Uma parcela significativa dos discursos
ocidentais sobre o Japão moderno se alicerçou a partir de narrativas de cunho
turístico, literário, estético e militar que vão do estranhamento (do grego atopia) ao maravilhamento, confrontando
aspectos do olhar anglo-francês sob a ótica de “dominação/civilização”
naturalizada em outras regiões como no Oriente Médio, Índia e China. A priori a localização geográfica, o fim
do isolamento voluntário (do jap. sakoku) e a escassez de narrativas atualizadas
sobre o país, criaram expectativas e questionamentos sobre o que viria a ser
aquele diminuto arquipélago em meados do século XIX. A(s) resposta(s) foi(ram)
se construindo pari pasu à
(re)abertura do país a partir de fatos históricos singulares, entre eles um
processo de ocidentalização “esquizofrênico” que acabou por influenciar a maneira como interpretamos o Japão até os
dias de hoje. Dessa forma, aspectos pontuais (diplomacia, fotografia e guerra)
do processo de modernização e ocidentalização japonesa podem ser considerados
como importantes anteparos históricos e imagéticos na produção e veiculação de
discursos de caráter Orientalista (visto sob um viés de dominação). Nesse
contexto cultural e geopolítico a
afirmação do intelectual palestino E. Said (1935-2003) de que o Orientalismo
como narrativa “essencialista” [Ver MacKenzie, 1996] sobre o “outro” asiático se encontra “(...) na diferença absoluta e sistemática entre o
ocidente racional, desenvolvido, humano, superior e o Oriente que é aberrante,
não desenvolvido, inferior” [Said, 2007, p. 401] deixa de ser uma tentadora
chave para decifrar a relação da jovem nação japonesa em meados do século XIX
junto as potências imperialistas europeias. Acreditamos que, especificamente no
caso japonês, a tentativa de aplicação do conceito crítico de Said ao
Orientalismo é no mínimo insatisfatória como uma representação das relações
entre o Japão e as nações não-ocidentais. Ao nosso ver essa relação foi pautada
por um transculturalismo [Codell,
2016, 1-17] desde os primeiros e efetivos contatos com o ocidente na década de
1850. Ação não-passiva, o processo de transculturação ocorre quando povos
subalternos ou subjugados tem espaços para liberdade de escolha daquilo que
irão absorver e como irão usar este conhecimento sobre o “outro”,
apropriando-se e reinventando-se a partir de seus próprios termos e
necessidades [ver Ortiz, 2003; Pratt, 1991, 1992; Archibald, 2007 Apud: Codell,
2016, p.5].
Nossa hipótese aqui é que podemos considerar
três momentos da história moderna japonesa como produtores de anteparos
históricos e imagéticos - discursos que dialogam com às narrativas de cunho
orientalista - como: 1) a Missão Iwakura (1871-1873); 2) a Fotografia
(1870-1890) como instrumento visual da modernidade japonesa e 3) a Guerra
Russo-Japonesa (1904-05). Entre 1870 e 1910 o processo de modernização do Japão
acaba por desestabilizar a influência europeia na Ásia ao desafiar política e
militarmente o paradigma de dominação anglo-francesa na região. Por conta
disto, o Japão torna-se não apenas a nação objeto do Japonismo, mas um espelho estilhaçado no qual uma parcela
significativa dos discursos ocidentais não poderia mais enxergá-lo a partir de
relações assimétricas de hierarquização e dominação.
O Orientalismo e o Japão
A Japonologia (ou os Estudos Japoneses) foi a
“filha mais nova” no hall dos estudos orientalistas em meados do século XIX.
Ela começou a tomar corpo no espaço acadêmico nas décadas de 1850-1870 em um
contexto no qual o Japão como representação estética, histórica e política
começa a dialogar com o ocidente. Mas ainda visto como um coadjuvante nos
estudos orientalistas [Krämer, 2019, p. 144] se comparado a longevidade e
representatividade asiática das civilizações axiais hindu e chinesa
[Eisenstadt, 2011].
No início o interesse pelo “novo” Japão perpassava
pelas áreas linguística, arqueológica, religiosa, história antiga, cerâmica e
do universo estético do ukiyo-e.
Espaços dominados inicialmente pelo orientalismo francês e o seu maior rival
nos estudos sobre a Ásia, o orientalismo britânico. Por outro lado, a
influência francesa vinha perdendo espaço a partir da década de 1870 no âmbito
comercial e diplomático junto aos oligarcas Meiji, por isso os espaços
acadêmicos dos debates orientalistas sobre o país eram vistos como um caminho
para se reaproximar efetivamente dos “franceses dos Ásia” (i.e. Japão).
[CONANT, 1984, p. 111]. Desse modo, o pioneiro japonólogo francês, Léon de
Rosny (1837-1914) – que nunca visitou o Japão - foi indicado como chairman do Primeiro Congresso
Internacional de Orientalistas sediado em Paris no início de setembro de 1873.
Na abertura da primeira sessão de trabalhos, o ministro japonês na França,
Samejima Naonobu (1845-1880) discursou ressaltando a importância das relações
diplomáticas e culturais entre o Japão e os acadêmicos ocidentais:
“As pesquisas realizadas pelos senhores,
terão ecos no Japão; não apenas para serem conhecidas, mas estou convencido de
que, direta ou indiretamente, isto propiciará o desenvolvimento nacional que o
meu governo está promovendo entusiasticamente...A presença dos senhores hoje
aqui, marca o primeiro reconhecimento público na Europa da entrada do Japão no
comitê das nações ocidentais e a consonância dos nossos objetivos e futuras
aspirações. Nós já estabelecemos laços políticos e comerciais, mas hoje, pela
primeira vez, nós iniciamos laços culturais. ”[CONANT, 1984, p. 119]
No entanto, não foi na esfera acadêmica -
ainda dominada pelos “japonólogos de gabinete” - que efetivamente os olhares
sobre o Japão e os japoneses tomaram corpo construindo as primeiras narrativas
paradigmáticas sobre o país. Podemos afirmar que além da literatura, o turismo
e a fotografia possibilitaram ao mesmo tempo olhares e opiniões de “não
especialistas” produzindo ab initio
discursos que vão do estereótipo tradicional (“o Japão é o país dos opostos se
comparado a Europa/América”) até um ufanismo (“O Japão e os japoneses são os
gregos e/ou britânicos da Ásia”). Ao longo das décadas de 1870-1900 os
discursos sobre o Japão e os japoneses tornam-se cada vez mais multifacetados,
distanciando-se cada vez mais de um olhar dominador e exotista - associado ao
cânone orientalista - para construir um mosaico de narrativas e expectativas
sobre o “outro” japonês. Segundo o historiador Jean-Pierre Lehmann:
“Haviam aqueles que sentiam que praticamente era
impossível que o Japão se modernizasse, alcançando os níveis econômicos,
militares e políticos ocidentais. Haviam aqueles que desejariam que as
potências ocidentais deveriam se unir para auxiliar o Japão alcançar estes
níveis. Outros acreditavam que o Japão poderia se tornar um “estado
civilizado”, mas apenas se estivesse preparado para se ocidentalizar
completamente não apenas suas instituições, mas também sua cultura, em
particular abandonando sua antiga forma de escrita e sua religião em favor do
Cristianismo. Finalmente haviam aqueles, em número significativo e influentes,
que afirmavam categoricamente que o Japão não deveria se modernizar; eles viam
o Japão como um paraíso pré-industrial na terra que deveria ser preservado dos
demônios da modernidade”. [Lehmann, 1978, p.14]
Ao desenvolver canais de diálogo junto às
potências ocidentais que possibilitaram a construção, e até o controle da(s)
própria(s) narrativas(s), o Japão redireciona os discursos de caráter
colonizador, civilizador e assimétrico sobre si a partir da década de 1880. No
entanto, neste contexto de relativização do orientalismo, Said (2007) alerta
para um paradoxo: a possibilidade do
oriental acreditar na imagem que é criada pelo orientalista. No projeto
vertical de modernização e ocidentalização levada a cabo por intelectuais e
oligarcas do governo Meiji nas décadas de 1870-1880, ocorreu a apropriação em muitos momentos de narrativas europeias e
norte-americanas de viés positivo sobre
o Japão e os japoneses, formatando discursos legitimadores da modernidade e
servindo de anteparo histórico e imagético as narrativas de cunho racista e
exotista que rondariam a jovem nação
japonesa no contexto geopolítico ao menos até o epílogo trágico da Guerra do
Pacífico (1941-1945).
A Missão Iwakura (1871-1910)
Nas décadas anteriores ao fim da política de
isolamento voluntário (1854), uma parcela da elite japonesa tinha informações
mais recentes e fidedignas sobre a Europa e a América do Norte do que os
ocidentais sabiam sobre o misterioso arquipélago japonês [Buruma, 2004, p. 11]
Boa parte desse conhecimento adveio dos estudos do “saber holandês” ou
“estrangeiro”(jap. rangaku)
desenvolvidos pela elite samurai a partir da província de Nagasaki onde se encontrava a ilha artificial de
Dejima ocupada por representantes do governo holandês. Tratava-se do único
entreposto comercial e intelectual com o Ocidente desde a década de 1640. Com a
reabertura do arquipélago japonês e a necessidade da retomada do contato com os
“Bárbaros do Sul” a partir da década de 1850, um dos nobres mais influentes
junto ao xogunato, o daymiô de Mito,
Tokugawa Noriaki (1800-1860) afirmava que seria necessário se aproximar dos
ocidentais e adotar os seus métodos, agregando-os ao que os japoneses tinham de
melhor (i.e. “moral japonesa”), e dessa maneira resistir as suas investidas e
se necessário expulsá-los (jap. jôi).
Pensamento aprimorado desta mentalidade, foi a adaptação de uma frase
tradicional de origem chinesa no slogan “Enriquecer o país, fortalecer o
exército” (jap. Fukoku-kyôhei) , ou
seja, só uma nação rica e desenvolvida economicamente poderia criar uma máquina
militar moderna, tornando-se respeitável aos olhos das potências ocidentais e
refreando os desejos imperialistas.
[Beasley, 1995, p. 200-201]. Foi nesse contexto agonizante do regime do
xogunato (jap. bakumatsu), que uma série de missões japonesas com
caráter diplomático (algumas com caráter mais “pragmático”) a partir da década
de 1860 são enviadas aos Estados Unidos da América (1860), Europa (1862,
1864-67) como também o envio de estudantes japoneses, inicialmente para Holanda
(1862), e depois para realizar observações e estudos na área militar para Rússia, França, Inglaterra entre os anos
de 1862-1868. [Beasley, 1995, p. 119]. No entanto, nenhuma dessas iniciativas
japonesas perante algumas das potências ocidentais teve tanta importância
histórica e impacto imediato como a missão Iwakura (1871-1873) efetivada nos
primeiros anos pós-Restauração Meiji (1867-68).
Com mais de cem membros – na maioria na faixa
etária dos 30 anos e muito dos quais nunca haviam saído do Japão - a primeira
missão diplomática do novo governo foi liderada pelo ministro Iwakura Tomomi
(1825-1883) e percorreu em dezoito meses os Estados Unidos, Inglaterra,
Escócia, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Rússia, Dinamarca, Suécia, Itália,
Áustria e Suíça. Nas palavras do próprio Iwakura, o principal intuito era
“descobrir os grandes princípios (ocidentais) que nos servirão de guia para o
futuro”. [Pyle, 1996, p. 95]. O relatório final de cinco volumes e quase duas
mil páginas compiladas pelo secretário da missão Kunitake Kume (1839-1931) foi
publicado em 1878 e tornou-se um importante documento primário sobre o impacto
da visita de emissários, políticos e estudantes japoneses aos Estados Unidos e
a Europa. Base para muitas das diretrizes tomadas pelos oligarcas Meiji a
partir de observações da indústria, marinha, exército, sistemas de transporte,
político e educacional e de hábitos ocidentais. Observações que possibilitaram
uma hierarquização geopolítica, econômica e cultural das nações europeias
visitadas (França e Inglaterra na liderança, seguida pela recém unificada
Alemanha e por último a Rússia); o início de um processo de mimesis da tecnologia e de hábitos
ocidentais até meados da década de 1880 e da percepção in loco da primeira participação efetiva do Japão em uma exposição
universal realizada em Viena (1873), nas observações coligidas pelo secretário
Kume:
“A exibição do Japão na exposição recebeu
aclamação diferenciada dos visitantes. A primeira razão, foi que os produtos
japoneses exibidos eram diferentes dos europeus em gosto e design, para os
visitantes eles possuíam um charme exótico. A segunda razão, foi que haviam
poucas exibições notáveis de países vizinhos ao Japão. E a terceira razão foi o
crescimento da admiração entre os europeus pelo Japão nos anos recentes. (...)
O estilo de pintura japonesa é diferente do ocidental. A elegância e o bom
gosto das nossas imagens de flores e pássaros são muito admirados, mas a
inépcia dos nossos retratos e pinturas de atores com maquiagem são francamente
embaraçosas”. [Kume, 2019, p. 437-438] (Tradução nossa)
Outro momento importante a ser ressaltado
como fator de apreciação do Japão pelo “outro” ocidental foi impacto positivo
do discurso do ministro de assuntos estrangeiros prussiano Oto Von Bismarck
durante um jantar de recepção de parte da missão diplomática japonesa em Berlim
em março de 1873:
“Nações hoje em dia parecem todas conduzir
relações de amizade e cortesia, mas isto é totalmente artificial, por trás
disso espreita o desprezo mútuo e a luta pela supremacia. (...) Nós temos
ouvido sobre a angústia causada por britânicos e franceses a outras nações pelo
abuso de poder, a cobiça por colônias no exterior para explorar os seus
recursos. Esse dia não chegará se pudermos ter relações amigáveis na Europa.
Por isso nunca relaxem a sua vigilância, por ter nascido em uma nação pequena
eu sei como é essa realidade intimamente (...). Portanto enquanto o Japão não
puder ter relações diplomáticas amigáveis com um maior número de nações, a
amizade com a Alemanha deve ser a mais próxima possível devido ao verdadeiro
respeito pelo qual nós temos pelo direito do autogoverno.” [Kume, 1999,
p306-307] (Tradução nossa]
Em pouco mais de vinte anos o amistoso
discurso acima se dissolve, o Kaiser alemão Guilherme II cunharia a expressão
“Perigo Amarelo” (ale. Gelbe Gefhar)
citando os povos do Oriente – o Japão mais especificamente - como uma ameaça geopolítica e militar e em
1902 Japão e Inglaterra assinavam a primeira Aliança Anglo-Japonesa de auxílio
mútuo.
As fotografias produzidas em Yokohama
Foi a partir das fotografias de Yokohama
(jap.Yokohama shashin), retratos e
séries fotográficas temáticas encadernadas em belos álbuns, produzidos pelos
pioneiros estúdios estrangeiros na crescente cidade portuária homônima e da
literatura de viagem, produzida por escritores viajantes a partir de 1860, que
as bases do que denomino “desejo do olhar” sobre o Japão, seus habitantes e
costumes se conformaram. A aproximação dessas diferentes formas de narrativa
contribuiu para consolidação de um imaginário sobre o país perante a Europa e
América do Norte, ao mesmo tempo em que uma nova intelligentsia japonesa se apropriava deste discurso
literário-imagético para ora reforçar a própria imagem divulgada a partir dos
olhares não-japoneses, ora negá-la, influenciando a produção literária e
imagética autóctone para consolidar um ideal de nação moderna não só perante o
olhar estrangeiro, mas doméstico também. Desse modo, como um dos instrumentos
da modernidade japonesa [ver Dezem, 2021]a nascente fotografia em meados do
século XIX foi uma hábil ferramenta para enxergar o mundo e ser enxergado por
ele, expondo no campo da cultura visual a incompletude de um imaginário
orientalista binário como representação e dominação sob a perspectiva saidiana,
pois como afirma o historiador Ali Behdad:
“A fotografia orientalista (...) é um
imaginário em construção a partir de contingências históricas e estéticas;
marcada por fraturas icônicas e fissuras ideológicas. Mas ainda assim regulada
por um regime visual que naturaliza a sua maneira particular de representação”.
[Behdad, 2013, p. 11] (Tradução Nossa)
Para Behdad o Orientalismo não deve ser
entendido apenas como um discurso ideológico de dominação e poder ou como um termo
neutro na História da Arte, mas como uma
rede de relações estéticas, políticas e econômicas que atravessam as fronteiras
nacionais e históricas [Behdad, 2013, p. 13] em narrativas transculturais.
Se apenas nos atermos a produção de imagens
sobre o Japão por seus aspectos exóticos e
relacionadas como mais uma peça do conceito de “Oriente como uma criação do
Ocidente” perdemos de vista aspectos importantes da maneira como as culturas
visuais sobre o Japão estão inseridas no processo de modernização japonesa.
Segundo o historiador Luke Gartland, a modernização ocorrida no Japão
possibilitou um aprendizado mútuo sobre “outro” como resultado de um processo
de alta competitividade em uma indústria fotográfica transcultural [Gartland,
2016, p. 93] em zonas de contato [ver Pratt, 1991;1992] como as cidades
portuárias de Yokohama e Nagasaki abertas aos estrangeiros. Além disso:
“Yokohama foi o maior ponto de trocas
culturais de tecnologia, práticas visuais e sistemas de conhecimento, vindo a
testemunhar também o crescimento de uma indústria fotográfica formatada por
interesses tanto de japoneses quanto não-japoneses”. [Gartland, 2016, p.
93](Tradução nossa)
A produção e comercialização de álbuns
temáticos, fotos avulsas e cartões de visita direcionada para os mercados
interno e externo tinham como temática aspectos da modernização japonesa como
também situações pitorescas, paisagens e tipos humanos, neste contexto uma
parcela significativa dessas imagens foi produzida em estúdios nas décadas de
1860-1890. Segundo Gartland, os estúdios fotográficos funcionavam de certo modo
como espaços de transculturalidade e de negociação entre operadores (japoneses
ou estrangeiros) e clientela (geralmente estrangeira), desse modo:
“As fotografias produzidas em de Yokohama
como souvenirs eram multifacetadas,
produtos de uma indústria cosmopolita capaz de afirmar ou contestar os
estereótipos culturais japoneses.” [Gartland, 2016, p. 102] (Tradução nossa).
A Guerra Russo-Japonesa (1904-05)
Considerada a “última guerra do século XIX ,
e a primeira guerra do século XX “o conflito foi um verdadeiro turning-point na geopolítica asiática e
também nos estudos orientalistas da época. [Marchand, 2009, p. 214] A vitória
japonesa sobre os russos dissolveu parte das narrativas anti-nipônicas que
associavam a “raça amarela” como feminina, fraca, atrasada, representando os
japoneses como “macaquinhos amarelos” citando o próprio Czar russo Nicolau II.
Dessa forma os discursos acerca do Japão se tornam mais difusos. O “Perigo
amarelo” se consolidaria na época a partir de uma ameaça racial, militar e
geopolítica dependendo da perspectiva do interlocutor, contrapondo-se ao olhar
‘exotista’ que atingia o seu ápice com na ópera Madame Butterfly de Puccini (1904) representada pelos palcos
europeus e americanos. A rápida modernização japonesa aos olhos ocidentais
desloca o Japão do espaço imaginado asiático pelos ocidentais para um novo
“espaço” ainda indefinido, onde intelectuais, diplomatas e opinião pública passam
a ver a jovem nação Japonesa como uma possível líder asiática com a missão de
modernizar (i.e civilizar) a região. Nesse contexto ocorre uma rearticulação
dos discursos na Europa sobre a Ásia: a China derrotada em 1895 pelos japoneses
é vista como um estado “decadente e arcaico”, fazendo contraponto ao “moderno e
misterioso” Japão. O império russo se torna um reflexo dessa transitoriedade
como podemos notar nos comentários de membros da assembleia nacional polonesa
em 1904:
“O uso da terminologia “uma guerra entre as raças branca
e amarela” ou “entre a civilização europeia e a barbárie asiática” nos deixa
perplexos, porque nós sabemos que a Rússia é bárbara e asiática. Nós sabemos a
proporção da coragem e da diligência japonesa na causa da civilização do Extremo Oriente; enquanto
que ao mesmo tempo, nós testemunhamos diariamente o que a Rússia tem feito para
erradicara civilização europeia de seu território. O Japão não está lutando
contra um campeão da causa europeia – Não! Ele luta contra a raça de bárbaros
asiáticos que tentam destruir os frutos de séculos de civilização e progresso
na Polônia e na Finlândia”. [Nihon gaikô
monjo: Taiheyô sensô 2 Apud: Ogura, 2015, p. 44] (Tradução nossa).
O historiador Jean-Pierre Lehmann sugere que as leituras
das nações europeias durante a guerra russo-japonesa transitavam a entre duas
perspectivas: a perspectiva do “perigo amarelo” ou da “esperança amarela”
[Wells & Wilson, 1999, p. 15]. O missionário norte-americano Sidney Gulick
(1860-1904) – indo na contramão dos discursos atrelados ao “perigo amarelo” na
época - previa que a vitória japonesa
não produziria uma nova potência imperialista na Ásia, mas tornaria o Japão “um
mediador entre as raças branca e amarela” assegurando os interesses mútuos de
todos [Wells & Wilson; 1999, p. 17]. Posição que inicialmente será a
aventada por alguns intelectuais e diplomatas japoneses na época
(“Pan-Asianismo como uma forma de Ocidentalismo”), mas que ao longo da era
Taishô (1912-1926) e início de Showa (1926-1937) será desfigurada pelo
nacionalismo japonês. [Ver Ogura, 2015] O conflito russo-japonês propiciou
informações (militares) e lições (diplomáticas) importantes para a reflexão
imediata e a posteriori (1910-1930)
ao redimensionar a questão da dominação ocidental no Leste Asiático.
Considerações finais
Para dar sentido a realidade vivenciada a
partir de fenômenos transculturais no campo textual e visual, a intersecção de
sistemas codificados ou semiosferas [Lotman, 1990, p. 123-142] se torna uma
importante forma de representação da maneira como cada sociedade constrói as
narrativas sobre si e sobre os outros. Ao privilegiar o processo dialético como
operação fluída e complexa entre diferentes espaços culturais [ver Ortiz, 2003]
e seus produtos (“textos de cultura”) não-binários, as semiosferas possibilitam
a averiguação dos desvios, das complexidades e dos ecos dos discursos
orientalistas. Portanto a análise da nascente diplomacia Meiji e o seu diálogo
com as nações europeias, do uso da fotografia como decodificadora de si e do
outro não-japonês e dos discursos acerca do conflito russo-japonês que
transitam entre “ameaças” e “esperanças”, contribuem para ressignificação do(s)
olhar(es) orientalista(s) sobre o Japão. Semiose que ressalta as nuances
discursivas sobre o “outro” japonês e dessa forma problematiza à afirmação de
Said de que o Orientalismo é um discurso
binário de domínio sobre os povos e culturas orientais.
Referências
Rogério
Akiti Dezem é Historiador e Professor de Cultura e História do Brasil no
Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade de Osaka (Japão).
Autor das obras Shindô-Renmei: Terrorismo
e Repressão (AESP, 2000), Matizes do
Amarelo. A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil 1878-1908
(Humanitas-USP/FAPESP, 2005) e de mais de duas dezenas de artigos relacionados
à História da Imigração Japonesa no Brasil. Desde 2015 se dedica a pesquisar a
História Contemporânea Japonesa (1868-1968) a partir da iconografia e
fotografia sobre o Japão/japoneses produzida por olhares nativos e estrangeiros.
Agradeço a leitura atenta da primeira versão deste paper
e as sugestões pertinentes do Prof. Dr. Richard Gonçalves André (Depto. de
História da Universidade Estadual de Londrina/Paraná - Brasil)
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Caro Prof. Dezem, agradeço pelo rico texto! Gostaria de explorar um pouco mais um dos aspectos do mesmo: qual a relação imagético fotográfica em relação a guerra russo-japonesa? Os japoneses exploram esse recurso na construção de sua autoafirmação? Ele detona ou contribui na disseminação do 'perigo amarelo'?
ResponderExcluirGrato! =)
Bom dia/Boa noite Prof. Bueno. Seus questionamentos complementam de forma objetiva o meu paper, que por razões de limitação do número de palavras não pude desenvolver ao longo do texto. Vamos lá…
ExcluirComo é sabido a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) foi o conflito bélico mais observado, documentado e divulgado na época, inaugurando um novo período histórico em se fazer guerra e documenta-la. Tornando um paradigma nos estudos sobre fotojornalismo e guerra por exemplo.
Os dois lados do conflito realizaram coberturas jornalísticas extensivas dos acontecimentos bélicos com a participação de jornalistas, escritores e observadores militares estrangeiros em ambos os lados do conflito. Entre os fotógrafos estrangeiros três se destacam: James Ricalton (1844-1929), James Hare (1856-1946) e Jack London (1876-1916). No entanto, o Japão usou de maneira mais efetiva os recursos técnicos de propaganda (iconografia e artigos em japonês/inglês)na época objetivando desconstruir as “desconfianças e temores” sobre o seu projeto de modernização, reforçar que o conflito tinha como objetivo “barrar o avanço russo na Ásia” e criar uma empatia ocidental pela causa japonesa.
A cobertura maciça do conflito foi controlada pelo governo japonês, o material escrito e/ou iconográfico passava pela censura do governo antes de ser publicado. A produção iconográfico se baseou na divulgação doméstica das acessíveis e (ainda) populares xilogravuras (moku hanga) na forma de trípticos representando cenas heróicas de batalhas, revistas ilustradas semanais com imagens e retratos de figuras importantes no conflito e belos álbuns fotográficos confeccionados geralmente para o mercado externo (em japonês/inglês) para celebrar a modernidade japonesa, as vitórias no campo de batalha, os líderes militares (ou “heróis”) japoneses e reforçar que mesmo entre “vitoriosos e derrotados” havia respeito e um cavalheirismo entre japoneses e russos.
O impacto desse material de propaganda no exterior dependeu da relação efetiva que governo e opinião pública do país tinha com relação ao Japão no período. Certamente a impressão foi positiva em se tratando de uma construção da pioneira de narrativas imagéticas sobre a “derrota” russa e, principalmente, sobre a retumbante “vitória” japonesa. Nações europeias como a Inglaterra, Itália, Espanha e Polônia produziram relatos positivos sobre a vitória japonesa, na França e na Alemanha as opiniões se dividiam entre o “aplauso” e a “temor”. No caso estadunidense, cuja questão imigratória amarela estava na ordem do dia, a vitória japonesa se soma aos debates imigratórios. Até onde li e pesquisei, as opiniões estavam bem divididas e as imagens sobre o conflito foram usadas por políticos, intelectuais e militares estadunidenses de maneiras diferentes. Exaltando a disciplina japonesa, a modernidade dos hospitais militares em Port Arthur e Darien (atual Dalian), neste caso as imagens “positivas” entram em conflito com relatos de militares japoneses sobre as precárias condições dos hospitais de campanha no interior do território coreano e o uso de tecnologia militar ocidental adaptada de forma eficiente a “moral oriental” (sic). Neste contexto, começou a se veicular nos EUA um olhar sobre o Japão como um “competidor” na geopolítica do Pacífico, uma das variantes do(s) discurso(s) que dão forma ao “perigo amarelo” na época.
Acredito que a produção iconográfico da guerra russo-japonesa cuidadosamente produzida e divulgada pelo governo japonês na época, serviu efetivamente para reforçar as ambiguidades dos discursos sobre o Japão e os japoneses e menos para alimentar a ameaça do “perigo amarelo” de um modo geral.
Att.
Rogério A. Dezem
Grato! =)
ExcluirProfessor, parabéns pelo texto!
ResponderExcluirEm um parágrafo falando sobre como as influencias dos estudiosos ocidentais afetaram a imagem do Japão como sociedade, o senhor cita que " a possibilidade do oriental acreditar na imagem que é criada pelo orientalista." Como essa visão se aplica na sociedade atual japonesa? É possível que essa visão continue com a força destacada durante o texto, ou essa influência só aplica nos produtos que o Japão diretamente produziu com o intuito de exportação?
Obrigada novamente pelo texto incrível! Leandra Barros Galindo
Bom dia/boa noite Leandra. Agradeço a pertinente questão. O Japão desde Meiji (1868) é um exímio manipulador da própria imagem. E soube usar (“acreditar” como Said aponta) as narrativas “positivas” construídas principalmente por europeus e estadunidenses ao seu favor, como propaganda positiva para atenuar os discursos ou imagens negativas sobre si. A partir de leituras, conversas e vivência por aqui (12 anos), na minha opinião, essa construção de uma “imagem” ou “ideia” de Japão no exterior tem duas vias: o desejo do “Ocidente” de buscar algo no “outro” japonês que não existe (imaginado) e a necessidade japonesa de apresentar a priori o lúdico, estético e a modernidade japonesa sempre de maneira “positiva” (harmoniosa e equilibrada) alimentando o “desejo do olhar” estrangeiro desde o final do século XIX. Podemos dizer que o Japão soube ao longo do séculos XX redimensionar e filtrar esses discursos produzidos no exterior e dessa forma “acreditar” e reproduzir cada vez menos as narrativas a partir da perspectiva do “outro”. Isso acontece principalmente no universo da produção cultural e midiática (“soft power”) do mangá, anime, música, cinema que funcionam como produtos de exportação eficientes para a manutenção da (justa) admiração pelo Japão. Claro que há as fissuras, aspectos negativos do “Japão real” para citar o crítico de cinema Donald Richie, no entanto uma parcela significativa do público estrangeiro que “consome o Japão” geralmente não se interessa por esse(s) aspecto(s) ou não quer enxergar os B-sides da sociedade e cultura japonesa. Reproduzindo desse modo olhares positivos e idílicos sobre o país do sol nascente.
ExcluirAtt.
Rogério A. Dezem
Muito obrigado pela resposta professor! Como avida consumidora das mídias produzidas pelo Japão (animes, mangás e música) sempre há uma parcela da vivência da sociedade japonesa reproduzida ali, seja pra fazer uma crítica ou pra usar esse ambiente para criar uma representação curada e seletiva como apontado em sua resposta.
ExcluirAcredito que a influência da identidade japonesa e da reafirmação dessa identidade vem ganhando força nos últimos anos, tanto por o consumo das mídias ter aumentado, como nas movimentações politico-sociais que vieram responder os acontecimentos causados pelo avanço da COVID 19 e os discursos de ódio que ficaram em evidência ainda mais durante e após as ondas mais severas da doença.
Leandra Barros Galindo
Bom dia/noite Leandra. Você tocou em pontos instigantes sobre a maneira de se olhar o Japão e construir narrativas e um imaginário sobre o mesmo atualmente. O “soft power” japonês certamente é o carro chefe na produção de olhares sobre o(s) Japão (ões) nas principalmente nas últimas duas décadas. Noto isso nos alunos estrangeiros (muitos brasileiros) que recebíamos aqui na universidade até 2019. Que ao chegarem aqui tinham como referências de “Japão” os mangás, animês, J-Pop além da língua japonesa. No entanto, após alguns meses de vivência por aqui essa relação “cultura visual japonesa” x realidade redimensiona o olhar dessa garotada sobre o Japão. Em alguns casos reforçando elementos reproduzidos no universo dos mangás/animês, mas em outros distanciando o universo midiático (muitas vezes idealizado) da vivência do dia-a-dia. Os efeitos disso durante e pós-pandêmicos ainda estão rolando, portanto não tenho elementos para responder/dialogar mais especificamente contigo. Escrevo isso como observador, não como estudioso, pois essa não é a minha área…
ExcluirAtt.
Rogério A. Dezem
Ps. Leandra agradeço as observações e perguntas. Obrigado!
ExcluirProfessor, até onde nós do ocidente podemos utilizar/ compartilhar conceitos como o feudalismo, absolutismo, fascismo para tratar da história japonesa e/ou aproximar esse oriente do ocidente sem "cometer" orientalismo? Ou isso não seria possível?
ResponderExcluirMaria Heloisa Andrade Pinheiro
Bom dia/noite, Maria Heloísa. Agradeço ao questionamento que toca em um ponto importante e seria necessário no mínimo um outro paper para respondê-lo, mas vamos lá… As pesquisas históricas pioneiras sobre o Japão no universo do Orientalismo anglo-saxão e francês no final do século XIX início do XX, buscavam, a partir de traduções e adaptações de termos históricos japoneses para conceitos históricos “ocidentais” (feudalismo, absolutismo, modernismo etc), uma forma de apresentar e decodificar o Japão. Dessa forma são produzidas narrativas históricas que pudessem se aproximar (ou distanciar) do saber histórico ocidental (paralelismos), objetivando dar sentido as realidades sócio-históricas e cronológicas a priori em espaços geográficos e culturais diferentes (ie feudalismo europeu x “feudalismo” japonês). Essa metodologia não visava o domínio ou demonstrar alguma forma de superioridade “ocidental” em grande parte dos trabalhos historiográficos de caráter mais consistente e aprofundado.
ResponderExcluirNote que algo similar ocorreu de forma inversa, a partir da era Meiji o contato efetivo com o pensamento ocidental criou a necessidade de tradução/adaptação/criação de conceitos e termos das ciências humanas para a língua japonesa como “civilização” e “religião”. Um caminho de construção de narrativas históricas sobre o outro de “duas vias” geralmente e não de uma “mão única” como seria a prerrogativa dos discursos orientalistas a partir da teoria crítica do Said. Claro que nesse contexto surgiram autores e produções acadêmicas (ou não) que definem esse processo como uma imposição de conceitos alienígenas a realidade histórica japonesa, principalmente quando se estuda o período Edo. Portanto é uma questão que pode ser avaliada por diferentes prismas, apresentando os princípios autores que utilizam esses conceitos (de forma crítica ou não), situar os locais de produção desses trabalhos e os momentos (antes ou depois da segunda guerra mundial por exemplo).
Att.
Rogério A. Dezem
Olá, prof. Dezem.
ResponderExcluirPrimeiro, parabéns pela pesquisa! Fico muito contente em ler sua produção e colaboração sobre os limites do orientalismo de Said para pensar o caso japonês. As suas reflexões ajudam muito na minha pesquisa, mais uma vez obrigado.
Agora, minhas perguntas:
1) Uma passagem da citação do secretário Kunitake Kume me causou curiosidade: “(...) A elegância e o bom gosto das nossas imagens de flores e pássaros são muito admirados, mas a inépcia dos nossos retratos e pinturas de atores com maquiagem são francamente embaraçosas”. Os atores com maquiagem aos quais o secretário se refere seriam atores de teatro kabuki (estou chutando que sejam)? E pelo que entendi da citação, a inserção das imagens dos atores com maquiagens foi uma escolha das autoridades japoneses, mas não teve uma recepção positiva do público na época. Seria isso?
2) Tive breve contato com a crítica de Ali Behdad através de um curso do prof. Victor Kebbe (confesso que não li a obra dele ainda). Na ocasião foi citado uma ressignificação nativa feita principalmente pelas elites locais que passam a solicitar a produção de retratos deles mesmos na mesma estética das elites ocidentais. Logo, percebe-se o “oriental” não como passivo, mas ativo na produção de discurso em benefício próprio. Pensando no caso japonês, no seu texto anterior para o simpósio do ano passado, o prof. Dezem cita a fotografia do imperador Mutsuhito feita por Uchida Kuichi e acho que isso poderia ser interpretado com um “oriente” ativo e não passivo também, correto? Se sim, poderia citar outros exemplos específicos de nativos produzindo imagens em “benefício próprio”? Por conhecer pouco (ou quase nada), a princípio interpretei que as fotografias produzidas em Yokohama atenderiam mais uma demanda do público ocidental (“desejo do olhar”) e de certa forma a ter ganhos econômicos em benefício próprio. Mas ainda assim, existiram fotógrafos nativos (japoneses) que tiveram a iniciativa de colocar no mercado uma produção que fugisse da demanda do público ocidental e por consequência tentassem fugir daquilo que é estereótipo?
3) Aproveitar a oportunidade e perguntar algo que se relaciona com minha pesquisa sobre imigração japonesa no Brasil. Partindo do pressuposto que os descendentes de japoneses (nipo-brasileiros) são interpretados como “orientais” (em oposição a restante da população “ocidental”) indiferente da geração (nissei, sansei, etc.), também podemos pensar a construção de um discurso estrategicamente pensada de forma “ativa” e não “passiva”? Pergunto considerando discursos e imagens produzidas por parte dos descendentes como as lideranças de associações étnicas em momentos celebrativos como comemorações de anos de imigração.
Por fim, minhas saudações e parabéns novamente pelo texto!
Forte abraço
Robson Hideki Mori
(Desculpe realizar as perguntas fora do prazo, mas espero que possar ler)