A OBRA XUNZI
COMO FONTE DE PESQUISA DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA CHINESA ANTIGA por Matheus
Oliva da Costa
Introdução
Um dos motivos que comecei a estudar e pesquisar a obra Xunzi, foram os debates levantados com
outros autores pelo o seu autor homônimo, o filósofo Xun (Xunzi 310-211 AEC).
Ele se coloca como defensor da Escola dos Eruditos (“confucionismo”), mas teve
inspirações e ensinou a membros da Escola das Leis, usava selecionadamente
termos dos daoístas Laozi e Zhuangzi, utilizava algumas estruturas teóricas dos
moístas enquanto criticava veementemente o filósofo Mo (Mozi), entre muitas
outras interações com textos e ideias das “cem escolas” de pensamento. Por isso
mesmo, nesse breve texto defendo que o Xunzi
é uma relevante fonte de registro dos autores, ideias e debates da filosofia
antiga chinesa.
Se o que eu defendo fizer sentido, a leitura do Xunzi constitui por si só uma fonte de informações sobre o campo
filosófico, especificamente, e da história das ideias da China antiga, em geral.
De forma complementar, o estudo do Xunzi
nos convida a conhecer novos autores, ler outras obras e entender como o que
ele diz se relaciona com o seu tempo histórico. Mais do que isso, entender os
pontos defendidos por Xun implica conhecer quem, o que e como ele está
criticando, para depois ter maior clareza sobre suas posições e argumentos.
Já foi publicado recentemente um texto sobre as críticas do filósofo
Xun no seu capítulo 22 (Zheng Ming,
Nomeação Correta) contra o que ele atacou como sendo falácias de outros
filósofos do seu tempo (Costa, 2021b). Este é um exemplo entre muitos de
críticas a teses de outros pensadores, contudo, esse capítulo 22 é um exemplo
de críticas indiretas, sem citar nomes, que Xun fez aos seus oponentes
intelectuais. Ele também elaborou julgamentos específicos contra algum filósofo:
os capítulos 18 e 20 são exemplos desse último caso, em que ele critica ideias
do Mozi e do Songzi, respectivamente. Dessa vez busco mostrar alguns trechos do
Xunzi em que ele faz críticas
explícitas a vários outros filósofos – trechos de tradução que serão mostrados
abaixo, de forma direta ou sintetizada. A seguir, analisarei esses trechos do Xunzi buscando responder à pergunta: de
que forma a sua obra nos possibilita a conhecer mais as ideias da antiguidade
chinesa?
Capítulo
Livrar-se das obsessões, trecho 5
O capítulo 21 do Xunzi,
Livrar-se das obsessões (Jie Bi), provavelmente foi escrito no início da carreira do filósofo
Xun, quando ele foi estudante na Academia Jixia (Knoblock, 1982-1983, p. 35).
Esse foi um espaço de trocas e disputas intelectuais na China Antiga durante o
período dos Estados Combatentes (aproximadamente 403-221 AEC), tempos de
intensa instabilidade política e bélica. Dentre as estratégias que Xun usou
para explicar o que ele entendia ser um grande problema epistêmico para o
estabelecimento da ordem no seu tempo, as obsessões,
ele articula o seguinte trecho que traduzi para atacar quem eram os filósofos
(zi) obsessivos (bi) e defender quem era o modelo de filósofo livre de
obsessões, Confúcio:
“No passado, os peregrinos renomados eram pessoas obcecadas e
eram das várias escolas [de pensamento] desordenadas. Mozi [Mo Di] obcecava-se
pela utilidade e não reconhecia [os refinamentos da] cultura. Songzi [Song Xing]
obcecava-se pelo desejo e não reconhecia a realização [pessoal para além dos
desejos naturais]. Shenzi [Shen Dao] obcecava-se pelas leis e não reconhecia as
virtudes [como valor de uso político]. O Shenzi [Shen Buhai] obcecava-se pelas
táticas pelo poder e não reconhecia o conhecimento [seguro e constante]. Huizi
[Hui Shi] obcecava-se pelas proposições e não reconhecia a realidade [concreta
para além da linguagem]. Zhuangzi [Zhuang Zhou] obcecava-se pela natureza e não
reconhecia os humanos [em sua singularidade]. Então, referir-se ao Caminho por
meio da utilidade é limitá-lo ao ‘benefício’. Referir-se ao Caminho por meio do
desejo é limitá-lo a ‘satisfação’. Referir-se ao Caminho por meio das leis é
limitá-lo ao ‘controle’. Referir-se ao Caminho por meio das táticas pelo poder
é limitá-lo a ‘conveniência’. Referir-se ao Caminho por meio das proposições é
limitá-lo a ‘discussão’. Referir-se ao Caminho por meio da natureza é limitá-lo
a ‘conformidade’. Estas [posições] contam como ferramentas [úteis], mas todas
são apenas um aspecto do Caminho. Contudo, o Caminho tem forma constante e abarca
[todas] as transformações, um aspecto é insuficiente para expressá-lo. O
conhecimento distorcido das pessoas vê apenas um aspecto do Caminho e não é
capaz de conhecê-lo. Então, ao pensar que isso é suficiente e elogiável,
internamente desordenam-se a si mesmos, externamente confundem as pessoas; [estando]
por cima, obcecam-se por baixo, [estando] por baixo, obcecam-se por cima: essas
são as desgraças de estar na condição de ser obcecado. Confúcio [tinha as
virtudes da] humanidade e da sabedoria e também não era obcecado, então
estudava os diversos métodos suficientemente: considero [suas virtudes] tal
como as dos Reis Antigos. O princípio da sua Escola
realizou o Caminho Amplo e escolheu empregá-lo, não foi obcecada
a ponto de fixar-se e estagnar-se. Assim, sua virtude está no nível do duque de
Zhou, seu renome está à altura dos três Reis [Sábios da Antiguidade]. Essas são
as felicidades de não ser obcecado” (Xunzi, cap. 21.5, 2006, tradução nossa).
Capítulo Discurso
sobre o Céu, trecho 17
Escrito mais tardiamente, o capítulo 17, Discurso sobre o Céu (Tian
Lun) é um escrito mais maduro e sistemático. Quando o redigiu, Xun já havia
estudado, trabalhado como ministro, e provavelmente era professor-chefe da
Academia Jixia (Knoblock, 1982-1983, p. 38 e 46). Ao final do capítulo, ele
elabora uma crítica mais sintética e parecida com a que foi lida anteriormente,
mas apresentou uma lista um pouco diferente de autores. Seu ponto principal,
como no capítulo 21 mostrado acima, é a defesa de ser completo e não parcial,
entendendo que somente o Caminho dos Reis Sábios proporcionaria essa amplitude
de visão e de postura ética, ou seja, a percepção correta da ordem natural e da
ordem social, somada à postura político ética confuciana.
“As dez mil coisas representam [apenas] uma parte do Caminho
(Dao), uma coisa representa apenas
uma parte das dez mil coisas. As pessoas tolas agem [baseadas apenas em] uma
parte de uma coisa, mas elas próprias consideram conhecer [todo] o Caminho,
[mas] não o conhecem. Shenzi [Shen Dao] expressava a perspectiva de manter [um
governo], não a perspectiva de liderar; Laozi expressava a perspectiva do
ceder, mas não da confiabilidade; Mozi expressava a perspectiva da
uniformidade, mas não da diferenciação [social]; Songzi [Song Xing] expressava
a perspectiva do ter pouco [desejo], mas não do ter muito [desejo]. Tendo a
manutenção, mas sem a liderança, segue-se que as massas não terão saídas [para
seus problemas]. Tendo o ceder, mas sem a confiabilidade, segue-se que o
valoroso e o sem valor não são diferenciados. Tendo a uniformidade, mas sem a
diferenciação, segue-se que as ordens do governo não serão aplicadas. Tendo
poucos [desejos], mas sem aumentá-los, segue-se que as massas não se
transformam” (Xunzi, cap. 17.17, 2006, tradução nossa).
Capítulo Contra
os 12 filósofos, trechos 1 ao 9
Após ter estudado e ter sido professor-chefe na Academia Jixia, e já
com vasta experiência como ministro em vários Estados, de volta a Zhao, sua
terra natal, ele escreveu o capítulo que foi editado como o 6º do livro Xunzi, Contra os 12 filósofos (Fei Shier Zi), conforme Knoblock (1982-1983, p. 46). Mais
agressivo, por um lado, mas também mais justo, por outro lado, nesse capítulo
ele tece críticas e elogios aos seus oponentes. E, mais uma vez, defendeu o seu
mestre, Confúcio, porém acrescentando o discípulo Zi Gong do mestre, já que o próprio Xun se colocava
dentro da linhagem de interpretação de Zi Gong. Dado que os comentários aos
doze filósofos (zi) constituem quase todo o capítulo, nesse caso, foi necessário
mostrar uma síntese do capítulo, que apresento a seguir.
Conforme os trechos 1 ao 9 do capítulo Contra os 12 filósofos, Xun (2006) defende que as doutrinas traiçoeiras enganam o povo e os governantes. Em especial,
ele crítica (e elogia) 12 filósofos em pares, formando 6 doutrinas criticadas: (1)
Tuo Xiao e Wei Mou agem equivocadamente conforme suas tendências e emoções (que
Xun entende serem naturalmente egoístas), mas explicam bem; (2) Chen Zhong
[Tian Zhong] e Shi Qiu veem o desviante como o benéfico, explicam mal, mas exaltam
a distinção entre pessoas (visto como positivo para Xun); (3) Mo Di (Mozi) e
Song Xing desprezam a unificação do país e as distinções sociais e políticas,
mas explicam de forma bem fundamentada; (4) Shen Dao e Tian Pian exaltam as
leis, conhecem bons modelos de conduta, e explicam bem fundamentados, mas não se
autocultivam moralmente; (5) Hui Shi e Deng Xi desconsideram os Reis Antigos e
os Ritos, gostam de argumentações estranhas e precisas que não tem serventias
práticas, mas explicam bem fundamentados; e, por fim, de modo raro na China
antiga, Xun critica até mesmo membros da sua própria escola filosófica, a
Escola dos Eruditos (“confucionismo”), da seguinte forma: (6) Zisi e Mêncio respeitam
o sistema dos Reis Antigos, mas não os entendem, eles tem boas intenções, mas
seguem a doutrina das cinco condutas adequadas, que, na verdade, não está de
acordo com Confúcio e Zi Gong (não é explicado por qual motivo ele pensa que é
uma doutrina em desacordo com o mestre);
Por fim, ele tece os elogios finais a quem ele entende que são bons modelos de
filósofos: Confúcio e Zi Gong, souberam sintetizar as melhores técnicas e
estratégias através de princípios adequados, que seria confiar no confiável e
duvidar do duvidoso, mas respeitar à todos (Knoblock, 1988).
Breve análise
Observamos nos três capítulos selecionados que o filósofo Xun crítica
(e eventualmente elogia) de modo explícito outros filósofos do seu tempo – a
antiguidade chinesa. Como pode ser notado no quadro abaixo, os filósofos mais citados
e presentes nos três textos, foram: Mozi (Mo Di), Songzi (Song Xing), Shenzi
(Shen Dao). Em seguida filósofos citados em pelo menos dois capítulos foram
somente Confúcio e Huizi (Hui Shi). Os demais 17 nomes aparecem somente um dos
textos analisados: Chen Zhong (Tian Zhong), Deng Xi, Laozi (Lao Tan), Mêncio, Shenzi
[Shen Buhai], Shi Qiu, Tian Pian, Tuo Xiao, Zhuangzi [Zhuang Zhou], Zi Gong, Zisi
e Wei Mou.
Quadro 1: Ocorrência de
nomes de filósofos nos capítulos 6, 17 e 21 do Xunzi.
Fonte: elaborado pelo
autor (2022).
Desses 22 nomes encontrados nesses três capítulos, vamos tecer somente
algumas breve análises e comentários. Primeiro, é notável que somente alguns
poucos nomes foram estudados e citados em pesquisas sobre filosofia chinesa em
língua portuguesa, mesmo quando em traduções, como Confúcio, Zi Gong, Zisi,
Mêncio (todos confucianos, até agora), Laozi, Zhuangzi, e, em menor alcance,
Mozi, Huizi, Shen Dao e Shen Buhai – ver os vários manuais de “introdução” à
filosofia chinesa em português (Kaltenmark, 1981; Granet, 1997; Cheng, 2008;
Lay, 2009; Van Norden, 2018, Wu, 2018). Os demais filósofos são praticamente
desconhecidos, no máximo mencionados, como aliás, por falta de espaço, faremos
o mesmo por enquanto, deixando eles para um próximo texto.
Segundo, sobre a recorrência de autores. É uma surpresa que, mesmo
havendo um capítulo específico somente em elogio a Confúcio na obra Xunzi (2006), ainda assim, nos capítulos
analisados, seu grande inimigo intelectual o Mozi, aparece mais do que o
próprio Confúcio. Songzi, alvo de críticas em capítulos inteiros, como o já
citado capítulo 18, é mais citado do que Zi Gong, que é o segundo Erudito (Ru)
mais respeitado por Xun, depois de Confúcio, claro. Shen Dao é citado nos três
capítulos, mesmo em forma de crítica, o que de alguma forma evidência a já
conhecida relação intensa de confronto e de empréstimo que Xun tem com a Escola
das Leis (Legalismo).
Terceiro: Quem eram esses vários autores mencionados no Xunzi? Vamos nos concentrar nos mais
mencionados nos capítulos investigados. O filósofo Mo Di (Mozi) viveu
aproximadamente entre 479-372 AEC (Cheng, 2008, p. 101). Trata-se do primeiro
forte opositor das ideias de Confúcio, o que faz Xun o ver como um adversário
político e intelectual. Por outro lado, Xun usou de métodos e terminologias moístas,
como a noção de distinção argumentativa (bian),
e a técnica de discursos escritos mais lineares e explicativos (shuo). O filósofo Song (Songzi) é na
verdade um compilado de escritos redigidos entre os séculos V e III AEC, que,
em síntese, defendia que os humanos devem diminuir desejos para ter uma vida
melhor e a ordem social almejada. Ele já foi aproximado tanto dos moístas (como
Xun fez no capítulo Contra os doze
filósofos) como dos daoístas, porém, na antiguidade entendiam que ele tinha
uma escola própria (Theobald, 2011). Por sua vez, Shen Dao (350-275 AEC) foi um
filósofo legalista que defendia a necessidade da existência das leis e a nossa
obediência à elas como o melhor caminho político para a manutenção da sociedade
e como melhor critério objetivo em medidas políticas, morais ou físicas
(Emerson, 2013).
Os dois filósofos mencionados em dois dos três capítulos foram Confúcio
e Huizi. Confúcio (551-479 AEC) é um
dos autores mais estudados no Brasil dentre os filósofos chineses, junto com
Laozi e Sunzi (Sousa, 2020), e talvez um dos mais conhecidos filósofos chineses
em todo o mundo. Mesmo que ele apareça nos três capítulos menos do que em
outros nomes, como já dito, Confúcio recebe um capítulo inteiro no livro Xunzi, e é um autor referencial em toda
a obra do filósofo Xun. Confúcio é o principal agente da Escola dos Eruditos,
uma tradição anterior a ele e que remete aos reis da antiguidade e aos seus
servidores, sendo o sistematizador dessa tradição antiga que criou uma nova
forma de ver e praticar essa mesma tradição para as gerações posteriores (Confúcio,
2012; Costa, 2021a). Huizi (Hui Shi, 380-305 AEC) teve um papel muito relevante
na elaboração das primeiras filosofias da linguagem, com fins tanto teóricos,
como éticos e até profissionais (Van Norden, 2018). Na dinastia Han (206
AEC-220EC), foi classificado dentro da “Escola dos Nomes”, um grupo heterogêneo
de autores que se focavam em debates e paradoxos linguísticos na China antiga.
Somente dez proposições dele sobreviveram, e estão presentes no capítulo 33 do
Zhuangzi, traduzidas diretamente do chinês para o português por Souza (2016, p.
70-71) e por Tsai (2017, p. 132-133).
Sobre os demais filósofos, caberia uma análise mais aprofundada em
outro momento, mas que já conta com algumas informações em Knoblock (1988). Por
ora, basta apontar duas coisas: (1) a leitura do Xunzi confirma que os antigos filósofos chineses se liam e tinham discordâncias
e concordâncias mútuas, como é o caso da postura que Xun tem em relação aos
daoístas Laozi e Zhuangzi, ou mesmo com os legalistas como o Shen Buhai; (2) há
alguns filósofos por ele mencionados em que são desconhecidos até mesmo o nome
por boa parte de quem pesquisa filosofia chinesa em língua portuguesa, como o Chen
Zhong, Deng Xi, Shi Qiu, Tian Pian, Tuo Xiao, Wei Mou, e isso evidência que
muito ainda precisa ser investigado da história intelectual chinesa.
Em quarto lugar, em relação aos argumentos do próprio Xun, nos
capítulos 17 e 21 ele escreveu dois parágrafos muito parecidos em termos de
argumentação. Trata-se do seguinte: suas críticas são contra o viés parcial,
até mesmo obsessivo e vicioso, que muitos filósofos têm com apenas um aspecto
da realidade, enquanto, por outro lado, defende uma visão ampla que é capaz de
observar os “grandes padrões” próprios de cada coisa existente. Isso seria
possível justamente por saber que cada coisa tem seu próprio padrão, sua
regularidade e estrutura, e, ao mesmo tempo, por seguir a postura ética dos
Eruditos (“confucianos”) virtuosamente trabalhada de forma ritual e pelo modelo
virtuoso dos Reis Sábios da antiguidade.
Já o capítulo 6 se difere em dois sentidos: (1) devido a ele citar
vários filósofos, muitos até hoje pouco estudados, mostra-se uma fonte
histórica única, como um indexador de filósofos da sua época; (2) além de
apontar críticas, como fez antes, seu argumento é mais justo nesse capítulo, já
que reconhece várias qualidades dos seus oponentes, ao passo que aponta que
somente Confúcio e Zi Gong de fato são completos. Estruturalmente, sua premissa
de que é necessário ser amplo e completo, e não parcial, continua. Mas foi
adicionada a premissa de que é possível, sim, aprender com os filósofos
incompletos e parciais, em alguma medida e em algum sentido. Mais exatamente,
Xun nos sugere confiar no que é confiável e duvidar do que é
duvidoso, numa postura de constante investigação. Ao contrário do que possa ser
esperado, ele não propõe que não levemos em conta outros pensamentos, mas sim
que os respeitemos. Como ele disse em seu capítulo 22: “É brilhante quem
consegue ouvir a todas [elas], sem que seu semblante seja orgulhoso ou
combativo. É generoso quem consegue abranger todas [elas], sem que sua
aparência [demonstre] ataque às suas virtudes” (Xunzi, cap. 22, In: Costa e Li,
2021, p. 126). Apesar de escolher um projeto político-filosófico específico, o
confucionismo, ele não é dogmático, mas escolhe o que é “confiável”, mesmo
dentro da sua tradição. Isso é confirmado pela sua crítica a Mêncio, tanto
nesse capítulo 6 como no seu capítulo 23.
Conclusão
Inicialmente, perguntei: de que forma a obra Xunzi nos possibilita a conhecer mais as ideias da antiguidade chinesa?
Conclusivamente, a partir dessa breve análise dos três capítulos (6, 17 e 21),
digo que o livro do filósofo Xun exige do leitor ou da leitora uma perspectiva
abrangente da história da filosofia chinesa antiga, já que torna necessário
conhecer melhor os outros autores citados. Até mesmo possíveis erros ou frases
incompletas registradas por ele forçam com que leitores e leitoras busquem por
entender o que está sendo criticado e
por qual motivo – por exemplo, sua crítica ao Mêncio no capítulo 6 exige a
leitura do seu capítulo 23 e até da própria obra Mêncio (ver Ho, 2006). Uma leitura atenta do Xunzi mostrará também toda uma rede das “cem escolas” de pensamento
e dos vários filósofos que se articulam em alguns pontos e disputam ideias em
outros aspectos. Dessa forma, a obra Xunzi
nos convida e nos desafia a conhecer mais sobre a diversidade filosófica na
China antiga, de forma que o próprio projeto xunziano seja melhor compreendido
junto com seu contexto intelectual.
Referências biográficas
Matheus Oliva da Costa é pós-doutorando pelo Departamento de Filosofia
da USP, é doutor e mestre em Ciência das religiões pela PUC-SP, é graduado em
Filosofia pela UNINTER-PR e em Ciência das religiões pela UNIMONTES-MG. É
professor de Filosofia e de História da China e da Índia antiga.
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Caro Matheus, mais um texto rico sobre Xunzi! interessante pensar que ao se posicionar de forma independente, criticando mesmo seus colegas da escola erudita, ele estava sendo mais confucionista do que nunca, rs e mesmo assim, não será essa a abertura que permitirá que ele fosse 'sequestrado' por outras agendas, como foi o caso claro dos legistas, como Hanfei? Podemos supor então que, de alguma forma, o legalismo continha um 'confucionismo' pessimista? Grato! =) André Bueno
ResponderExcluirSobre a outra pergunta: "Podemos supor então que, de alguma forma, o legalismo continha um 'confucionismo' pessimista?"
ExcluirRealmente os legalistas chineses antigos, cada um ao seu modo, eram bastante contra as propostas políticas confucianas, e em alguns textos eram bem explícitos quanto a isso, como sabes. Se o que chama de "pessimismo" é a visão que tinham do ser humano como um ser egoísta (o que significava "mau" para a coletividade, muitas vezes) guiado pelas vantagens e que rejeita as desvantagens para si, certamente Hanfei e Lisi foram influenciados pelo Xunzi nesse ponto. Contudo, é bom lembrar que Xun, como defensor do programa político e ético de Confúcio defendia a perfectibilidade humana, e era bem enfático quanto a necessidade e a possibilidade real de todas as pessoas se tornarem moralmente melhores. Yao, Shun, Yu, Wen, Wu, Duque de Zhou, Confúcio e Zi Gong são frequentemente citados no Xunzi como exemplos de quem realizou na prática essa perfectibilidade ética. Nessa segunda parte (de que podemos nos transformar para pessoas melhores até o grau de sábios), seus alunos legalistas não o seguiram, rejeitando essa possibilidade. Trata-se, ao meu ver, de dois modelos teóricos de ética incomensuráveis: a ética das virtudes confuciana, por um lado, e o consequencialismo legalista, de outro lado. Mas paro por aqui, pra não virar outro texto, rsrs.
Abraços
Obrigado, André. =D
Excluir"não será essa a abertura que permitirá que ele fosse 'sequestrado' por outras agendas, como foi o caso claro dos legistas, como Hanfei?"
Sim, os elogios que ele fez para alguns legalistas foram usados contra ele, especialmente a partir do final da dinastia Tang, quando a interpretação menciana na versão de Han Yu começa a ganhar força novamente dentro da Escola dos Eruditos. Han Yu chega a fazer comentários no estilo do Xunzi, mas contra o Xunzi, o que foi bastante irônico, rsrs.
Obrigado, André. =D
ResponderExcluir"não será essa a abertura que permitirá que ele fosse 'sequestrado' por outras agendas, como foi o caso claro dos legistas, como Hanfei?"
Sim, os elogios que ele fez para alguns legalistas foram usados contra ele, especialmente a partir do final da dinastia Tang, quando a interpretação menciana na versão de Han Yu começa a ganhar força novamente dentro da Escola dos Eruditos. Han Yu chega a fazer comentários no estilo do Xunzi, mas contra o Xunzi, o que foi bastante irônico, rsrs.
Grato! =D
ResponderExcluirAndré
Xunzi chega a citar e critica Han Fei ou apenas cita um pensador legista?
ResponderExcluir[postagem autorizada em função de problemas técnicos]
ExcluirXunzi foi professor do Hanfei (e outros filósofos) na Academia Jixia. Como Xunzi defendia um forte respeito aos professores, e uma concepção confuciana de hierarquia social, ele somente citava, direto ou indiretamente, autores anteriores ou contemporâneos dele, e não alunos. Por isso, ele não citou o Hanfei, e o Hanfei, cronologicamente, produziu também depois do momento mais ativo do Xunzi, o que pode ser que ele nem mesmo tenha visto os escrito do aluno.
Mas o Xunzi, nos 3 capítulos analisados, cita os legalistas Shen Dao, o Shen Buhai e o Tian Pian. Em outros capítulos a menções diretas e indiretas a outros legalistas também, ou a ideias compartilhadas pelos legalistas presentes em outros autores, como ideias da obra Guanzi.
Obrigado pela pergunta! Continuo à disposição.
Primeiramente, gostaria de parabenizar o excelente texto! Em segundo, como mencionado no artigo, o estudo de alguns filósofos chineses desse período é de difícil acesso no Brasil, seja pela dificuldade em encontrar traduções adequadas, ou até mesmo pela completa falta de acesso aos materiais escritos por esses filósofos. Pensando nisso, acha que o estudo de Xianzi pode ser um ponto de partida para conhecimento de novos pensadores e pensamentos chineses?
ResponderExcluirDesde já, grata pela atenção
Crislli Vieira Alves Bezerra
Xunzi*
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