção de que a literatura é uma expressão estética que se sustenta apesar da
contextualização histórica, o presente texto pretende elucidar algumas
correntes e temáticas presentes na produção literária coreana no século XX
tendo como pano de fundo o contexto histórico marcado pela colonização japonesa
e a Guerra da Coreia. Entre a literatura produzida durante e após esses marcos
é possível perceber tendências discursivas, tópicas e estéticas cuja
compreensão só tem a ser enriquecida quando analisada em consonância com uma
concepção historicamente informada:
“A ascensão
da literatura coreana moderna, então, deve ser entendida dentro do contexto
histórico de um movimento incipiente em direção à modernização da sociedade, da
queda da ordem sociopolítica tradicional e da experiência amarga da colonização
japonesa. Ao fim do século XIX, condições sociais e culturais já estavam em
curso para a expansão do letramento: livros e jornais utilizando a escrita
coreana, ao invés do chinês clássico (que havia sido o padrão da escrita no
período Chosŏn), se espalharam de tal forma que o coreano escrito passou a ser
mais acessível ao leitor comum. Mais ainda, com o influxo de cultura moderna
ocidental e as instituições da sociedade burguesa vieram novas formas de
interpretar o mundo e o lugar do indivíduo nele. A ascensão da literatura
coreana moderna deve-se muito ao interesse recente na subjetividade do
indivíduo e no valor do comum.” [Taizé, 2005, p. 6, tradução nossa]
Ausência e fragmentação na poesia coreana [1920-1937]
Entre as
diversas expressões literárias que florescem na Coreia no século XX, a poesia é
indiscutivelmente um destaque pela sua capacidade de mobilizar as mais diversas
temáticas a partir da sensibilidade de artistas em perfeita harmonia com os
sentimentos que ebuliam na época. Muitas chaves de leituras podem ser
referenciadas ao se tratar da poesia dessa época. Neste trabalho optamos por
singularizar alguns poetas de expressão nacional que deixaram sua marca na cena
artística coreana e que nos ajudam a compreender de que forma a angústia
advinda da colonização japonesa estavam expressas.
Durante a
década de 1920, um dos poetas de maior destaque é o jovem Kim Sowŏl
[1902-1934], que reflete na sua poesia o sentimento face ao aumento do aparato
opressor do governo japonês. A onipresença do Estado Japonês em todos os
aspectos da vida do povo coreano suscitam um generalizado sentimento de perda
na poesia da época, expressa através das metáforas da perda do lar ou da amada,
como símbolo da perda da identidade nacional. Kim Sowol apela em sua poesia
para o inconsciente coletivo da época a partir de imagens que remetem a um
sentimento de perda, embebidas numa atmosfera de anseio constante por aquilo
que um dia lhe pertenceu e agora só resta a saudade [Taizé, 2005, p. 12].
O poema Rostos esquecidos nos convida a
contemplar o tema da ausência, tão presente na pena do autor: “Vem o sono ao
fim do pensamento // Ao fim da saudade o esquecimento // Por isso, não digas
mais nada, quando este chegar // Não conheço mágoa que não tenha // as marcas
de um rosto esquecido” [Im, 1993, p. 32]. A ausência aqui explicitamente
evocada a partir da figura da saudade de um rosto esquecido, distante no
passado, pode ser relacionada ao esquecimento da própria liberdade do povo
coreano. O título faz referência a “rostos”, no plural, e o eu-lírico diz que
ao fim da saudade há o esquecimento, o que nos remete a uma atividade
recorrente, rostos, que representam um passado longínquo, são constantemente
esquecidos, assim como valores e sentimentos caros aos cidadão coreanos que são
apagados com o passar do tempo, mesmo que deixem a saudade expressa no poema.
Outros
poemas de autoria de Kim Sowŏl, como Azaléias,
Sonhos e Inesquecível, expressam a temática da ausência provocadas pela
iminente separação do eu-lírico e o objeto de sua afeição, um descolamento que
está sempre expresso em seus versos e que culminam num constante estado de
perda, de saudade, de esquecimento. Essa relação entre a voz do poeta e a
ausência abre possibilidades para inúmeras interpretações, mas o que tem se
consolidado é a leitura a partir de um dos sentimentos da época, o de inação
perante o opressor, que se expressa a partir de versos que remetem a um anseio
por aquilo que foi perdido.
Outro
desdobramento da segunda metade do período colonial é a experimentação na
linguagem aliada a um desejo de estabelecer uma voz coreana a partir da língua
e da escrita nativa. Uma das principais práticas de opressão adotadas pelo
governo japonês foi a da censura ao uso da língua e da escrita coreana. O
ensino do coreano foi proibido nas escolas e aquele que fosse pego falando em
coreano em público também era severamente punido. A escrita coreana, o alfabeto
Hangul, não era difundida no território que adotava o uso dos caracteres
chineses, mas a partir das primeiras décadas do século XX o que se vê é uma
intensificação do ensino e do uso desse alfabeto, que acaba adquirindo um
símbolo de resistência perante as imposições japonesas.
O uso do
alfabeto coreano e os sentimentos promovidos por essa existência indefinida
entre colonizado, entre coreano e “japonês”, manifestam-se na literatura
através de uma fragmentação do sujeito,
que atinge o seu ápice na poesia de Yi Sang [1910-1937]. O poeta de vanguarda
adotava um estilo inusitado, utilizando de elementos visuais não-convencionais
para a época, como o uso de números, formas geométricas, linhas, pontos etc., o
que demonstra um interesse em romper com as convenções da forma poética vigente
até o momento. A seguir temos um exemplo de como isso se dava nos poemas nº 4 e
5 da série Olho de corvo:
Fonte:
https://bbs.ruliweb.com/community/board/300148/read/34674544
O eu-lírico
de Yi Sang consiste num alguém inconformado com a sua condição, sempre
questionando a sua realidade e a sua existência enquanto sujeito. Essa temática
da reflexão acerca da subjetividade está expressa em um dos poemas mais
conhecidos do autor, que funciona como uma espécie de texto-base para a
interpretação da obra de Yi Sang. Em Espelho
[1934], diz o poeta:
“Nãohásomdentrodoespelho
Nãodevehavernenhumoutromundotãosilenciosoassim
Dentrodoespelhotambémtenhoorelhas
Duaspobresorelhasquenãoentendemoqueeudigo
Oeudentrodoespelhoécanhoto
Umcanhotoquenãorespondeaomeuapertodemãosquenãoconheceapertodemãos
Eunãoconsigotocaroeudoespelhoporcausadoespelho
Massenãofossepeloespelhocomoeuteriaaomenosconhecidooeudoespelho?
Eunomomentonãotenhoespelhomasdentrodoespelhohásempreoeudoespelho
Nãoseimuitobemmasdeveestarabsortoemalgumtrabalhocanhoto
Oeudoespelhoébemoopostodemimmastambémseparecebemcomigo
Ressinto-memesmodenãopodermepreocuparemexaminaroeudoespelho”
[Im, 1993, p. 60]
A tradução
para o português adota um estilo que remete à sintaxe adotada pelo poeta no
original coreano. Ao escrever sem delimitar as palavras, numa nova configuração
do fluxo de consciência, o poeta borra os limites do significante e abre um
horizonte de interpretações múltiplas. Uma marca de Yi Sang, essa sintaxe
truncada muitas vezes dificultou a leitura de sua poesia, que foi recebida na
época com duras críticas por uma parcela do público leitor [Yi, 1999]. No
espelho de Yi Sang, significante e significado unem-se para exprimir uma
existência isolada e desolada, um sujeito fragmentado, em dissonância com o seu
entorno e que recorre a elucubrações internas para a procura de um sentido para
a sua existência. O espírito da juventude coreana sob a colonização japonesa
encontra em Yi Sang a representação de sua existência fracionada, dividida
entre a revolta e a insuficiência. Uma geração que teve um levante de
independência frustrado e que vê nas artes e, acima de tudo, na literatura uma
forma de expressar esse sentimento de não-pertencimento, de não-cabimento
dentro de si devido ao peso gerado por tais frustrações.
Luto e melancolia na literatura pós-colonial coreana
[1945-1970]
Em seu
ensaio sobre luto e melancolia, publicado em 1917, Freud desenvolve uma série
de reflexões que buscam distinguir esses dois conceitos tão próximos de si e,
frequentemente, compreendidos como se fossem o mesmo episódio da psique humana.
Enfatizando que seu ensaio não tem respostas definitivas nem universais, mas
sim elaborações que são frutos de observações clínicas, ele afirma que o luto e
a melancolia são comumente confundidos por apresentarem dois estados
semelhante, no qual a pessoa apresenta uma dolorosa apatia, falta de interesse
pelo mundo externo, incapacidade de demonstrar afeto e abandono de suas
atividades. A diferença está na diminuição da autoestima da pessoa melancólica:
“O
melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto: um extraordinário
rebaixamento da autoestima, um enorme empobrecimento do Eu. No luto, é o mundo
que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu. O doente nos
descreve seu Eu como indigno, incapaz e desprezível; recrimina e insulta a si
mesmo, espera rejeição e castigo. Degrada-se diante dos outros; tem pena de
seus familiares, por serem ligados a alguém tão indigno. Não julga que lhe
sucedeu uma mudança, e estende sua autocrítica ao passado; afirma que jamais
foi melhor. O quadro desse delírio de pequenez — predominantemente moral — é
completado com insônia, recusa de alimentação e uma psicologicamente notável
superação do instinto que faz todo vivente se apegar à vida.” [Freud, 2009, p.
130]
Freud
explica que isso se dá porque a ausência do objeto, que pode ser tanto uma
pessoa amada quanto “uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade,
um ideal [...]” não está bem resolvida em um quadro melancólico. Não há
certezas sobre o que se perdeu, quanto, como e se há retorno, enquanto que no
luto, o que se perde é inteligível. Tendo a morte, factual ou simbólica, como
algo irrevogável, a pessoa enlutada consegue superar esse período ao transferir
seu afeto para outro objeto de desejo. Dessa forma, a melancolia persiste,
oscilando entre a tristeza e euforia, pois não há transferência para um novo
interesse enquanto aquilo que falta não for superado.
Não iremos
nos aprofundar nas demais elaborações freudianas – apesar de
ser relevante pontuarmos que, na contemporaneidade, já se entende que o que
Freud chamava de melancolia é o que denominamos de depressão –, mas partir
do que já foi exposto para compreender como essa condição de luto e melancolia
se faz presente na literatura pós-colonial coreana, representando a
subjetividade e polarizações de um povo em processo de resgate de uma
identidade fragmentada.
Na década de
50, conforme Taizé [2005], a literatura coreana foi marcada pela tentativa de
mostrar, por meio do sofrimento psíquico individual, os reflexos de uma
sociedade devastada pela guerra. O sentimento de liberdade e a vontade de
resgatar os preceitos coreanos após a liberação do país do domínio japonês
entra em conflito com a angústia e desesperança causadas por um governo
polarizado que culminou em uma nova guerra [Guerra das Coreias, 1950-1953].
Como resultado, o país foi dividido entre Norte e Sul e o regime sul-coreano se
apoiou em uma plataforma conservadora que mantinha reminiscências que a
estrutura japonesa inseriu na sociedade, dificultando a superação de traumas e
desolação do período colonial.
Esse
conflito melancólico de uma pátria perdida em resgate de sua identidade está
presente no trabalho de autores importantes no cenário literário de época, como
Sŏ Chŏngju [1915-2000], poeta notável do período que, como uma espécie de fuga
de uma realidade trágica, recorre à criação de um espaço mítico-literário
simbolizado por “Silla” para atingir paz e humanidade. Yu Chi-hwan [1908-1967] e
Pak Mog-wŏl [1916-1978] vão se utilizar da língua coreana para trazer beleza,
lirismo e estética em seus poema. Por meio de elementos da natureza, eles vão
resgatar antigos valores coreanos em contraponto à uma vida vazia e sem
significado. Mais poetas da época vão mostrar em seus trabalhos essa busca
incansável do que se perdeu, sendo que cada autoria trará sua própria leitura
do que se falta e do que preenche essa ausência, o que responde aquilo que não
se sabe exatamente como perguntar.
Na ficção,
nomes célebres como Choe Inhun [1936-2018], Kim Seungok [1941-] e Yi Cheong-jun
[1939-2008] vão fazer uso desse recurso literário na criação de histórias com
personagens feridos e esperançosos que, ao mesmo que denunciam as barbáries de
uma guerra, se questionam sobre o que fazer com aquilo que sobrevive, a ruína que permanece como sinal de
devastação, mas também de que há pelo que lutar. Yi Cheong-jun, por exemplo:
“[...] uma
espécie de ‘palavra-sonho’ estruturada em torno da esperança, do amor e do
perdão, da liberdade individual e da verdadeira libertação. É também uma
maneira pela qual a vida manifesta sua totalidade harmoniosa. Para trazer esta
‘palavra-sonho’ à vida, Yi Cheong-jun luta com oposições de liberdade e
opressão, misericórdia e vingança, o ideal e o real, a verdade de um indivíduo
e as visões mantidas por uma coletividade, e luta para reuni-los em sua
imaginação. Com experimentos na forma, ele bate incessantemente às portas de
novos mundos. Sua ficção sonda a essência invisível da existência ao invés de
permanecer em sua superfície; ele emerge de suas profundezas com preciosos
símbolos que fornecem pistas para a compreensão do princípio e do valor da
vida.” [Taizé, 2015, p. 45, tradução nossa]
Considerações finais
Esperamos
que esse trabalho fomente reflexões acerca dos conflitos de uma época que ecoam
intrínseca e extrinsecamente na arte e literatura coreana no período
pós-colonial A literatura não é obrigada a representar fidedignamente fatos
históricos. Ela pode ou não recorrer a eventos factuais, mas é imperativo
compreender a riqueza de sentidos que se encontram na estética e abstração de
uma obra. É nas linhas ficcionais que conseguimos nos relacionar com o que
raramente é documento: as angústias, dilemas e subjetividade de um contexto social.
Referências
Suéllen
Gentil é mestranda no Programa de Pós Graduação em Letras, na linha de pesquisa
de Tradução e Cultura, da Universidade Federal da Paraíba [UFPE] e pesquisadora
associada da Coordenadoria de Estudos Asiáticos [CEÁSIA], vinculado ao Centro
de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco [CEA-UFPE].
Alexsandro
Pizziolo é mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na linha de pesquisa Linguagem, sentido
e tradução, no Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro [PUC-Rio] e bolsista CAPES.
DEVINE,
Richard. Japanese Rule in Korea after the March First Uprising. Governor
General Hasegawa's Recommendations. Monumenta Nipponica, v. 52, n. 4, p.
523–540, 1997.
FREUD,
Sigmund. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos In
obras completas Vol. 12. Companhia das Letras.(1914-1916), 2009.
IM, Yun
Jung. O pássaro que comeu o sol: poesia moderna da Coréia. São Paulo: Arte
Pau-Brasil, 1993.
IM, Yun
Jung. Por uma tradução cultural da poesia: um olhar sobre o Extremo Oriente.
1995. 158 f. Tese (Doutorado) - Curso de Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.
MACEDO,
Emiliano Unzer. A Montanha e o Urso: uma história da Coreia. Columbia & San
Bernadino: Amazon Independent Publishing, 2018.
NAM-HO, Yi
et al. Twentieth-Century Korean Literature. Norwalk: EastBridge, 2005.
PODOLER,
Guy. Revisiting the March First Movement: on the commemorative landscape and
the nexus between history and memory. The Review Of Korean Studies, Seongnam,
v. 8, n. 3, p. 137-154, 2005. Disponível em: https://www.aks.ac.kr/cmm/fms/FileDown.do?atchFileId=BSRC_000000000004456&fileSn=0.
YI, Sang.
Olho-de-corvo: e outras obras de Yi Sáng. Tradução de Yun Jung Im. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1999.
TAIZÉ,
Brother Anthony. (ed.). Twentieth Century Korean Literature. Norwalk:
EastBridge, 2005.
Oi Alexsandro, Suéllen!
ResponderExcluirGostei muito da relação que vocês fazem entre um texto de referência da área de psicanálise com Freud e o sentimento de desolação que a sociedade coreana está passando nesse momento histórico reproduzido através da literatura. Essa correlação literatura e psicanálise é muito trabalhada, mas ainda não tinha visto um texto que trouxesse essa relação para a literatura coreana [deve haver, só ressalto que este foi o primeiro que li]. Acredito que é uma área que tem muito a ser explorada.
Vocês trazem um texto de um escritor austríaco e trabalham uma literatura coreana. Fico me perguntando se existem teóricos psicanalistas orientais que eu não conheço - acredito que isso poderia trazer uma complexidade maior ao texto. Até para pensar questões significativas como o orientalismo. O sentir é único no mundo todo ou perpassa valores morais, culturais, éticos, sociais? Lacan também seria outro teórico que poderia ajudar a aprofundar melhor o tema uma vez que ele trabalhou diretamente literatura e psicanálise.
Pensando nesses poetas me veio a mente um livro mexicano chamado "Os detetives selvagens" que dialoga um pouco com essa sensação de desolamento de uma geração. Acho que pensar o texto como unidade também seria outro elemento importante de revisão. =)
Gostei bastante do texto e principalmente da ideia do texto. Espero ver mais produções de vocês. No que precisarem, estou a disposição.
Maria Clara Pessoa de Moraes
Olá, Maria Clara!
ExcluirMuita obrigada por seus apontamentos e por ter se disponibilizado em fazer uma leitura atenta ao nosso texto. Eles serão considerados e refletidos quando pensarmos em um aprofundamento deste trabalho.
Acerca das questões levantadas, existem inúmeras perspectivas pela qual a literatura coreana poderia ser analisada. Aqui, pensamos a perspectiva Freudiana pela relação desta condição melancólica e enlutada com o contexto do período pós-colonial coreano, especialmente ao observarmos a característica marcante do sentimento de perda e do resgate de uma identidade fragmentada. Mas, certamente, essa é uma possibilidade válida dentre um vasto conjunto de possibilidades.
Como pesquisadores que observam e estudam uma cultura estrangeira, é imprescindível, como você bem apontou, o cuidado para não cairmos em análises orientalistas ou reducionistas. Em nosso estudo, isso foi possível ao fazermos uma análise atenta da literatura coreana por meio da aplicação dos conceitos, e não da visão freudiana sobre a sociedade sul-coreana, o que nem seria possível visto que Freud não se debruçou nessa temática. A voz principal é a arte e literatura do período, sobre a qual recorremos a uma série de autores/as coreanos/as para nossa pesquisa, e os conceitos freudianos vem para embasar nosso argumento. É fato que o texto sempre vai nos atravessar como estrangeiros em algum ponto, mas é essa leitura e pesquisa atenta que nos permite "reduzir os riscos".
Outro ponto muito interessante que você trouxe é fazer essa relação por meio de autores/as coreanos/as que se debrucem sobre a psicanálise. Aqui é importante pontuar que a psicanálise tem sua origem com Freud e vai se difundindo, primordialmente, no que chamamos de "ocidente" até atingir o que chamaríamos de "oriente" (as aspas são para mostrar que uso esses termos apenas para simplificar o raciocínio. Sabemos que eles são problemáticos). Mas sendo um movimento não-linear, a psicanálise, majoritariamente, vai partir dessas bases ocidentais em qualquer lugar, por mais que se hibride com influências regionais. O site do IPA (International Psychoanalytical Association), responsável por difundir e regular a prática psicanalítica no mundo, informa que o KIPSA (the Korean Institute for Psychoanalysis) foi criado em 1980, ou seja, é uma prática relativamente recente no país. Contudo, há acadêmicos que se debruçam sobre esse objeto, mas eles vão fazer uso desses conceitos "ocidentais" bases e consolidados para suas análises. Inclusive, se for do seu interesse, existe um trabalho interessantíssimo de Eunjoo Choa e Ou-Byung Chaeb chamado Nationalism, Mourning, and Melancholia in Postcolonial Korea and Japan, que traz com mais profundidade, por meio da análise de duas obras, o que levantamos em nosso texto de forma mais breve.
Lacan é um excelente sugestão e entra naquilo que já pontuei no primeiro ponto. É uma das possibilidades. Quem sabe, em um trabalho futuro? :) Assim como a relação dessa arte e literatura com a filosofia característica do período, como o neo-confuncionismo, o budismo e o taoísmo.
Obrigada mais uma vez e também estamos à disposição.
Suéllen Gentil
Sobre
Olá, Suéllen e Alexsandro!
ResponderExcluirGostaria primeiramente de parabenizá-los pelo texto necessário sobre a literatura coreana, principalmente no que tange o diálogo entre e estética e história.
Tenho duas perguntas - são mais comentários, pensando talvez numa expansão do que vocês já postularam no texto: 1) vocês observam essas características mais fortemente na poesia, onde mora a maior parte dos exemplos que vocês trouxeram, ou também na prosa coreana? E 2) vocês conseguem enxergar uma possibilidade de relação entre a característica freudiana de Luto e Melancolia com o "espírito Han" coreano?
Abraço e fortaleço os parabéns ao texto!
Maria Gabriela Wanderley Pedrosa
Muito obrigado pelos comentários. Vou responder à sua primeira pergunta. Suéllen vai responder à segunda. Acredito que é possível sim denotar esses aspectos da literatura coreana tanto na poesia quanto na prosa e até em outros gêneros, como teatro. A questão da utilização dos exemplos tem muito a ver com o que tem traduzido para o português e as leituras que os autores que utilizamos como referencia identificam. Aproveitamos a oportunidade para trazer exemplos de autores que não são discutidos nos trabalhos escritos em português. Como você destacou, tentamos relacionar estética e história e com a poesia isso se mostrou bastante proveitoso para a natureza do texto.
ExcluirAlexsandro Pizziolo
Olá, Maria Gabriela!
ExcluirMuito obrigada pela leitura e comentários!
Respondendo sua interessante colocação, eu diria: sim e não. Explico:
Han é de dificílima definição. Aqui, vou trazer uma das diversas perspectivas. O professor de história coreana da Universidade de Cambridge, Michael Shin, afirma que Han vem do contexto de guerras, colonização e opressão que a população coreana enfrentou por séculos. É a ira e a dor. Um ressentimento não resolvido em face das injustiças sofridas, ao mesmo tempo que é angústia e arrependimento, perda e fragmentação. A dificuldade de definir Han vem de sua não-vivência. Em linhas muito superficiais, só sabe o que é Han quem viveu o Han, ou seja, quem faz parte desse contexto sócio-político-histórico da Coreia da Sul. Aos externos, resta uma tentativa de aproximação, equivalência, sem contudo atingir sua essência. Dessa forma:
- Sim, como pesquisadores estrangeiros e em como o entendimento de Han nos atravessa e se relaciona com nossas próprias vivências e discursos, é possível ver que Han tem forte relação com a melancolia e o luto, pelo sentimento de perda, angústia e não-resolvimento. O próprio professor Shin afirma que Han vem sendo explorado ao longo do tempo nas obras sul-coreanas, ainda mais fortemente na cultura pop, com o avanço da Hallyu e a difusão de dramas, músicas e livros do país. Achei muito interessante que você ter levantado esse ponto e levaremos em consideração desenvolvê-lo em um futuro aprofundamento do texto.
- Não, como pesquisadores estrangeiros, pela inatingibilidade da vivência coreana. Por mais que façamos uma pesquisa aprofundada, cuidadosa e atenta, como não-corenos, sempre haverá um lugar que a gente não alcança. É possível tentar uma aproximação partindo das nossas próprias vivências semelhantes, sendo o Brasil um país colonizado e permeado por diversos movimentos opressores, mas Han parte de uma vivência única, complexa e externa, e isso deverá estar em mente em qualquer tentativa de abordá-lo.
Muito obrigada mais uma vez!
Suéllen Gentil
Oi Suéllen e Alexsandro!
ResponderExcluirGostei muito da forma como vocês relacionam memória, estética e história. Pensar obras como microcosmos de um tempo sempre pode trazer ótimas análises e questionamentos, e acho que vocês pincelaram muito bem não só o contexto, mas o próprio sentimento que assola as produções desse período.
Lembro vagamente que o Ricouer trabalha com uma noção de rastros para tratar de memória, esquecimento e história [também] em literatura e fiquei pensando que essa questão da inação e a tentativa de resgate de identidade que vocês mencionam pode se relacionar com os rastros que evocam uma memória rica e ao mesmo tempo frágil, porque esse trabalho parece ser também um trabalho de criação de significação e também de luto - faz sentido? Estou mais pensando alto mesmo... seu texto me deixou pensando que essa criação literária tem uma preocupação com o que ocorreu no passado, mas que só se completa na exigência de um momento presente para, talvez, (re)agir.
Gostei muito mesmo, espero ver mais produções de vocês :)
Vitória Ferreira Doretto
Olá, Vitória. Acho que faz total sentido a relação que você faz entre o que diz o Ricouer sobre a questão da memória ser um rastro. A noção de memória enquanto produção também nos é muito cara, principalmente nessa questão de elaboração do passado a partir da literatura, e aí podemos citar uma série de teóricos que trabalham a memória desde Halbwachs, Nora Oi mesmo Catroga mais recentemente. Esse trabalho foi um primeiro exercício de pensar essas questões de memória associadas à literatura coreana, mas certamente faremos isso de maneira mais profundas em outras oportunidades. Muito obrigado pelo comentário!
ExcluirAlexsandro Pizziolo
Suéllen e Alexsandro, parabéns pelo seu trabalho!
ResponderExcluirEle nos traz questões muito interessantes sobre a relação entre o povo coreano, a sua dominação por parte dos japoneses em sua empreitada imperialista e as estratégias encontradas pelos primeiros em se expressar neste cenário adverso.
É justamente este ponto que me fez pensar enquanto li o artigo de vocês e queria uma consideração de ambos: os japoneses tiveram uma experiência parecida, enquanto imigrantes em território brasileiro, em que foram proibidos de ensinar, estudar, falar e escrever em sua língua nativa durante o período da Segunda Guerra Mundial por ordem do presidente Getúlio Vargas.
Eles encontravam maneiras de continuar com estas práticas durante a ilegalidade e, quando descobertos, eram duramente reprimidos. Isto afetou a relação entre japoneses e brasileiros nos anos seguintes, causando uma ferida considerável.
Como vocês acham que estas questões afetaram a relação entre os dois povos posteriormente, já que os japoneses experimentaram daquilo que causaram aos coreanos? Houve mais manifestações artísticas para além da literária que explicitasse isso no período?
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior
Boa noite, Ronaldo. Muito obrigado por sua leitura e sua pergunta. Acredito que a sua pergunta é muito pertinente e certamente deve haver elementos que façam referência a esses pontos que você trouxe na literatura nipo-brasileira ou mesmo japonesa produzida no Brasil. Em comparação com a literatura coreana por nós analisada nesse texto, uma diferenciação que é importante fazer é o local de produção e os meios de circulação dessa literatura. A literatura coreana da qual estamos falando é produzida por coreanos em sua terra natal, que é atravessada pelo fenômeno da colonização, mas que encontra na literatura um dos meios de resistir às opressões que sofria. Muito da literatura dessa época foi produzida em japonês, mesclando as formas de escrita do chinês, do japonês e do coreano (lembrando que o uso do hangeul não era consolidado), então há uma série de meios de burlar isso através da linguagem.
ExcluirEu, particularmente, não sou tão familiarizado com a história da comunidade japonesa no Brasil, mas acredito que não seria errado afirmar que a situação deles em relação a língua local era outra, porque aqui eles não tinham como promover essa experimentação com a linguagem, além de não terem contato com os meios de produção e distribuição dessa literatura. Não pesquisei a respeito, mas penso que dificilmente um livro escrito por um japonês teria sido publicado no Brasil na época do governo de Vargas. Talvez é possível que textos fossem publicados em jornais organizados pela comunidade japonesa no Brasil, mas isso é apenas achismo meu. Talvez seja um bom objeto de pesquisa a ser realizado no futuro.
Certamente, eu penso que a literatura nipo-brasileira que veio a ser publicada posteriormente com certeza foi impactada por esses aspectos, principalmente com reflexões acerca do que é ser estrangeiro, o que é ser japonês, como as gerações atuais se relacionam com as suas origens e o passado de seus antepassados tanto no Japão quanto no Brasil.
Alexsandro Pizziolo
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