DIPLOMACIA, IMAGEM e GUERRA COMO ANTEPAROS HISTÓRICOS E IMAGÉTICOS AOS OLHARES ORIENTALISTAS SOBRE O JAPÃO (1871-1910) Rogério Akiti Dezem


Uma parcela significativa dos discursos ocidentais sobre o Japão moderno se alicerçou a partir de narrativas de cunho turístico, literário, estético e militar que vão do estranhamento (do grego atopia) ao maravilhamento, confrontando aspectos do olhar anglo-francês sob a ótica de “dominação/civilização” naturalizada em outras regiões como no Oriente Médio, Índia e China. A priori a localização geográfica, o fim do isolamento voluntário (do jap. sakoku) e a escassez de narrativas atualizadas sobre o país, criaram expectativas e questionamentos sobre o que viria a ser aquele diminuto arquipélago em meados do século XIX. A(s) resposta(s) foi(ram) se construindo pari pasu à (re)abertura do país a partir de fatos históricos singulares, entre eles um processo de ocidentalização “esquizofrênico” que acabou por influenciar a  maneira como interpretamos o Japão até os dias de hoje. Dessa forma, aspectos pontuais (diplomacia, fotografia e guerra) do processo de modernização e ocidentalização japonesa podem ser considerados como importantes anteparos históricos e imagéticos na produção e veiculação de discursos de caráter Orientalista (visto sob um viés de dominação). Nesse contexto cultural e geopolítico  a afirmação do intelectual palestino E. Said (1935-2003) de que o Orientalismo como narrativa “essencialista” [Ver MacKenzie, 1996]  sobre o “outro” asiático se encontra “(...) na diferença absoluta e sistemática entre o ocidente racional, desenvolvido, humano, superior e o Oriente que é aberrante, não desenvolvido, inferior” [Said, 2007, p. 401] deixa de ser uma tentadora chave para decifrar a relação da jovem nação japonesa em meados do século XIX junto as potências imperialistas europeias. Acreditamos que, especificamente no caso japonês, a tentativa de aplicação do conceito crítico de Said ao Orientalismo é no mínimo insatisfatória como uma representação das relações entre o Japão e as nações não-ocidentais. Ao nosso ver essa relação foi pautada por um transculturalismo [Codell, 2016, 1-17] desde os primeiros e efetivos contatos com o ocidente na década de 1850. Ação não-passiva, o processo de transculturação ocorre quando povos subalternos ou subjugados tem espaços para liberdade de escolha daquilo que irão absorver e como irão usar este conhecimento sobre o “outro”, apropriando-se e reinventando-se a partir de seus próprios termos e necessidades [ver Ortiz, 2003; Pratt, 1991, 1992; Archibald, 2007 Apud: Codell, 2016, p.5].

 

Nossa hipótese aqui é que podemos considerar três momentos da história moderna japonesa como produtores de anteparos históricos e imagéticos - discursos que dialogam com às narrativas de cunho orientalista - como: 1) a Missão Iwakura (1871-1873); 2) a Fotografia (1870-1890) como instrumento visual da modernidade japonesa e 3) a Guerra Russo-Japonesa (1904-05). Entre 1870 e 1910 o processo de modernização do Japão acaba por desestabilizar a influência europeia na Ásia ao desafiar política e militarmente o paradigma de dominação anglo-francesa na região. Por conta disto, o Japão torna-se não apenas a nação objeto do Japonismo, mas um espelho estilhaçado no qual uma parcela significativa dos discursos ocidentais não poderia mais enxergá-lo a partir de relações assimétricas de hierarquização e dominação.

 

O Orientalismo e o Japão 

A Japonologia (ou os Estudos Japoneses) foi a “filha mais nova” no hall dos estudos orientalistas em meados do século XIX. Ela começou a tomar corpo no espaço acadêmico nas décadas de 1850-1870 em um contexto no qual o Japão como representação estética, histórica e política começa a dialogar com o ocidente. Mas ainda visto como um coadjuvante nos estudos orientalistas [Krämer, 2019, p. 144] se comparado a longevidade e representatividade asiática das civilizações axiais hindu e chinesa [Eisenstadt, 2011].

 

No início o interesse pelo “novo” Japão perpassava pelas áreas linguística, arqueológica, religiosa, história antiga, cerâmica e do universo estético do ukiyo-e. Espaços dominados inicialmente pelo orientalismo francês e o seu maior rival nos estudos sobre a Ásia, o orientalismo britânico. Por outro lado, a influência francesa vinha perdendo espaço a partir da década de 1870 no âmbito comercial e diplomático junto aos oligarcas Meiji, por isso os espaços acadêmicos dos debates orientalistas sobre o país eram vistos como um caminho para se reaproximar efetivamente dos “franceses dos Ásia” (i.e. Japão). [CONANT, 1984, p. 111]. Desse modo, o pioneiro japonólogo francês, Léon de Rosny (1837-1914) – que nunca visitou o Japão - foi indicado como chairman do Primeiro Congresso Internacional de Orientalistas sediado em Paris no início de setembro de 1873. Na abertura da primeira sessão de trabalhos, o ministro japonês na França, Samejima Naonobu (1845-1880) discursou ressaltando a importância das relações diplomáticas e culturais entre o Japão e os acadêmicos ocidentais:

 

“As pesquisas realizadas pelos senhores, terão ecos no Japão; não apenas para serem conhecidas, mas estou convencido de que, direta ou indiretamente, isto propiciará o desenvolvimento nacional que o meu governo está promovendo entusiasticamente...A presença dos senhores hoje aqui, marca o primeiro reconhecimento público na Europa da entrada do Japão no comitê das nações ocidentais e a consonância dos nossos objetivos e futuras aspirações. Nós já estabelecemos laços políticos e comerciais, mas hoje, pela primeira vez, nós iniciamos laços culturais. ”[CONANT, 1984, p. 119]

 

No entanto, não foi na esfera acadêmica - ainda dominada pelos “japonólogos de gabinete” - que efetivamente os olhares sobre o Japão e os japoneses tomaram corpo construindo as primeiras narrativas paradigmáticas sobre o país. Podemos afirmar que além da literatura, o turismo e a fotografia possibilitaram ao mesmo tempo olhares e opiniões de “não especialistas” produzindo ab initio discursos que vão do estereótipo tradicional (“o Japão é o país dos opostos se comparado a Europa/América”) até um ufanismo (“O Japão e os japoneses são os gregos e/ou britânicos da Ásia”). Ao longo das décadas de 1870-1900 os discursos sobre o Japão e os japoneses tornam-se cada vez mais multifacetados, distanciando-se cada vez mais de um olhar dominador e exotista - associado ao cânone orientalista - para construir um mosaico de narrativas e expectativas sobre o “outro” japonês. Segundo o historiador Jean-Pierre Lehmann:

 

“Haviam aqueles que sentiam que praticamente era impossível que o Japão se modernizasse, alcançando os níveis econômicos, militares e políticos ocidentais. Haviam aqueles que desejariam que as potências ocidentais deveriam se unir para auxiliar o Japão alcançar estes níveis. Outros acreditavam que o Japão poderia se tornar um “estado civilizado”, mas apenas se estivesse preparado para se ocidentalizar completamente não apenas suas instituições, mas também sua cultura, em particular abandonando sua antiga forma de escrita e sua religião em favor do Cristianismo. Finalmente haviam aqueles, em número significativo e influentes, que afirmavam categoricamente que o Japão não deveria se modernizar; eles viam o Japão como um paraíso pré-industrial na terra que deveria ser preservado dos demônios da modernidade”. [Lehmann, 1978, p.14]

 

Ao desenvolver canais de diálogo junto às potências ocidentais que possibilitaram a construção, e até o controle da(s) própria(s) narrativas(s), o Japão redireciona os discursos de caráter colonizador, civilizador e assimétrico sobre si a partir da década de 1880. No entanto, neste contexto de relativização do orientalismo, Said (2007) alerta para um paradoxo: a possibilidade do oriental acreditar na imagem que é criada pelo orientalista. No projeto vertical de modernização e ocidentalização levada a cabo por intelectuais e oligarcas do governo Meiji nas décadas de 1870-1880, ocorreu a apropriação  em muitos momentos de narrativas europeias e norte-americanas  de viés positivo sobre o Japão e os japoneses, formatando discursos legitimadores da modernidade e servindo de anteparo histórico e imagético as narrativas de cunho racista e exotista  que rondariam a jovem nação japonesa no contexto geopolítico ao menos até o epílogo trágico da Guerra do Pacífico (1941-1945).

 

A Missão Iwakura (1871-1910)

Nas décadas anteriores ao fim da política de isolamento voluntário (1854), uma parcela da elite japonesa tinha informações mais recentes e fidedignas sobre a Europa e a América do Norte do que os ocidentais sabiam sobre o misterioso arquipélago japonês [Buruma, 2004, p. 11] Boa parte desse conhecimento adveio dos estudos do “saber holandês” ou “estrangeiro”(jap. rangaku) desenvolvidos pela elite samurai a partir da província de Nagasaki  onde se encontrava a ilha artificial de Dejima ocupada por representantes do governo holandês. Tratava-se do único entreposto comercial e intelectual com o Ocidente desde a década de 1640. Com a reabertura do arquipélago japonês e a necessidade da retomada do contato com os “Bárbaros do Sul” a partir da década de 1850, um dos nobres mais influentes junto ao xogunato, o daymiô de Mito, Tokugawa Noriaki (1800-1860) afirmava que seria necessário se aproximar dos ocidentais e adotar os seus métodos, agregando-os ao que os japoneses tinham de melhor (i.e. “moral japonesa”), e dessa maneira resistir as suas investidas e se necessário expulsá-los (jap. jôi). Pensamento aprimorado desta mentalidade, foi a adaptação de uma frase tradicional de origem chinesa no slogan “Enriquecer o país, fortalecer o exército” (jap. Fukoku-kyôhei) , ou seja, só uma nação rica e desenvolvida economicamente poderia criar uma máquina militar moderna, tornando-se respeitável aos olhos das potências ocidentais e refreando os  desejos imperialistas. [Beasley, 1995, p. 200-201]. Foi nesse contexto agonizante do regime do xogunato (jap. bakumatsu),  que uma série de missões japonesas com caráter diplomático (algumas com caráter mais “pragmático”) a partir da década de 1860 são enviadas aos Estados Unidos da América (1860), Europa (1862, 1864-67) como também o envio de estudantes japoneses, inicialmente para Holanda (1862), e depois para realizar observações e estudos na área militar  para Rússia, França, Inglaterra entre os anos de 1862-1868. [Beasley, 1995, p. 119]. No entanto, nenhuma dessas iniciativas japonesas perante algumas das potências ocidentais teve tanta importância histórica e impacto imediato como a missão Iwakura (1871-1873) efetivada nos primeiros anos pós-Restauração Meiji (1867-68).

 

Com mais de cem membros – na maioria na faixa etária dos 30 anos e muito dos quais nunca haviam saído do Japão - a primeira missão diplomática do novo governo foi liderada pelo ministro Iwakura Tomomi (1825-1883) e percorreu em dezoito meses os Estados Unidos, Inglaterra, Escócia, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Rússia, Dinamarca, Suécia, Itália, Áustria e Suíça. Nas palavras do próprio Iwakura, o principal intuito era “descobrir os grandes princípios (ocidentais) que nos servirão de guia para o futuro”. [Pyle, 1996, p. 95]. O relatório final de cinco volumes e quase duas mil páginas compiladas pelo secretário da missão Kunitake Kume (1839-1931) foi publicado em 1878 e tornou-se um importante documento primário sobre o impacto da visita de emissários, políticos e estudantes japoneses aos Estados Unidos e a Europa. Base para muitas das diretrizes tomadas pelos oligarcas Meiji a partir de observações da indústria, marinha, exército, sistemas de transporte, político e educacional e de hábitos ocidentais. Observações que possibilitaram uma hierarquização geopolítica, econômica e cultural das nações europeias visitadas (França e Inglaterra na liderança, seguida pela recém unificada Alemanha e por último a Rússia); o início de um processo de mimesis da tecnologia e de hábitos ocidentais até meados da década de 1880 e da percepção in loco da primeira participação efetiva do Japão em uma exposição universal realizada em Viena (1873), nas observações coligidas pelo secretário Kume:

 

“A exibição do Japão na exposição recebeu aclamação diferenciada dos visitantes. A primeira razão, foi que os produtos japoneses exibidos eram diferentes dos europeus em gosto e design, para os visitantes eles possuíam um charme exótico. A segunda razão, foi que haviam poucas exibições notáveis de países vizinhos ao Japão. E a terceira razão foi o crescimento da admiração entre os europeus pelo Japão nos anos recentes. (...) O estilo de pintura japonesa é diferente do ocidental. A elegância e o bom gosto das nossas imagens de flores e pássaros são muito admirados, mas a inépcia dos nossos retratos e pinturas de atores com maquiagem são francamente embaraçosas”. [Kume, 2019, p. 437-438] (Tradução nossa)

 

Outro momento importante a ser ressaltado como fator de apreciação do Japão pelo “outro” ocidental foi impacto positivo do discurso do ministro de assuntos estrangeiros prussiano Oto Von Bismarck durante um jantar de recepção de parte da missão diplomática japonesa em Berlim em março de 1873:

 

“Nações hoje em dia parecem todas conduzir relações de amizade e cortesia, mas isto é totalmente artificial, por trás disso espreita o desprezo mútuo e a luta pela supremacia. (...) Nós temos ouvido sobre a angústia causada por britânicos e franceses a outras nações pelo abuso de poder, a cobiça por colônias no exterior para explorar os seus recursos. Esse dia não chegará se pudermos ter relações amigáveis na Europa. Por isso nunca relaxem a sua vigilância, por ter nascido em uma nação pequena eu sei como é essa realidade intimamente (...). Portanto enquanto o Japão não puder ter relações diplomáticas amigáveis com um maior número de nações, a amizade com a Alemanha deve ser a mais próxima possível devido ao verdadeiro respeito pelo qual nós temos pelo direito do autogoverno.” [Kume, 1999, p306-307] (Tradução nossa]

 

Em pouco mais de vinte anos o amistoso discurso acima se dissolve, o Kaiser alemão Guilherme II cunharia a expressão “Perigo Amarelo” (ale. Gelbe Gefhar) citando os povos do Oriente – o Japão mais especificamente -  como uma ameaça geopolítica e militar e em 1902 Japão e Inglaterra assinavam a primeira Aliança Anglo-Japonesa de auxílio mútuo.

 

As fotografias produzidas em Yokohama

Foi a partir das fotografias de Yokohama (jap.Yokohama shashin), retratos e séries fotográficas temáticas encadernadas em belos álbuns, produzidos pelos pioneiros estúdios estrangeiros na crescente cidade portuária homônima e da literatura de viagem, produzida por escritores viajantes a partir de 1860, que as bases do que denomino “desejo do olhar” sobre o Japão, seus habitantes e costumes se conformaram. A aproximação dessas diferentes formas de narrativa contribuiu para consolidação de um imaginário sobre o país perante a Europa e América do Norte, ao mesmo tempo em que uma nova intelligentsia japonesa se apropriava deste discurso literário-imagético para ora reforçar a própria imagem divulgada a partir dos olhares não-japoneses, ora negá-la, influenciando a produção literária e imagética autóctone para consolidar um ideal de nação moderna não só perante o olhar estrangeiro, mas doméstico também. Desse modo, como um dos instrumentos da modernidade japonesa [ver Dezem, 2021]a nascente fotografia em meados do século XIX foi uma hábil ferramenta para enxergar o mundo e ser enxergado por ele, expondo no campo da cultura visual a incompletude de um imaginário orientalista binário como representação e dominação sob a perspectiva saidiana, pois como afirma o historiador Ali Behdad:

 

“A fotografia orientalista (...) é um imaginário em construção a partir de contingências históricas e estéticas; marcada por fraturas icônicas e fissuras ideológicas. Mas ainda assim regulada por um regime visual que naturaliza a sua maneira particular de representação”. [Behdad, 2013, p. 11] (Tradução Nossa)

 

Para Behdad o Orientalismo não deve ser entendido apenas como um discurso ideológico de dominação e poder ou como um termo neutro na História da Arte, mas como uma rede de relações estéticas, políticas e econômicas que atravessam as fronteiras nacionais e históricas [Behdad, 2013, p. 13] em narrativas transculturais.

 

Se apenas nos atermos a produção de imagens sobre o Japão por seus aspectos exóticos e relacionadas como mais uma peça do conceito de “Oriente como uma criação do Ocidente” perdemos de vista aspectos importantes da maneira como as culturas visuais sobre o Japão estão inseridas no processo de modernização japonesa. Segundo o historiador Luke Gartland, a modernização ocorrida no Japão possibilitou um aprendizado mútuo sobre “outro” como resultado de um processo de alta competitividade em uma indústria fotográfica transcultural [Gartland, 2016, p. 93] em zonas de contato [ver Pratt, 1991;1992] como as cidades portuárias de Yokohama e Nagasaki abertas aos estrangeiros. Além disso:

 

“Yokohama foi o maior ponto de trocas culturais de tecnologia, práticas visuais e sistemas de conhecimento, vindo a testemunhar também o crescimento de uma indústria fotográfica formatada por interesses tanto de japoneses quanto não-japoneses”. [Gartland, 2016, p. 93](Tradução nossa)

 

A produção e comercialização de álbuns temáticos, fotos avulsas e cartões de visita direcionada para os mercados interno e externo tinham como temática aspectos da modernização japonesa como também situações pitorescas, paisagens e tipos humanos, neste contexto uma parcela significativa dessas imagens foi produzida em estúdios nas décadas de 1860-1890. Segundo Gartland, os estúdios fotográficos funcionavam de certo modo como espaços de transculturalidade e de negociação entre operadores (japoneses ou estrangeiros) e clientela (geralmente estrangeira), desse modo:

 

“As fotografias produzidas em de Yokohama como souvenirs eram multifacetadas, produtos de uma indústria cosmopolita capaz de afirmar ou contestar os estereótipos culturais japoneses.” [Gartland, 2016, p. 102] (Tradução nossa).

 

A Guerra Russo-Japonesa (1904-05)

Considerada a “última guerra do século XIX , e a primeira guerra do século XX “o conflito foi um verdadeiro turning-point na geopolítica asiática e também nos estudos orientalistas da época. [Marchand, 2009, p. 214] A vitória japonesa sobre os russos dissolveu parte das narrativas anti-nipônicas que associavam a “raça amarela” como feminina, fraca, atrasada, representando os japoneses como “macaquinhos amarelos” citando o próprio Czar russo Nicolau II. Dessa forma os discursos acerca do Japão se tornam mais difusos. O “Perigo amarelo” se consolidaria na época a partir de uma ameaça racial, militar e geopolítica dependendo da perspectiva do interlocutor, contrapondo-se ao olhar ‘exotista’ que atingia o seu ápice com na ópera Madame Butterfly de Puccini (1904) representada pelos palcos europeus e americanos. A rápida modernização japonesa aos olhos ocidentais desloca o Japão do espaço imaginado asiático pelos ocidentais para um novo “espaço” ainda indefinido, onde intelectuais, diplomatas e opinião pública passam a ver a jovem nação Japonesa como uma possível líder asiática com a missão de modernizar (i.e civilizar) a região. Nesse contexto ocorre uma rearticulação dos discursos na Europa sobre a Ásia: a China derrotada em 1895 pelos japoneses é vista como um estado “decadente e arcaico”, fazendo contraponto ao “moderno e misterioso” Japão. O império russo se torna um reflexo dessa transitoriedade como podemos notar nos comentários de membros da assembleia nacional polonesa em 1904:

 

“O uso da terminologia “uma guerra entre as raças branca e amarela” ou “entre a civilização europeia e a barbárie asiática” nos deixa perplexos, porque nós sabemos que a Rússia é bárbara e asiática. Nós sabemos a proporção da coragem e da diligência japonesa na causa  da civilização do Extremo Oriente; enquanto que ao mesmo tempo, nós testemunhamos diariamente o que a Rússia tem feito para erradicara civilização europeia de seu território. O Japão não está lutando contra um campeão da causa europeia – Não! Ele luta contra a raça de bárbaros asiáticos que tentam destruir os frutos de séculos de civilização e progresso na Polônia e na Finlândia”. [Nihon gaikô monjo: Taiheyô sensô 2 Apud: Ogura, 2015, p. 44] (Tradução nossa).

 

O historiador Jean-Pierre Lehmann sugere que as leituras das nações europeias durante a guerra russo-japonesa transitavam a entre duas perspectivas: a perspectiva do “perigo amarelo” ou da “esperança amarela” [Wells & Wilson, 1999, p. 15]. O missionário norte-americano Sidney Gulick (1860-1904) – indo na contramão dos discursos atrelados ao “perigo amarelo” na época -  previa que a vitória japonesa não produziria uma nova potência imperialista na Ásia, mas tornaria o Japão “um mediador entre as raças branca e amarela” assegurando os interesses mútuos de todos [Wells & Wilson; 1999, p. 17]. Posição que inicialmente será a aventada por alguns intelectuais e diplomatas japoneses na época (“Pan-Asianismo como uma forma de Ocidentalismo”), mas que ao longo da era Taishô (1912-1926) e início de Showa (1926-1937) será desfigurada pelo nacionalismo japonês. [Ver Ogura, 2015] O conflito russo-japonês propiciou informações (militares) e lições (diplomáticas) importantes para a reflexão imediata e a posteriori (1910-1930) ao redimensionar a questão da dominação ocidental no Leste Asiático.

 

Considerações finais

Para dar sentido a realidade vivenciada a partir de fenômenos transculturais no campo textual e visual, a intersecção de sistemas codificados ou semiosferas [Lotman, 1990, p. 123-142] se torna uma importante forma de representação da maneira como cada sociedade constrói as narrativas sobre si e sobre os outros. Ao privilegiar o processo dialético como operação fluída e complexa entre diferentes espaços culturais [ver Ortiz, 2003] e seus produtos (“textos de cultura”) não-binários, as semiosferas possibilitam a averiguação dos desvios, das complexidades e dos ecos dos discursos orientalistas. Portanto a análise da nascente diplomacia Meiji e o seu diálogo com as nações europeias, do uso da fotografia como decodificadora de si e do outro não-japonês e dos discursos acerca do conflito russo-japonês que transitam entre “ameaças” e “esperanças”, contribuem para ressignificação do(s) olhar(es) orientalista(s) sobre o Japão. Semiose que ressalta as nuances discursivas sobre o “outro” japonês e dessa forma problematiza à afirmação de Said de que o Orientalismo é um discurso binário de domínio sobre os povos e culturas orientais.

 

Referências

Rogério Akiti Dezem é Historiador e Professor de Cultura e História do Brasil no Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade de Osaka (Japão). Autor das obras Shindô-Renmei: Terrorismo e Repressão (AESP, 2000), Matizes do Amarelo. A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil 1878-1908 (Humanitas-USP/FAPESP, 2005) e de mais de duas dezenas de artigos relacionados à História da Imigração Japonesa no Brasil. Desde 2015 se dedica a pesquisar a História Contemporânea Japonesa (1868-1968) a partir da iconografia e fotografia sobre o Japão/japoneses produzida por olhares nativos e estrangeiros.

 

Agradeço a leitura atenta da primeira versão deste paper e as sugestões pertinentes do Prof. Dr. Richard Gonçalves André (Depto. de História da Universidade Estadual de Londrina/Paraná - Brasil)

 

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11 comentários:

  1. Caro Prof. Dezem, agradeço pelo rico texto! Gostaria de explorar um pouco mais um dos aspectos do mesmo: qual a relação imagético fotográfica em relação a guerra russo-japonesa? Os japoneses exploram esse recurso na construção de sua autoafirmação? Ele detona ou contribui na disseminação do 'perigo amarelo'?
    Grato! =)

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    1. Bom dia/Boa noite Prof. Bueno. Seus questionamentos complementam de forma objetiva o meu paper, que por razões de limitação do número de palavras não pude desenvolver ao longo do texto. Vamos lá…
      Como é sabido a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) foi o conflito bélico mais observado, documentado e divulgado na época, inaugurando um novo período histórico em se fazer guerra e documenta-la. Tornando um paradigma nos estudos sobre fotojornalismo e guerra por exemplo.
      Os dois lados do conflito realizaram coberturas jornalísticas extensivas dos acontecimentos bélicos com a participação de jornalistas, escritores e observadores militares estrangeiros em ambos os lados do conflito. Entre os fotógrafos estrangeiros três se destacam: James Ricalton (1844-1929), James Hare (1856-1946) e Jack London (1876-1916). No entanto, o Japão usou de maneira mais efetiva os recursos técnicos de propaganda (iconografia e artigos em japonês/inglês)na época objetivando desconstruir as “desconfianças e temores” sobre o seu projeto de modernização, reforçar que o conflito tinha como objetivo “barrar o avanço russo na Ásia” e criar uma empatia ocidental pela causa japonesa.
      A cobertura maciça do conflito foi controlada pelo governo japonês, o material escrito e/ou iconográfico passava pela censura do governo antes de ser publicado. A produção iconográfico se baseou na divulgação doméstica das acessíveis e (ainda) populares xilogravuras (moku hanga) na forma de trípticos representando cenas heróicas de batalhas, revistas ilustradas semanais com imagens e retratos de figuras importantes no conflito e belos álbuns fotográficos confeccionados geralmente para o mercado externo (em japonês/inglês) para celebrar a modernidade japonesa, as vitórias no campo de batalha, os líderes militares (ou “heróis”) japoneses e reforçar que mesmo entre “vitoriosos e derrotados” havia respeito e um cavalheirismo entre japoneses e russos.
      O impacto desse material de propaganda no exterior dependeu da relação efetiva que governo e opinião pública do país tinha com relação ao Japão no período. Certamente a impressão foi positiva em se tratando de uma construção da pioneira de narrativas imagéticas sobre a “derrota” russa e, principalmente, sobre a retumbante “vitória” japonesa. Nações europeias como a Inglaterra, Itália, Espanha e Polônia produziram relatos positivos sobre a vitória japonesa, na França e na Alemanha as opiniões se dividiam entre o “aplauso” e a “temor”. No caso estadunidense, cuja questão imigratória amarela estava na ordem do dia, a vitória japonesa se soma aos debates imigratórios. Até onde li e pesquisei, as opiniões estavam bem divididas e as imagens sobre o conflito foram usadas por políticos, intelectuais e militares estadunidenses de maneiras diferentes. Exaltando a disciplina japonesa, a modernidade dos hospitais militares em Port Arthur e Darien (atual Dalian), neste caso as imagens “positivas” entram em conflito com relatos de militares japoneses sobre as precárias condições dos hospitais de campanha no interior do território coreano e o uso de tecnologia militar ocidental adaptada de forma eficiente a “moral oriental” (sic). Neste contexto, começou a se veicular nos EUA um olhar sobre o Japão como um “competidor” na geopolítica do Pacífico, uma das variantes do(s) discurso(s) que dão forma ao “perigo amarelo” na época.
      Acredito que a produção iconográfico da guerra russo-japonesa cuidadosamente produzida e divulgada pelo governo japonês na época, serviu efetivamente para reforçar as ambiguidades dos discursos sobre o Japão e os japoneses e menos para alimentar a ameaça do “perigo amarelo” de um modo geral.

      Att.

      Rogério A. Dezem

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  2. Professor, parabéns pelo texto!

    Em um parágrafo falando sobre como as influencias dos estudiosos ocidentais afetaram a imagem do Japão como sociedade, o senhor cita que " a possibilidade do oriental acreditar na imagem que é criada pelo orientalista." Como essa visão se aplica na sociedade atual japonesa? É possível que essa visão continue com a força destacada durante o texto, ou essa influência só aplica nos produtos que o Japão diretamente produziu com o intuito de exportação?

    Obrigada novamente pelo texto incrível! Leandra Barros Galindo

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    1. Bom dia/boa noite Leandra. Agradeço a pertinente questão. O Japão desde Meiji (1868) é um exímio manipulador da própria imagem. E soube usar (“acreditar” como Said aponta) as narrativas “positivas” construídas principalmente por europeus e estadunidenses ao seu favor, como propaganda positiva para atenuar os discursos ou imagens negativas sobre si. A partir de leituras, conversas e vivência por aqui (12 anos), na minha opinião, essa construção de uma “imagem” ou “ideia” de Japão no exterior tem duas vias: o desejo do “Ocidente” de buscar algo no “outro” japonês que não existe (imaginado) e a necessidade japonesa de apresentar a priori o lúdico, estético e a modernidade japonesa sempre de maneira “positiva” (harmoniosa e equilibrada) alimentando o “desejo do olhar” estrangeiro desde o final do século XIX. Podemos dizer que o Japão soube ao longo do séculos XX redimensionar e filtrar esses discursos produzidos no exterior e dessa forma “acreditar” e reproduzir cada vez menos as narrativas a partir da perspectiva do “outro”. Isso acontece principalmente no universo da produção cultural e midiática (“soft power”) do mangá, anime, música, cinema que funcionam como produtos de exportação eficientes para a manutenção da (justa) admiração pelo Japão. Claro que há as fissuras, aspectos negativos do “Japão real” para citar o crítico de cinema Donald Richie, no entanto uma parcela significativa do público estrangeiro que “consome o Japão” geralmente não se interessa por esse(s) aspecto(s) ou não quer enxergar os B-sides da sociedade e cultura japonesa. Reproduzindo desse modo olhares positivos e idílicos sobre o país do sol nascente.

      Att.

      Rogério A. Dezem

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    2. Muito obrigado pela resposta professor! Como avida consumidora das mídias produzidas pelo Japão (animes, mangás e música) sempre há uma parcela da vivência da sociedade japonesa reproduzida ali, seja pra fazer uma crítica ou pra usar esse ambiente para criar uma representação curada e seletiva como apontado em sua resposta.

      Acredito que a influência da identidade japonesa e da reafirmação dessa identidade vem ganhando força nos últimos anos, tanto por o consumo das mídias ter aumentado, como nas movimentações politico-sociais que vieram responder os acontecimentos causados pelo avanço da COVID 19 e os discursos de ódio que ficaram em evidência ainda mais durante e após as ondas mais severas da doença.

      Leandra Barros Galindo

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    3. Bom dia/noite Leandra. Você tocou em pontos instigantes sobre a maneira de se olhar o Japão e construir narrativas e um imaginário sobre o mesmo atualmente. O “soft power” japonês certamente é o carro chefe na produção de olhares sobre o(s) Japão (ões) nas principalmente nas últimas duas décadas. Noto isso nos alunos estrangeiros (muitos brasileiros) que recebíamos aqui na universidade até 2019. Que ao chegarem aqui tinham como referências de “Japão” os mangás, animês, J-Pop além da língua japonesa. No entanto, após alguns meses de vivência por aqui essa relação “cultura visual japonesa” x realidade redimensiona o olhar dessa garotada sobre o Japão. Em alguns casos reforçando elementos reproduzidos no universo dos mangás/animês, mas em outros distanciando o universo midiático (muitas vezes idealizado) da vivência do dia-a-dia. Os efeitos disso durante e pós-pandêmicos ainda estão rolando, portanto não tenho elementos para responder/dialogar mais especificamente contigo. Escrevo isso como observador, não como estudioso, pois essa não é a minha área…

      Att.

      Rogério A. Dezem

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    4. Ps. Leandra agradeço as observações e perguntas. Obrigado!

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  3. Professor, até onde nós do ocidente podemos utilizar/ compartilhar conceitos como o feudalismo, absolutismo, fascismo para tratar da história japonesa e/ou aproximar esse oriente do ocidente sem "cometer" orientalismo? Ou isso não seria possível?

    Maria Heloisa Andrade Pinheiro

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  4. Bom dia/noite, Maria Heloísa. Agradeço ao questionamento que toca em um ponto importante e seria necessário no mínimo um outro paper para respondê-lo, mas vamos lá… As pesquisas históricas pioneiras sobre o Japão no universo do Orientalismo anglo-saxão e francês no final do século XIX início do XX, buscavam, a partir de traduções e adaptações de termos históricos japoneses para conceitos históricos “ocidentais” (feudalismo, absolutismo, modernismo etc), uma forma de apresentar e decodificar o Japão. Dessa forma são produzidas narrativas históricas que pudessem se aproximar (ou distanciar) do saber histórico ocidental (paralelismos), objetivando dar sentido as realidades sócio-históricas e cronológicas a priori em espaços geográficos e culturais diferentes (ie feudalismo europeu x “feudalismo” japonês). Essa metodologia não visava o domínio ou demonstrar alguma forma de superioridade “ocidental” em grande parte dos trabalhos historiográficos de caráter mais consistente e aprofundado.
    Note que algo similar ocorreu de forma inversa, a partir da era Meiji o contato efetivo com o pensamento ocidental criou a necessidade de tradução/adaptação/criação de conceitos e termos das ciências humanas para a língua japonesa como “civilização” e “religião”. Um caminho de construção de narrativas históricas sobre o outro de “duas vias” geralmente e não de uma “mão única” como seria a prerrogativa dos discursos orientalistas a partir da teoria crítica do Said. Claro que nesse contexto surgiram autores e produções acadêmicas (ou não) que definem esse processo como uma imposição de conceitos alienígenas a realidade histórica japonesa, principalmente quando se estuda o período Edo. Portanto é uma questão que pode ser avaliada por diferentes prismas, apresentando os princípios autores que utilizam esses conceitos (de forma crítica ou não), situar os locais de produção desses trabalhos e os momentos (antes ou depois da segunda guerra mundial por exemplo).

    Att.

    Rogério A. Dezem

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  5. Olá, prof. Dezem.
    Primeiro, parabéns pela pesquisa! Fico muito contente em ler sua produção e colaboração sobre os limites do orientalismo de Said para pensar o caso japonês. As suas reflexões ajudam muito na minha pesquisa, mais uma vez obrigado.
    Agora, minhas perguntas:
    1) Uma passagem da citação do secretário Kunitake Kume me causou curiosidade: “(...) A elegância e o bom gosto das nossas imagens de flores e pássaros são muito admirados, mas a inépcia dos nossos retratos e pinturas de atores com maquiagem são francamente embaraçosas”. Os atores com maquiagem aos quais o secretário se refere seriam atores de teatro kabuki (estou chutando que sejam)? E pelo que entendi da citação, a inserção das imagens dos atores com maquiagens foi uma escolha das autoridades japoneses, mas não teve uma recepção positiva do público na época. Seria isso?
    2) Tive breve contato com a crítica de Ali Behdad através de um curso do prof. Victor Kebbe (confesso que não li a obra dele ainda). Na ocasião foi citado uma ressignificação nativa feita principalmente pelas elites locais que passam a solicitar a produção de retratos deles mesmos na mesma estética das elites ocidentais. Logo, percebe-se o “oriental” não como passivo, mas ativo na produção de discurso em benefício próprio. Pensando no caso japonês, no seu texto anterior para o simpósio do ano passado, o prof. Dezem cita a fotografia do imperador Mutsuhito feita por Uchida Kuichi e acho que isso poderia ser interpretado com um “oriente” ativo e não passivo também, correto? Se sim, poderia citar outros exemplos específicos de nativos produzindo imagens em “benefício próprio”? Por conhecer pouco (ou quase nada), a princípio interpretei que as fotografias produzidas em Yokohama atenderiam mais uma demanda do público ocidental (“desejo do olhar”) e de certa forma a ter ganhos econômicos em benefício próprio. Mas ainda assim, existiram fotógrafos nativos (japoneses) que tiveram a iniciativa de colocar no mercado uma produção que fugisse da demanda do público ocidental e por consequência tentassem fugir daquilo que é estereótipo?
    3) Aproveitar a oportunidade e perguntar algo que se relaciona com minha pesquisa sobre imigração japonesa no Brasil. Partindo do pressuposto que os descendentes de japoneses (nipo-brasileiros) são interpretados como “orientais” (em oposição a restante da população “ocidental”) indiferente da geração (nissei, sansei, etc.), também podemos pensar a construção de um discurso estrategicamente pensada de forma “ativa” e não “passiva”? Pergunto considerando discursos e imagens produzidas por parte dos descendentes como as lideranças de associações étnicas em momentos celebrativos como comemorações de anos de imigração.
    Por fim, minhas saudações e parabéns novamente pelo texto!
    Forte abraço
    Robson Hideki Mori
    (Desculpe realizar as perguntas fora do prazo, mas espero que possar ler)

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