Durante mais
de dois mil anos a organização política, a estrutura social e o modo de
produção na China sofreram poucas alterações. O império estava dividido em
várias regiões, cada uma com a sua estrutura administrativa, identidade
económica e social, mas unidas pelo dever de obediência ao imperador. Nos
finais do século XVIII apareceram os primeiros sinais inquietantes de
degradação do Estado e do equilíbrio social, porque a população começou a
crescer e a economia, fundamentalmente agrária, deixou de responder às novas
exigências (Spence, The search for modern
China).
As despesas
da aristocracia e da corte manchu aumentaram significativamente nos últimos
anos do governo de Qianlong (1736-1799), facto que arruinou irremediavelmente
as finanças públicas. Para tentar inverter esta situação, o imperador
centralizou o poder e procurou conciliar os interesses locais, regionais e
centrais, que muitas vezes se opunham. No entanto, a nova estrutura
político-administrativa revelou-se ineficaz, por falta de coordenação,
excessiva e minuciosa regulamentação e ao grande atraso com que as decisões
imperiais chegavam às províncias mais longínquas, facilitando assim o aumento
da corrupção. Prova-o o facto de muitos cargos administrativos serem comprados,
incluindo as magistraturas, procurando depois os seus titulares reaver o
dinheiro investido. Por outro lado, o governo central também estava mal
informado sobre a situação das províncias e a evolução das campanhas militares.
Ao nível
demográfico, entre 1741 e
Sendo assim,
a esmagadora maioria dos camponeses não eram proprietários de terras e gastavam
quase 50% da produção no pagamento das rendas. Estas eram pagas sobretudo em
dinheiro, pelo que cerca de 30% do respectivo valor era desperdiçado no câmbio
de sapecas de cobre, cada vez mais desvalorizadas, por moedas de prata. O
crescimento da população e a ausência de novos recursos contribuíram assim para
a subida dos preços e para o empobrecimento geral da população. Por todas estas
razões, a partir de 1795 começaram a surgir revoltas de camponeses no Noroeste
da China e em Henan, Hunan e Guizhou e aumentou a pirataria nas costas do
Guangdong e de Fujian (Fairbank, The
great chinese revolution (1800-1985).
Pelos mesmos
motivos, no ano de 1796 deflagrou no Norte da China a rebelião camponesa do
Lótus Branco, extinta em 1804, e reactivada entre 1811 e 1814, na bacia
inferior do rio Amarelo, que contava com a cumplicidade de altos funcionários
da Corte, também eles descontentes com a contenção financeira do imperador
Jiaqing, sucessor de Qianlong.
Estas
sublevações foram controladas, mas as suas causas mais profundas continuaram
bem vivas, nomeadamente a escassez de terras aráveis e o aumento das rendas.
Nem mesmo os arroteamentos e a difusão de novas culturas, como o milho e o
amendoim, conseguiram atenuar o problema. Não admira, por isso, que tenham
aumentado as revoltas campesinas ao longo de toda a primeira metade do século XIX.
Entre 1832 e 1833, por exemplo, o Sul da China, entre Hunan e Guangxi, foi
devastado por grandes insurreições motivadas pela posse da terra.
Em meados do
século XIX as regiões chinesas mais densamente povoadas eram o delta do rio
Yantze, os distritos do Norte e, no Sul, a região do Guangdong. Nesta última
província, que forneceu maior número de emigrantes para Cuba e para o Peru, a
população concentrava-se em pequenos vales, sobretudo entre o rio Si Kiang e os
seus afluentes, Pei Kiang e Tong Kiang, que formam o delta do rio das Pérolas.
Junto a estes rios existiam milhares de canais, diques e riquíssimas planícies
aluviais que, no início da segunda metade do século XIX, faziam desta região
uma das mais férteis de toda a China.
Sendo assim,
todas as parcelas de terra eram ínfimas e rigorosamente medidas. Uma família
ocupava em média um hectare de terra arável, outras vezes apenas metade, ou até
menos. Não eram criados animais para auxiliar nas actividades agrícolas porque
a terra era demasiado rica para ser transformada em pastos, pelo que todo o
trabalho era feito manualmente, com recurso a alfaias construídas pelos
próprios agricultores. Nesta economia de subsistência não havia contratação de
mão-de-obra, nem comercialização de produtos. A maior parte da população vivia
em barcos e às vezes o espaço era até exíguo para os amarrar à terra. Se
ocorresse algum desastre natural, formavam-se grupos de mendigos que procuravam
alimentos noutras aldeias ou cidades, mas muitos sucumbiam à fome (Huc, L’empire chinois).
Por outro
lado, desde a primeira metade do século XIX que a sociedade chinesa,
particularmente no Guangdong, estava a sofrer alterações devido à ambição dos
comerciantes britânicos introduzirem o ópio no Império (Collis, Foreign Mud; Sheng, From the opium war; Fairbank, Trade
and diplomacy; Osterhammel, «Britain and China (1842-1914)». A
importação crescente desta mercadoria ilegal, sobretudo a partir da década de
1830, criou uma complexa estrutura de relações e de novos empregos, como
marinheiros, trabalhadores portuários, piratas, contrabandistas, traficantes e
funcionários imperiais, que iludiam as proibições oficiais a troco de
benefícios particulares. Porém, estas novas profissões não conseguiram de forma
alguma resolver o problema do desemprego e da fome. Acresce que a generalização
do consumo do ópio debilitou os organismos e diminuiu ainda mais os escassos
orçamentos familiares.
A pressão
britânica para forçar a entrada desta mercadoria no Império levou a
Grã-Bretanha e a China a envolverem-se, a partir de 1839, na chamada I guerra
do ópio. Neste conflito, as forças imperiais foram incapazes de travar a
progressão das potências ocidentais. Por outro lado, as milícias camponesas
que se organizaram em 1841 em Cantão, e que reprimiram com êxito algumas
pilhagens levadas a cabo pelos militares britânicos, foram desaprovadas pela
administração local e central, com receio de que elas se revoltassem também contra
os poderes estabelecidos.
A contenda terminou em 1842, com a
assinatura do tratado de Nanquim, que forçou a China a abrir ao comércio
internacional os portos de Cantão (província de Guangzhou), Amoy, Nanquim,
Ningbo e Xangai, a ceder Hong Kong à Grã-Bretanha, a pagar uma indemnização de
21 milhões de dólares de prata e a suprimir o monopólio do Cohong (associação
comercial de Cantão que controlava o comércio com a Ásia do Sudeste, Índico e
Europa). Este convénio abriu caminho ao tratado adicional de 1843, que impôs a
favor da Grã-Bretanha o princípio da extraterritorialidade e a cláusula de
nação mais favorecida. No ano seguinte, em
Em virtude
de o tratado de Nanquim não incluir medidas contra o tráfico do ópio, os
comerciantes britânicos intensificaram a introdução desta droga no Império. Os
pagamentos eram feitos em prata, facto que contribuiu ainda mais para esvaziar
os cofres públicos e privados. Os preços de quase todos os produtos também
subiram, principalmente no Sul da China, o prejudicou sobretudo as classes mais
desfavorecidas, cujos impostos eram calculados com base na moeda de prata. À semelhança
do que se passava internamente com a prata e o cobre, também o bimetalismo ouro
– prata, usado à escala mundial, arruinou significativamente a economia chinesa
no século XIX.
Com a
deslocação do eixo económico em direcção ao Norte, a região de Xangai adquiriu
grande prosperidade em relação à de Cantão, tanto na distribuição do ópio como
na comercialização do chá (Hsu, The rise
of modern China). Esta recessão económica no Sul da China, particularmente
no Guangdong, Guangxi e Hunan, provocou a ruína dos comerciantes que viviam nos
arredores de Cantão e nas grandes rotas do interior, ao longo dos vales dos
rios Xiang e Gan, que doravante ficaram sob controlo dos ocidentais. A venda
dos escassos produtos agrícolas e manufacturados chineses também baixou, devido
às barreiras alfandegárias impostas pelos europeus. Esta decisão permitiu a
introdução no Império, ainda que lentamente, dos excedentes da produção
industrial do Ocidente. Como a China não tinha grandes indústrias para absorver
o excesso de mão-de-obra agrícola e artesanal o desemprego subiu novamente.
O Estado
chinês, que a partir de 1843 enfrentava ainda maiores dificuldades financeiras,
aumentou os impostos, reduziu os orçamentos das províncias e os salários dos
seus funcionários. Estes factos levaram ao aparecimento de importantes seitas e
sociedades secretas nas minas de carvão, como o Turbante Amarelo, Lótus Branco
e Tríade. O governo encerrou as minas com receio de desordens, causando ainda
mais desemprego. O espectro da fome levou muitos homens a vaguearem como moços
de fretes, a dedicarem-se à pirataria nas costas do Guangdong, Fujian e
Zheijiang, a entregarem-se ao banditismo, e a fomentarem sublevações em todo o
Sul da China.
Nas décadas
de 1840 e de 1850 esta situação agravou-se devido às grandes calamidades
naturais. Neste âmbito destaca-se a seca severa em Honan (1847) e as inundações
ao longo do rio Yantze, que atingiram as províncias de Hupeh, Anhwei, Kiangsu e
Chekiang. No ano de
A maior e
mais mortífera foi a revolta dos Taiping (Spence, God’s chinese son. The Taiping e Chesneaux, Movimientos campesinos en China (1840-1949). A rebelião iniciou-se
em 1850, no Sul da China, na província de Guanxi. A inspiração cristã do líder,
mesclada pelo budismo, taoísmo e maniqueísmo, que se opunham ao confucionismo
da dinastia manchu, imprimiu ao movimento um carácter religioso. A ideologia
Taiping alicerçava-se em objectivos igualitários, revolucionários e puritanos.
As terras das regiões submetidas eram confiscadas e distribuídas de igual forma
entre todos os que estavam em idade de as poderem cultivar. Ambicionava-se a
criação de um regime sem propriedade privada e em que as necessidades básicas
dos indivíduos seriam asseguradas pela comunidade. A industrialização e a
melhoria dos transportes eram apontados como factores decisivos para o
desenvolvimento económico. Nesta sociedade ideal, as drogas, o luxo e o jogo
lucrativo eram proibidos.
Não admira,
por isso, que milhões de chineses desempregados e famintos tenham aderido a
este movimento, quer como soldados, quer como simples seguidores. Foi por estes
motivos que a rebelião alastrou rapidamente a todo o Sul, Sudeste e Leste da China. Em 1853 Xangai caiu em poder dos Taiping e
tornou-se a sua capital.
Inicialmente
as potências ocidentais, nomeadamente a Grã-Bretanha e os EUA, apoiaram este
movimento rebelde, pela sua política de não hostilização. Fizeram-no devido ao
seu rápido avanço, à oposição que movia às forças imperiais e às ligações que
mantinha com o protestantismo. Beneficiando desta estratégia, usada entre
1853-1854, os Taiping avançaram em direcção ao Norte, mas fracassou a sua
tentativa de conquistar Pequim, no ano seguinte.
Enquanto o
Sul e o Leste da China mergulhavam assim numa sangrenta guerra civil, a partir
de
As
dificuldades de ratificação dos tratados levaram, no entanto, as tropas
anglo-francesas a entrar em Pequim em 1860. A partir desta altura, a China foi
forçada a render-se definitivamente aos interesses ocidentais. Este avanço das
forças estrangeiras no Império acentuou a degradação do Estado e agravou a
crise social no Nordeste e na região atravessada pelo rio Yantze. O desemprego
aumentou, facto que levou à deslocação de muitos chineses em direcção ao Sul,
onde os ocidentais os aliciavam com propostas de emigração e de enriquecimento
fácil. A
partir de 1862, à semelhança do que aconteceu após a I guerra do ópio, as
companhias de navegação britânicas e americanas dominavam o tráfego no rio
Yangzi, na região entre Cantão e Xangai, que antes estava a cargo das
embarcações fluviais e dos juncos chineses. Em 1872 Li Hongzhang criou a
companhia chinesa de barcos a vapor, para tentar inverter esta tendência, mas
as empresas ocidentais baixaram subitamente os preços e destruíram a
concorrência.
Quanto às
promessas dos chefes Taiping, também não estavam a ser cumpridas. Fracassaram
os projectos de desenvolvimento industrial e dos transportes e muitos dos
pequenos e médios proprietários de terras estavam descontentes com a sua
repartição. Por outro lado, o luxo em que viviam alguns dirigentes deste
movimento começou a gerar grande descontentamento e hostilidade entre os
seguidores.
A partir de
1860, por incitativa da administração das províncias, dos letrados e com o
apoio moral e material das elites, surgiram novos exércitos e chefes recrutados
localmente, que lutaram contra os Taiping. Dois anos depois, as potências
ocidentais, com receio de perderem o controlo das alfândegas de Xangai,
apoiaram as tropas ao serviço do Império. Terminou desta forma, no ano de 1864,
uma das maiores e mais sangrentas guerras civis da História, que matou pelo
menos vinte milhões de pessoas (Chang-Rodriguez 1958/
Gernet 1991).
Apesar de
extinta a revolta, permaneceram inalteráveis as causas que estiveram na sua
origem e que continuaram a dar novo alento a outros levantamentos populares.
Entre estes destacam-se: a rebelião dos Nian (1851-1868), no Norte, que
colaboraram com os Taiping na tentativa falhada de tomar Pequim; a insurreição
dos aborígenes em Guizhou (1854-1872); a agitação dos Miao no Sudoeste; as
revoltas das comunidades muçulmanas do Noroeste, sobretudo nas províncias de
Shenxi e Gansu (1855-1873) e que, ao contrário das anteriores, lutavam
essencialmente contra a discriminação religiosa.
Na sequência
destas rebeliões, a economia chinesa foi gravemente afectada. A emergente zona
industrial, desde Nanquim até Taihu e Hangzhou, conhecida também pelos seus
centros intelectuais, foi em grande parte saqueada e destruída. Ultrapassada
esta fase, foi necessário reconstruir as cidades, celeiros e diques e dar aos
camponeses a possibilidade de adquirirem alfaias agrícolas, sementes e animais
a preços mais acessíveis. Para evitar novas sublevações, o imperador viu-se
obrigado a reduzir os impostos aos camponeses e a aumentar ligeiramente os
tributos ao artesanato e à indústria. Porém, as finanças públicas arruinaram-se
ainda mais e o comércio interno diminuiu. O alívio inicial da pressão
demográfica, que resultou das guerras com o Ocidente e das rebeliões internas,
não produziu o efeito esperado. A pobreza do Império acabou por favorecer os
nobres e os grandes proprietários agrícolas, que viviam das rendas e da
comercialização dos produtos agrícolas.
As
alternativas encontradas por milhões de chineses famintos foram as migrações
internas e a procura de novos destinos fora do Império. Com efeito, muitos
foram primeiro para o Nordeste, para as regiões aráveis do Liaodong, e depois
para o Norte, para as montanhas arborizadas e geladas. Alguns rumaram a Taiwan,
para se dedicarem à agricultura, outros foram para o Sudoeste, onde tiveram que
enfrentar as tribos hostis das montanhas, enquanto outros optaram pelas zonas
fronteiriças do Vietname e da Birmânia, pelas terras áridas do Tibete ou ainda
pelos vastos desertos de Xinjiang. Um número significativo de chineses migrou
para as cidades em desenvolvimento, como Hankou, Xangai e Tianjin, onde as
novas indústrias começavam a empregar alguma mão-de-obra.
A longa de
tradição de contactos comerciais entre os habitantes das províncias do Sul e os
povos de outras regiões, nomeadamente de Java, Ceilão, Índia, Costa Arábica,
Sul de África, Japão, Filipinas, Bornéu, Sumatra, Indonésia, Austrália,
Singapura e Península de Malaca, fez com que muitos chineses emigrassem também
para estas regiões.
A
convivência dos habitantes do Sul da China com os ocidentais levou-os desde a
década de
Esta emigração começou em Amoy em 1847, mas
foi Macau, território sob administração portuguesa, que se tornou entre 1851 e
1874 o seu principal porto de embarque. Nesta cidade foi montada uma complexa
estrutura, constituída por uma rede consular, agentes das casas importadoras,
engajadores, funcionários do governo, donos de armazéns, entre outros, que
colaboraram activamente neste sistema.
Em Cuba, desde 1820 os escravos começaram a escassear
e os preços subiram nos mercados da ilha, devido aos movimentos abolicionistas
britânicos, às frequentes doenças e à elevada mortalidade. Desde 1847 que a mão
de obra chinesa representava uma alternativa para responder às exigências das
grandes plantações e dos engenhos de cana-de-açúcar, numa tentativa de evitar o
aumento dos preços, e desenvolver novas obras públicas.
No Peru também havia grande necessidade de
mão de obra, devido às doenças dos escravos, à sua escassez e encarecimento no
mercado e posterior libertação. Os
chineses destinavam-se à exploração do guano, à produção da cana-de-açúcar e de
algodão, produtos que eram solicitados de forma crescente pelo mercado europeu,
e à construção dos caminhos de ferro.
Mais de 250 000 chineses assinaram contratos
de oito anos, o que na prática era sinónimo de semi-escravidão, dos quais a
maior parte se libertou com muita dificuldade. Aqueles que conseguiram fazê-lo
abriram os seus negócios e integraram-se lentamente nas sociedades locais, mas
poucos conseguiram regressar à China.
Referências
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COLLIS, Maurice Collis, Foreign Mud: the opium imbroglio at Canton in
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SPENCE, Jonathan D., The search for modern China, Nova Iorque, W.W. Norton
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Boa noite,
ResponderExcluirO texto mostrou como a região de Guangdong, de onde saiu a maioria dos imigrantes chineses no século XIX, era cheia de sociedades secretas e seitas. Existe algum tipo de evidência que grupos similares existiram dentro das comunidades chinesas no Ocidente, pelo menos naquelas formadas por pessoas oriundas do sul?
Grato,
Vinícius Andrade de Araújo.
Caro Vinícius Andrade de Araújo.
ExcluirMuito obrigado pela sua pergunta.
Os chineses que foram para a Cuba e para Peru com um contracto de 8 anos, ou seja até 1874, e que enfrentaram um quotidiano muito diferente daquele que ambicionavam, tiveram um nível muito baixo de aculturação. Num contexto em que os chineses podiam ser objecto de troca, e em que a sua junção ou separação dos compatriotas de outras aleias ou regiões era prática corrente, e em que o trabalho diário desde o alvorecer até ao anoitecer era imposto como regra, não sobrava muito tempo para se dedicarem às seitas ou às sociedades secretas. Na segunda vaga de emigração, a partir de 1874, sobretudo no Peru, os chineses tinham melhores condições económico-financeiras e laborais. Estes chineses começaram a entender os modelos culturais da sociedade em que estavam integrados e, no domínio público, aceitavam essa cultura. Porém, no âmbito privado, continuavam a observar a sua matriz cultural. Foi nesta altura que começaram a surgir as Associações Culturais Chinesas, que já integravam as seitas, e perduram nos séculos seguintes.
Mas as seitas tiveram outras portas de saída da China. Cito dois exemplos: partir de 1949, quando o partido comunista assumiu o poder, os territórios de Hong Kong (administrado pela Grã-Bretanha) e de Macau (sob administração portuguesa) também desempenharam neste âmbito o seu papel. Efectivamente, só em Hong Kong estimava-se que existiam nesta altura cerca de 300.000 cidadãos que faziam parte de alguma seita. Algumas delas eram mesmo tríades, como lhe chamavam os ingleses, devido ao seu carácter violento. Alguns destes grupos, parecem ter nascido de um movimento revolucionário que referi na minha comunicação – a seita do Lótus Branco – que se supunha ter nas suas fileiras mais dois milhões de membros e que provocaram muitas revoltas. A partir daqui a passagem para o ocidente, apesar do vazio documental, não parece ter constituído grande problema. Ainda hoje se acredita que alguns membros destas seitas poderão estar ligados à prostituição, às drogas ilícitas, ao contrabando de cigarros, de munições, roubos, jogos de azar, etc. etc. Mas para muitos membros das seitas, esta é também uma forma de manter o seu status quo cultural.
Olá Prof. Maria
ResponderExcluirGostaria de parabenizar o texto e aproveitar para perguntar acerca da atualidade na China. Está cada vez mais comum a saída dos jovens chineses do país em busca de novas oportunidades e conhecimentos. Essa interação com os demais países pode oferecer um risco para a China?
Desde já agradeço a atenção
Crislli Vieira Alves Bezerra
Cara Crislli Vieira A.Bezerra,
ExcluirMuito obrigado pela sua pergunta.
De acordo com os dados divulgados pela OCDE em 2011, depois da Índia, a China aparece em 2º lugar na lista da chamada ‘diáspora científica’ (1,6 milhões). Não creio que esta situação constitua um problema para a China, antes pelo contrário. A China entende esta circulação de ´cérebros´ como uma questão estratégica. Os jovens chineses completam a sua formação académica sobretudo nos Estados Unidos da América, mas aparecem de modo crescente noutros países, como Portugal, por exemplo. Para a China, a saída destes jovens representa uma forma de fomentar as colaborações científicas e de ajudar a economia chinesa a desenvolver-se, nomeadamente a sua indústria, que pretende ingressar cada vez mais no mercado internacional, nomeadamente no mercado norte-americano.
Ainda segundo os dados da OCDE, a China, ao facilitar a saída de cientistas, e ao trazer parte deles parte deles de volta, quase conseguiu duplicar a percentagem de colaborações científicas internacionais entre 2005 e 2015, tendo passado de 7,4% para 12,2% do número total de artigos publicados. Estes dados elucidam bem a forma como a China encara este fenómeno, que é completamente diferente do que se verificou com a emigração chinesa contractada e livre que aconteceu no século XIX.